Rodolfo Amstalden: Sobre o que aconteceu com a perpetuidade
Estamos começando o ano um pouco mais técnicos.
Peço desculpas aos leitores, mas trata-se de um caminho natural. Começamos o ano técnicos e terminamos o ano bêbados.
Aos professores de Finanças que costumam mandar e-mails pedindo autorização para citar nossos textos em suas aulas, exponho de antemão a orientação geral de que está liberado. No questions asked.
Pois bem, vamos lá.
Pode-se dizer que o Value Investing morreu, ou que sua clássica receita de fronteira entre a barganha e a não barganha ficou mais maleável.
É um debate interessante para os acadêmicos, mas de pouco apelo para investidores práticos.
A nós, o que interessa é exercitar mente e bolso para pagar caro por crescimento exponencial, que é o mesmo que o antigo pagar barato por crescimento linear.
Junto à morte universal das taxas de juros, há um motivo metodológico para toparmos aceitar múltiplos maiores across the board.
Esse motivo é:
“O horizonte de expectativas adiantáveis está aumentando ao longo da história”.
Antigamente, planilheiro montava DCF com cinco anos explícitos, e todo o resto na perpetuidade.
Os mais nerds costuravam dez anos explícitos, pra ganhar elogio do professor, mas não fazia tanta diferença no resultado final.
Por quê?
Ora, quando elevados à enésima potência, os juros altos no denominador tratavam de desidratar o numerador, especialmente diante de um crescimento apenas linear para os fluxos de caixa.
Compensava MUITO pular direto para a perpetuidade.
Agora, não só os juros derreteram, como o numerador — nos certos casos especiais que realmente interessam — ganhou a capacidade de crescer exponencialmente (!).
Cada vez mais, rumamos metodologicamente para extirpar a perpetuidade da conta do DCF e capturar, exercício após exercício, toda a beleza dos fluxos de caixa intertemporais.
Essa é a obrigação que a realidade nos impõe.
Naturalmente, não estou falando de uma obrigação do tipo: “Caramba, precisamos atualizar nossas macros do Excel!”.
A obrigação é de atualizarmos nossa intuição numérica, e até mesmo nossos crivos morais.
O investidor que pleiteava pagar barato por um etcetera gigantesco oculto na perpetuidade deve se adaptar para pagar caro por um único ano futuro cujo fluxo de caixa corresponde a toda uma perpetuidade de antigamente.
Seguindo essa argumentação, eu poderia ponderar que “veja bem, caro e barato são conceitos relativos, o caro de antigamente agora é barato, o Value Investing não morreu, blá-blá-blá”.
Mas nós sabemos que eu estaria sendo apenas mais um financista babaca ao dizer isso.
O caro é caro mesmo.
Você paga barato para ter uma bosta de ativo, cheio de riscos de desaparecer num futuro próximo.
E paga caro para comprar uma chance de perpetuidade das perpetuidades.
É como funciona agora.