Rodolfo Amstalden: Tartarugas até lá embaixo?
Os atos escusos que furam o teto de gastos são os mesmos que furam o piso da Bolsa brasileira.
Ou, mais precisamente, os pisos, no plural.
Pois cada piso furado dá origem automaticamente a um novo piso, menor que o anterior.
Os analistas técnicos chamam esses pisos de suportes sucessivos.
A inteligência de rua chamaria de “turtles all the way down”, em referência à lendária provocação feita ao matemático Bertrand Russell.
Segundo o folclore científico, o jovem Russell estava dando uma palestra sobre astronomia, na qual descrevia o caráter elíptico da órbita da Terra em torno do Sol.
Ao final da exposição, uma senhora sentada ao fundo da sala pediu a palavra para comentar:
“Desculpe, mas tudo isso que você acabou de falar é pura bobagem! Todos sabemos que o Planeta Terra consiste em uma superfície plana apoiada sobre as costas de uma tartaruga gigante”.
Por sorte, aquele era um matemático com bom humor (coisa rara). Sorriso no rosto, Russell devolveu prontamente outro questionamento à senhora:
“E qual seria o alicerce dessa tal tartaruga?”
E ela disse:
“Você é muito esperto, meu jovem, muito esperto mesmo. Mas a verdade é que temos tartarugas até lá embaixo”.
A expressão hoje é informalmente usada para aludir a processos recursivos, nos quais um um fenômeno, um objeto ou uma rotina podem ser repetidos ad infinitum, sempre ditados pela autorreferência.
Mas não é bem esse o caso das quedas da Bolsa, pois a redefinição de novos pisos (felizmente) não segue um processo de repetição estrita e infinita.
A partir de certo nível de valuation (indeterminado), a probabilidade de um novo piso, abaixo do anterior, passa a ser cada vez menor.
Dito de outra forma: você precisa de catástrofes cada vez maiores para fazer a Bolsa cair de maneira uniforme.
É claro, tudo pode acontecer, mas precisaríamos ser um tanto quanto pessimistas para imaginar um cenário substancialmente pior que o atual.
Tartarugas até lá embaixo?
Tartarugas até ali embaixo.