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Rodolfo Amstalden: Não confie em alguém maior de idade que nunca tenha ido lá

26 maio 2022, 12:58 - atualizado em 26 maio 2022, 15:39
Rodolfo Amstalden
A Lôca era um templo do underground paulistano (Imagem: Empiricus)

Nos tempos de faculdade, eu tinha um colega de curso que batia cartão na Lôca, Frei Caneca, 916, consumação mínima de R$ 5.

Deixou saudade.

A Lôca era um templo do underground paulistano, em que atores globais e moradores de rua dividiam a mesma pista de dança (entre outras coisas).

Toda quinta-feira esse meu amigo estava lá.

Sexta-feira de manhã era dia de ouvir as histórias, cada vez mais curiosas, em vez de prestar atenção na sonolenta aula de HPE.

Beijo triplo nem tinha graça mais.

Então, ele chegou numa sexta, sempre de boné, só que dessa vez estava puto da vida.

“Dorfo, fiquei revoltado ontem, você não sabe o que que aconteceu.”

Na Lôca?

Era uma pergunta estúpida, só podia ter sido lá; só que não era.

“Foi um pouco antes de entrar, na real.”

“Tava tomando maria mole com os bróder num boteco ali do lado, na esquina.”

“Quando me para na mesa um moleque meio da nossa idade, talvez um pouco mais novo, tá ligado?”

Tô ligado.

“Aí ele chega pra gente, diz que tá morrendo de fome, que a última refeição dele foi no dia anterior, no almoço. Mano, foi foda, apertou no coração mesmo.”

“Na hora, falei que ele não precisava mais reclamar, que eu ia comprar alguma coisa pra ele comer.”

Bom, esse meu amigo comprou uma coxinha para o rapaz, que pegou a coxinha e prontamente a jogou no chão da calçada, gritando: “Não quero porra de salgado nenhum, quero um lanche de pernil”.

O sujeito estava alegadamente morrendo de fome, 36 horas sem comer nada, mas uma coxinha não atendia aos anseios do seu paladar apurado.

Morrendo de fome, mas jogou a coxinha no chão.

É triste, está perigosamente longe do ideal; porém, quando estamos mortos de fome, não podemos nos dar ao luxo de fazer escolhas muito alinhadas às nossas preferências gourmet.

Vai o que tem disponível, questão de sobrevivência, que vem antes da excelência.

É o que penso sobre investir em estatais no contexto atual.

Num mundo ideal, eu evitaria comprar ações de estatais, intervenção do governo, corrupção, blá-blá-blá… 

Mas, veja só, nem eu nem você moramos num mundo ideal. Estamos a anos-luz de distância desse tipo de utopia.

Mercado morto de fome nos convida a alimentar o corpo e a alma com as coxas e sobrecoxas de estatais, cujos múltiplos descontados ativam minhas glândulas salivares.

Não à toa, entre as dez melhores performances do IBOV year to date, encontramos ELET3 (+36,97%), PETR4 (+36,87%) e BBAS3 (+36,51%) — todas bem mais saborosas do que o lanche de pernil da renda fixa.

Até mesmo na Lôca — meu amigo explicava —, quem fica escolhendo ativos perfeitos demais vai embora pra casa sem pegar ninguém.

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