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Rodolfo Amstalden: Sobre o que aconteceu com a perpetuidade

07 jan 2021, 15:19 - atualizado em 07 jan 2021, 15:19
Rodolfo Amstalden
“O investidor que pleiteava pagar barato por um etcetera gigantesco oculto na perpetuidade deve se adaptar para pagar caro por um único ano futuro cujo fluxo de caixa corresponde a toda uma perpetuidade de antigamente”, diz o colunista (Imagem: Murilo Constantino/Empiricus)

Estamos começando o ano um pouco mais técnicos.

Peço desculpas aos leitores, mas trata-se de um caminho natural. Começamos o ano técnicos e terminamos o ano bêbados.

Aos professores de Finanças que costumam mandar e-mails pedindo autorização para citar nossos textos em suas aulas, exponho de antemão a orientação geral de que está liberado. No questions asked.

Pois bem, vamos lá.

Pode-se dizer que o Value Investing morreu, ou que sua clássica receita de fronteira entre a barganha e a não barganha ficou mais maleável.

É um debate interessante para os acadêmicos, mas de pouco apelo para investidores práticos.

A nós, o que interessa é exercitar mente e bolso para pagar caro por crescimento exponencial, que é o mesmo que o antigo pagar barato por crescimento linear.

Junto à morte universal das taxas de juros, há um motivo metodológico para toparmos aceitar múltiplos maiores across the board.

Esse motivo é:

“O horizonte de expectativas adiantáveis está aumentando ao longo da história”.

Antigamente, planilheiro montava DCF com cinco anos explícitos, e todo o resto na perpetuidade.

Os mais nerds costuravam dez anos explícitos, pra ganhar elogio do professor, mas não fazia tanta diferença no resultado final.

Por quê?

Ora, quando elevados à enésima potência, os juros altos no denominador tratavam de desidratar o numerador, especialmente diante de um crescimento apenas linear para os fluxos de caixa.

Compensava MUITO pular direto para a perpetuidade.

Agora, não só os juros derreteram, como o numerador — nos certos casos especiais que realmente interessam — ganhou a capacidade de crescer exponencialmente (!).

Cada vez mais, rumamos metodologicamente para extirpar a perpetuidade da conta do DCF e capturar, exercício após exercício, toda a beleza dos fluxos de caixa intertemporais.

Essa é a obrigação que a realidade nos impõe.

Naturalmente, não estou falando de uma obrigação do tipo: “Caramba, precisamos atualizar nossas macros do Excel!”.

A obrigação é de atualizarmos nossa intuição numérica, e até mesmo nossos crivos morais.

O investidor que pleiteava pagar barato por um etcetera gigantesco oculto na perpetuidade deve se adaptar para pagar caro por um único ano futuro cujo fluxo de caixa corresponde a toda uma perpetuidade de antigamente.

Seguindo essa argumentação, eu poderia ponderar que “veja bem, caro e barato são conceitos relativos, o caro de antigamente agora é barato, o Value Investing não morreu, blá-blá-blá”.

Mas nós sabemos que eu estaria sendo apenas mais um financista babaca ao dizer isso.

O caro é caro mesmo.

Você paga barato para ter uma bosta de ativo, cheio de riscos de desaparecer num futuro próximo.

E paga caro para comprar uma chance de perpetuidade das perpetuidades.

É como funciona agora.