Rússia x Ucrânia: Grandes erros de Putin são o maior saldo de 7 dias de guerra
Há uma semana, na madrugada do dia 24, a Ucrânia começava a enfrentar o que seria um conflito que mobilizaria o mundo.
O presidente Vladimir Putin autorizou a invasão do país, dando início a uma guerra que já resultou em centenas de mortes, entre civis e militares, além de uma forte mobilização por parte da comunidade internacional.
O que era projetado há sete dias, no entanto, não se concretizou — pelo menos, não ainda. Com um aparato militar consideravelmente maior que o da Ucrânia, uma vitória rápida da Rússia era tida como certa por especialistas. O que não se esperava, no entanto, era quanto os ucranianos resistiriam para tentar proteger a sua soberania.
Para o professor de relações internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) Carlos Gustavo Poggio, Putin cometeu uma série de erros, tanto do ponto de vista tático como do ponto de vista estratégico.
Isso porque a invasão partiu de uma série de premissas que não aconteceram, que vão desde uma derrota rápida e rendição por parte dos ucranianos até uma reação atônita e passiva por parte do Ocidente.
O professor destaca, no entanto, que os russos não contaram com a resistência popular que enfrentariam, “subestimando o nacionalismo ucraniano”.
Tiro saiu pela culatra
Do ponto de vista estratégico, Poggio avalia que Putin conseguiu o inverso daquilo que planejava. “Ele não conseguiu alcançar os objetivos que já tinha há muito tempo. Queria enfraquecer a Otan e conseguiu fortalecê-la, viu uma União Europeia unida, Suécia e Finlândia querendo entrar para a Otan”.
Um dos principais pontos do imbróglio que envolve os dois países é, justamente, o avanço da Otan para o Leste Europeu, e a Rússia vendo suas fronteiras ameaçadas. Para o professor, Putin conseguiu dar novo sentido à aliança, que vivia uma “crise existencial” desde o fim da Guerra Fria.
“A Otan, pós-Guerra Fria, perdeu o sentido de existir. A manutenção da aliança era até criticada, ainda que a existência dela vá muito além e trate de valores compartilhados entre Estados Unidos e Europa. Mas não tinha razão militar para existir. O Putin acabou de dar essa razão. Ao mostrar uma Rússia agressiva, ele conseguiu o contrário”.
As respostas do Ocidente não demoraram a acontecer. De forma mais imediata, os Estados Unidos e a União Europeia começaram a impor fortes sanções políticas e econômicas contra o país.
Putin também não previa esta reação, já que as sanções impostas após a invasão da Geórgia em 2008 e a anexação da Crimeia em 2014 foram muito mais “suaves”, e pouco impactaram a economia russa.
“Ele não esperava nada desse tipo, na verdade, ninguém esperava. É importante dizer que não é só uma reação dos governos, é uma reação também do setor privado, das ONGs, das entidades e das próprias sociedades. Acho que como ele tem uma visão de muitos anos de que o Ocidente estava em declínio, ele errou no cálculo”, avalia o professor de relações internacionais da ESPM, Gunther Rudzit.
Na tarde desta quarta-feira (2), Assembleia Geral da ONU aprovou a resolução contra a invasão da Ucrânia pela Rússia por ampla maioria. Foram no total 141 votos a favor, 5 contra e 35 abstenções. O Brasil também votou a favor, junto a ampla maioria de países.
A resolução em si não funciona como lei, mas sim como uma recomendação da ONU e mostra como a comunidade internacional vê a invasão.
Grandes empresas também interromperam seus serviços e operações no território. O anúncio mais recente foi da Apple (AAPL34), que divulgou na noite de terça-feira (1) a suspensão das vendas de seus produtos em toda a Rússia, como forma de retaliação à invasão.
Os fronts da guerra
Para o professor Vicente Giaccaglini Ferraro Jr., do Laboratório de Estudos Ásia/Rússia da Universidade de São Paulo (USP), a guerra se deflagrou em vários fronts. O econômico é, definitivamente, um dos principais, decorrente de uma ação que Giaccaglini avalia como “coletiva e coesa” por parte do Ocidente.
Há, também, a questão da imagem do próprio líder do país, o tal do soft power. “[A guerra pode afetar] A questão da popularidade do regime, tanto fora quanto dentro do país, podendo ter um impacto dentro da Rússia. Conflitos muitas vezes podem trazer impactos positivos na popularidade de líderes, mas essa guerra está gerando polaridade na comunidade russa. É uma incógnita”.
Quem sai “bem visto” do conflito é o presidente ucraniano, um outsider da política, ex-comediante que fez fama em uma série em que ele interpretava coincidentemente o papel de um presidente.
Volodymyr Zelensky afirmou que mesmo sendo o “alvo número 1”, não deixaria o país. No último sábado (26), Zelensky chegou a dizer que “não precisava de carona, e sim de munição”, ao recusar uma oferta dos Estados Unidos para deixar o país com a sua família.
Os civis também estão lutando nas ruas, atacando as tropas russas com coquetéis molotov, orientados pelo Ministério da Defesa como forma de afastar os invasores.
A embaixada da Ucrânia no Reino Unido se manifestou por meio de sua página oficial do Twitter sobre a fala do presidente, acrescentando que os ucranianos estariam “orgulhosos dele”.
“A intervenção da Geórgia em 2008 levou popularidade a Putin, a questão da anexação da Crimeia em 2014 também, quando chegou a ultrapassar os 75%. A aprovação de Zelensky estava bem baixa e nos últimos dias saltou. É algo já estudado há muito tempo, essa narrativa de legitimidade do regime por meio da ideia de que existe um conflito entre valores, essa batalha ideológica”, diz Giaccaglini, da USP.
Quem vai parar Putin?
Rudzit, da ESPM, lembra que “se até a Suíça rompeu a neutralidade, é porque o mundo mudou”. Ele refere-se à tomada de posição por parte do país, que historicamente não se posiciona sobre conflitos.
O professor pondera que com a invasão da Ucrânia, a Rússia conseguiu se mostrar uma ameaça. Ainda assim, ele não acredita que o passo dado por Putin desta vez deva se repetir em outras nações. “Comprar briga” com países aliados à Otan acarretaria uma resposta militar de proporções muito maiores às oferecidas pela Ucrânia.
“Ele não quer acabar com a ideia de ‘Mãe Rússia’, com a sua população. Se ele atacar um país da Otan, ele sabe que a Otan vai responder com arma nuclear”.
Poggio, da FAAP, acredita que o que pararia Putin poderia ser a sua própria queda ou a perda de apoio dentro do Kremlin. Alerta, no entanto, ser um cenário pouco possível, ainda que não seja descartável.
Rudzit lembra que em uma democracia, com pesos e contrapesos, a vontade do presidente não é a palavra final, precisando da autorização seja do Parlamento, ou do Congresso. Mas a Rússia não é uma democracia, e o Congresso é um “anexo do Kremlin”. Desta forma, é difícil pensar no que poderia freá-lo.
O professor Giaccaglini, da USP, vê que todos os indícios mostram que a Rússia não quer “só” a neutralidade do Estado da Ucrânia, mas também a derrubada do governo de Zelensky” (levando em conta, inclusive, a justificativa de “desnazificação do país”). Tratando-se do presidente russo, no entanto, a imprevisibilidade impera, já que poucos apostavam que esta guerra, de fato, aconteceria.
“É uma preocupação que a guerra se prolongue. Os russos têm trauma da guerra da Chechênia em 1994. Por quase dois anos, foram muitas mortes. No front geopolítico, pode ser que Putin tenha uma conquista, algo que vem sendo levantado desde os anos 90, que é a não entrada da Ucrânia na Otan”, diz Giaccaglini.