Colunistas

Rodolfo Amstalden: Num piscar de olhos estrábicos

15 abr 2021, 10:30 - atualizado em 15 abr 2021, 10:30
Rodolfo Amstalden
(Imagem: Murilo Constantino/Empiricus) “O investidor coxa, que espera bons motivos para comprar, vai continuar esperando ou vai comprar muito mais caro, lá na frente, quando já estivermos todos em Pasárgada” diz o colunista.

Do fim de fevereiro até este meio de abril, o Ibovespa retomou os 120 mil pontos rapidamente, e sem qualquer utopia.

Isso nos traz uma importante lição enquanto investidores agnósticos: a Bolsa não precisa de motivos para subir.

Repita o mantra: não precisa de motivos para subir, não precisa de motivos… assim como você não precisa ser sempre feliz para viver. Seu tesão pela existência depende apenas de um mínimo conjunto de significados honestos.

O investidor coxa, que espera bons motivos para comprar, vai continuar esperando ou vai comprar muito mais caro, lá na frente, quando já estivermos todos em Pasárgada.

Geralmente, a ausência de razões para cair já é uma ótima notícia, independentemente de quaisquer critérios canônicos sobre “a eficiência no apreçamento de ativos de risco”.

Qual é a régua perfeita que o observador perfeito usará para medir todas as coisas do mundo?

De minha parte, enxergo através de ângulos oblíquos, e minha régua é torta.

Aliás, bem-vindo à Empiricus — o lugar que reúne pessoas que nasceram com as réguas tortas, e não têm vergonha de admitir.

Welcome to the club. 

Fique à vontade para puxar uma cadeira, sempre temos um lugar à mesa reservado para você. Aguarde um minuto que, em breve, distribuiremos as cartas; o jogo já vai começar.

Mas, antes, afinal: o mercado é ou não é eficiente?

O mercado coleciona ineficiências, e pode colecioná-las tanto quanto for possível caber em suas grandes mãos invisíveis — como uma avó montando suas quase trincas na cacheta.

O mercado acumula várias ineficiências nas mãos, mas sorri aquele sorriso amarelo de avó ex-fumante para seus netinhos, como se estivesse numa baita maré de azar, a eterna busca pelo maldito oito de paus.

Como humildes jogadores do lado da mesa — se é que as mesas redondas têm lado —, às vezes conseguimos espiar uma ou outra carta nas mãos do mercado.

Uau, como somos espertos! 

Ou será que a avó pseudodistraída é quem deixou-se espiar?

Espiamos com o gosto de quem faz algo proibido, e aquela carta nas mãos do mercado passa a ser imediatamente percebida como uma oportunidade.

Não há como segurar tamanha ineficiência por tanto tempo, simplesmente não faria sentido.

Que absurdo!

Não há arbitradores neste mundo?

O mercado tem nas mãos exatamente a carta de que eu preciso para bater o benchmark, uma carta que — para ele — se mostra inútil, mas não descarta nunca.

Ok, ok. Se quer jogar dessa forma, pior pra ele. Olho por olho. Também não descarto nunca o meu oito de paus, mesmo que seja preciso morrer com esta merda nas mãos.

E assim vamos acumulando rodadas e rodadas, passando da meia-noite, resistência armada.

Não posso nem me levantar para ir ao banheiro (pelas regras da casa, os jogadores não podem levar as cartas consigo até o mictório). Faço um esforço surreal para continuar líquido pelo mesmo tempo em que o mercado se mantém irracional.

Luto contra um sono desesperador, passo a confundir os números e naipes.

Então, num piscar de olhos — será que eu pisquei ou dormi? —, o mercado descarrega sobre a mesa todas as suas trincas e quadras, algumas delas formadas com a ajuda de coringas providenciais.

O mercado bateu, sem depender do meu oito de paus. Não posso acreditar.

Perdi, mas podia ter ganhado.

Quer jogar de novo?