Money Times Entrevista

Entrevista exclusiva: Governo de SP não deixou dinheiro na mesa e ainda terá ganho financeiro com Sabesp (SBSP3), diz secretária

31 jul 2024, 8:37 - atualizado em 20 out 2024, 21:55
Sabesp
Natália Resende e Tarcisio de Freitas durante a cerimônia que oficializou a privatização da Sabesp (Imagem: Flick/Governo do Estado)

Por Lorena Matos e Renan Dantas

Após um processo que se arrastou por meses, o governo de São Paulo, comandado por Tarcisio de Freitas (Republicanos), tirou a privatização da Sabesp (SBSP3) do papel, promessa que já vinha do seu antecessor, João Doria (PSDB).

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Em entrevista ao Money Times, Natália Resende, secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística e uma das responsáveis pelo processo, disse que foram meses de estudos para ‘encaixar’ a operação.

O resultado foi um modelo inédito para privatizações no Brasil. O formato incluiu a escolha de um investidor referência que pudesse dar resguardo a empresa, além de garantia aos investimentos necessários, que somam R$ 69 bilhões até 2029 e R$ 260 bilhões até 2060.

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Sabesp (SBSP3): governo de SP vendeu barato?

Apesar do aparente sucesso da empreitada, a venda da participação na companhia não passou imune as críticas. A principal delas foi de que o governo de São Paulo teria ‘deixado dinheiro na mesa’ diante da enorme demanda, que atraiu R$ 186 bilhões.

Além disso, o preço pago pela Equatorial (EQTL3), o investidor referência da Sabesp, foi de R$ 67. Trata-se de um desconto na ordem de 30% em relação aos preços atuais, o que alimentou a tese de que o governo entregou de ‘bandeja’ uma empresa considerada bem tocada e que lucrou R$ 3,5 bilhões em 2023.

Natalia rechaça a tese e diz que, sem a privatização, a Sabesp não teria chegado ao patamar acima de R$ 80 negociado atualmente.

Lembrando que as ações acumulam alta de 53% desde 1º de janeiro de 2023, quando Tarcisio assumiu. O valor de R$ 14 bilhões arrecadados pelo governo também ficou acima do mínimo de R$ 10 bilhões estabelecido por deputados estaduais na Assembleia Legislativa.

Não acho que [o Estado] deixou dinheiro na mesa, pelo contrário. Além de ter superado a expectativa orçamentária que tínhamos, ainda terá um ganho financeiro, no médio ou longo prazo, muito grande”, afirma a secretária.

Agora, a expectativa é que a Sabesp dê um novo salto de gestão se utilizando da Equatorial, empresa que possui bom histórico no setor elétrico, mas que ainda precisa se provar no saneamento.

Desde que acertou a privatização, pelo menos duas casas revisaram a tese de Sabesp, JPMorgan e XP, com retornos potenciais que chegam a 40% e recomendação de compra para as ações SBSP3.

Natália Resende vai na mesma linha ao falar sobre o retorno financeiro que o Estado ainda pode ter com a participação na agora ex-estatal.

“Se observarmos, os nossos [participação do governo de São Paulo] 18% que ficaram já estão valendo quase R$ 10, R$ 11 bilhões, e nós vendemos R$ 15 bilhões. Então, o que estamos vendo?  Daqui a um tempo, nossos 18% vão valer os 32% que vendemos.”

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Money Times: O governo de SP deixou dinheiro na mesa e poderia ter arrecadado mais com a privatização da Sabesp?

Natália Resende: Não, não acho. Primeiro, estávamos com uma expectativa de R$ 10 bilhões, que foi o que colocamos no orçamento, e tivemos praticamente R$ 15 bilhões (R$ 14,7 bilhões). Então, foi bem acima do que estávamos esperando. 

Segundo, só existiu essa valorização porque fizemos o modelo dessa forma, e temos batido muito nessa tecla. 

Muitas vezes as pessoas simplesmente pegam o valor de tela e comparam com R$ 67 [preço da oferta de ações]. Mas temos que ver a trajetória de valorização das ações. Se você pegar de 2022 até chegar em R$ 67, foi um aumento de mais de 50% no valor das ações. Em 2022, às vezes ela variava de R$ 30 a R$ 40.

Desde quando qualificamos o PPI no nosso programa de parcerias até os R$ 67 houve uma valorização de mais de 37%. Se você fizer uma comparação com Copel (CPLE3), Eletrobras (ELET6) e outras desestatizações, nunca houve uma valorização tão grande.

Quando se fala desse tipo de operação, e mais, de um acionista de referência que não tem controle e vai ter que ficar “preso”, que vai ter um lock-up e não vai poder vender ações até 2029, gera normalmente um desconto e está na média do que observamos.

Money Times: Qual a razão da valorização?

Natália Resende: Porque o próprio mercado viu a qualidade do processo do acionista de referência e a valorização que a Sabesp pode ter no longo prazo. Os investidores que estão comprando as ações estão vendo o potencial.

Se observarmos, os nossos [participação do governo de São Paulo] 18% que ficaram já estão valendo quase R$ 10, R$ 11 bilhões, e nós vendemos R$ 15 bilhões. Então, o que estamos vendo?  Daqui a um tempo, nossos 18% vão valer os 32% que vendemos.

Além dessa questão financeira, o importante são os objetivos que traçamos desde o início de universalização, de melhoria da prestação dos serviços. Para isso, precisamos ter uma estabilidade, uma governança bem estabelecida. 

O que vemos em muitas full corporations [empresas sem dono], que têm muita pulverização, tem muita troca de conselho, não tem um management muito estabelecido e isso prejudica o cumprimento das obrigações. E temos que fazer investimento até 2029. 

Inclusive, isso provoca queda de ações. Então, se você for olhar em algumas full corporations, o que aconteceu foi que em vez de ter esse aumento, como ocorreu na Sabesp, a ação caiu. 

Money Times: Como o governo avalia a falta de concorrência no final para definir o investidor de referência? Houve alguma falha no desenho da privatização?

Natália Resende: Não teve falha na nossa visão. Ficou dentro do esperado. É natural acontecer isso em projetos de infraestrutura que têm muito investimento, em que os valores são altos. Mas teve muito diálogo. 

Primeiro, estamos falando de 15% das ações, então o cheque é “alto”. Só de fiança eram R$ 7,5 bilhões. Foi a maior oferta de toda a história da B3, os R$ 6,9 bilhões da Equatorial. 

E isso, de fato, é difícil, ainda mais no cenário que estamos. Só que é necessário [ter o acionista referência]. Por causa da governança que precisávamos estabelecer.

Para ter estabilidade e governança, precisávamos ter essa tranche do estratégico, que é algo já previsto na Resolução 160 do CVM (Comissão de Valores Mobiliários), para conseguir dar essa estabilidade que não vemos no Brasil. 

Por outro lado, uma coisa que sempre falamos, que era muito cara para o Estado e que era o objetivo desde o início: não colocamos um prêmio de controle, não estamos passando controle. 

E isso, para determinadas empresas, é muito importante. E tudo bem, cada um opera da melhor forma que é a característica da empresa.

Determinadas empresas que nos procuraram, acabaram também não entrando porque não iriam ter o controle. E, de fato, isso era uma coisa que tínhamos colocado como premissa desde o início.

Estudamos muito como seria essa lógica do investidor de referência no âmbito de um bookbuilding, porque não estávamos fazendo um leilão. É bem diferente. O normal do bookbuilding é você ter um book mesmo. Esse é o natural. 

Operacionalmente, o que daria segurança regulatória e segurança jurídica para o processo era ter até dois investidores.

Tanto que, quando fizemos o prospecto, colocamos dois, um e zero e o que ia acontecer em cada caso. 

Money Times: Por que vocês fizeram isso?

Natália Resende: Porque não queríamos que chegasse algum aventureiro, alguém que desse um bid [oferta] muito alto, mas, por outro lado, não tivesse uma aceitação do mercado. Porque o bookbuilding é isso, no fim das contas, é uma procura do mercado.

Se aparecesse, por exemplo, alguém ali para dar um valor muito alto, mas que fosse uma empresa que não tivesse uma respeitabilidade do mercado, aquele livro também não se formaria.

O modelo também foi feito de uma forma que protegêssemos os objetivos do Estado, protegesse a própria Sabesp, para poder cumprir a lógica da universalização, dos investimentos, da redução tarifária, de tudo que a colocamos desde o início.

Money Times: O que o governo vai fazer com esses investimentos, quais são os planos para a Sabesp e o Estado?

Natália Resende: Em relação à Sabesp, o contrato já entrou em vigor no dia 23 e no mesmo dia começamos a implementar a lógica de redução tarifária, nesse primeiro mês, de uma forma proporcional devido ao fechamento das contas. A partir do dia 23 de agosto, já entra a integral.  

Já estamos cumprindo o que prometemos em relação à redução, com os valores que prometemos e todas as obrigações que tem lá, já temos um BI organizado para ter o cumprimento de todas as partes.

Dessa parte, 30% vai para o fundo desse valor que foi captado. Os demais valores, temos muito investimento em infraestrutura previsto. Tem desde a questão de mobilidade, tem a parte de rodovias, tem a parte de infraestrutura hídrica.

Existe todo um planejamento por trás também, em relação aos demais valores, tirando a parte que tem que ir para o fundo, por causa da lógica da tarifa, e também de investimentos em saneamento. 

O fundo é amplo, mas vamos focar nesse primeiro momento na redução e no controle tarifário.

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