RS vê recorde de venda antecipada de trigo para exportação; Fecoagro estima 850 mil t
Influenciados pelo efeito da valorização do dólar sobre os preços, produtores de trigo do Rio Grande do Sul alcançaram um patamar nunca antes visto em fixação de vendas antecipadas do cereal desta safra para o mercado internacional, disseram integrantes do setor à Reuters.
O Brasil, um importador líquido de trigo, exporta volumes do cereal todos os anos.
Mas chama a atenção o total já travado para vendas externas, de uma safra que acabou de ser plantada no Estado que, tradicionalmente, mais exporta.
Estima-se que cerca de 850 mil toneladas de trigo já estejam negociadas com tradings, disse o presidente da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado do Rio Grande do Sul (Fecoagro/RS), Paulo Pires. O cereal gaúcho representa mais de 70% dos embarques do país no setor.
Nesta época de 2019, a comercialização antecipada considerando que a colheita começa em meados de setembro estava em torno de 250 mil toneladas, afirmou a fonte de uma trading sob condição de anonimato.
E a expectativa é que as exportações do cereal alcancem 1 milhão de toneladas no ano comerial de 2020/21. “O patamar de 1 milhão já foi atingido em anos anteriores, mas este volume comercializado já em agosto é algo inédito”, disse a fonte.
Em uma perspectiva ainda mais otimista, o presidente da Fecoagro/RS aposta em 1,2 milhão de toneladas em exportações após a colheita desta safra, desde que o clima contribua para que a produção chegue a 3 milhões de toneladas.
“Este ano vamos produzir 3 milhões de toneladas de trigo e a indústria gaúcha só consome 2 milhões.
Mesmo quando nossa produção era menor, e estava na casa de 2,5 milhões de toneladas, já havia um excedente exportável”, explicou Pires.
Um dos poucos setores em que o Brasil não é autossuficiente, a cadeia do trigo é tradicional importadora da commodity para complementar a oferta local.
Neste ano, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) é mais cautelosa que os representantes do setor e espera pela colheita de 2,67 milhões de toneladas de trigo no segundo produtor do Brasil, com uma alta anual de 21%.
No Brasil, a produção deve crescer 32,5%, para 6,83 milhões de toneladas, com um impulso do Paraná, tradicionalmente o maior produtor brasileiro, estima a Conab.
Analistas do setor também projetam uma safra maior que o governo para o Brasil, de 7 milhões de toneladas.
Ainda assim, a Conab indica que o país precisará adquirir 6,7 milhões de toneladas no mercado internacional, majoritariamente na Argentina.
No entanto, Pires disse que o excedente exportável do Rio Grande do Sul se justifica pois parte da produção daquele Estado é de um trigo mais brando, ou “soft”, e com teor de proteína entre 12,5% e 13%, mais elevado do que o utilizado no mercado interno.
“Alguns compradores exigem esse teor elevado de proteína, uma característica que os gaúchos cumprem com certa facilidade. Lá fora, esse cereal é usado para ração ou para produção de pães que não exigem uma farinha tão branca”, explicou.
O presidente da Comissão de Trigo da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), Hamilton Jardim, acrescentou que os principais compradores são países africanos, do Oriente Médio, e asiáticos, como a Malásia.
O analista da consultoria Safras & Mercado Jonathan Staudt disse que, em anos anteriores, a exportação de trigo estava mais atrelada à menor qualidade do cereal após a colheita.
“Mas em 2020, o fator determinante não foi a qualidade menor. Acredito que a questão cambial tenha tornado esse trigo bem mais atrativo para os vendedores e o dólar valorizado torna a commodity mais competitiva lá fora”, afirmou o especialista.
O presidente da Fecoagro ainda pontuou que algumas áreas gaúchas são mais quentes, um clima propício para este cultivo de nicho diferente do “trigo pão”.
“Fizemos uma parceria com a Embrapa para desenvolvimento de cultivares para exportação e temos até um programa de incentivo ao plantio para os produtores”, completou Pires.