Money Times Entrevista

Risco fiscal: “É um cenário bastante desafiador e com o governo dando sinais ambíguos”, afirma economista da FGV

18 out 2024, 7:00 - atualizado em 17 out 2024, 11:30
Guilherme Tinoco, economista e pesquisador associado da Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE) fiscal
(Imagem: Divulgação/ FGV IBRE)

Desde o começo do terceiro Governo Lula, o mercado vem se questionando se a equipe econômica será capaz de controlar os cofres públicos.

A avaliação do cenário fiscal brasileiro já passou por algumas fases, desde então: veio a expectativa em relação ao fim do teto de gastos — criado em 2016 –, o contentamento com o novo arcabouço fiscal e, agora, o temor de que o governo não será capaz de cumprir com as metas fiscais estabelecidas em 2023.

Hoje, o maior desafio do governo é reduzir o déficit das contas públicas para, pelo menos, 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB). O Instituição Fiscal Independente (IFI) projeta que a equipe econômica precisa garantir um superávit de mais de R$ 42 bilhões nos últimos três meses de 2024 para conseguir fechar o ano com um déficit dentro da regra fiscal, de R$ 28,8 bilhões.

Guilherme Tinoco, economista e pesquisador associado da Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV IBRE), afirma em entrevista para o Money Times que mesmo com a revisão das metas, a tarefa de alcançar resultados propostos pela equipe econômica é difícil, tanto para esse ano quanto para o ano que vem.

“É um cenário bastante desafiador e com o governo dando sinais ambíguos. Apesar do discurso apontar para um compromisso com o ajuste fiscal, em certos momentos as ações parecem um pouco contraditórias”, destaca.

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Confira a entrevista completa de Guilherme Tinoco sobre o risco fiscal do Brasil

Money Times – Qual é o cenário fiscal do Brasil hoje?
Guilherme Tinoco – Só para recapitular: até 2022, o Brasil tinha um teto de gastos. Com a chegada do novo governo em 2023, foi implementado um novo arcabouço fiscal, e as despesas aumentaram cerca de R$ 200 bilhões em relação ao teto anterior. Esse aumento foi importante para tocar algumas políticas públicas que estavam defasadas e abrir espaço no orçamento, especialmente para tornar o Bolsa Família maior e mais perene.

Desde então, temos esse novo arcabouço fiscal, que é parecido com o antigo teto de gastos, mas com algumas diferenças. Por exemplo, ele permite um crescimento real das despesas, já que o crescimento está atrelado ao desempenho da receita em períodos anteriores. E, com isso, o governo espera equilibrar o orçamento nos próximos anos, pois a despesa deve crescer menos que a receita.

Para acelerar esse equilíbrio fiscal, também foram estabelecidas metas de resultado primário, que são um componente do novo arcabouço fiscal. Essas metas de primário foram pactuadas lá atrás, mas já foram revistas no começo desse ano. Atualmente, a meta é de déficit zero para esse ano e o próximo, e de um superávit de 0,25% do PIB para 2026.

Mas, o que se observa é que, mesmo com a revisão das metas, a tarefa de alcançar esses resultados é difícil, tanto para esse ano quanto para o ano que vem.

MT – Qual a avaliação sobre os resultados das contas públicas em 2024?
GT – Para este ano a gente acha que vai cumprir a meta, tanto que o mercado até vem refazendo as projeções e há uma chance cada vez maior de cumprimento. Mas esse cumprimento ocorre no piso inferior da banda e também embute as despesas que não entram no cálculo oficial da meta, como as relacionadas ao resgate do Rio Grande do Sul.

Então, mesmo a meta de déficit zero sendo cumprida esse ano, na prática, estamos falando de um déficit primário na casa de R$ 60 bilhões de déficit. Por isso, a dívida ainda não tem uma perspectiva de estabilização no curto prazo.

Vale lembrar que a dívida está aumentando esse ano e vai continuar subindo nos próximos anos. Mesmo com o cumprimento integral das metas, o superávit primário para estabilizar a dívida é mais alto que isso, entre 1% e 2%, especialmente no curto prazo com juro alto e crescimento econômico. A trajetória da dívida depende tanto das taxas de juros quanto do desempenho do PIB.

Ou seja, apesar de a gente ver esse ano com uma chance maior de cumprimento, é importante qualificar esse resultado, porque ele está na banda inferior e inclui gastos extras.

MT – Como você avalia o cenário para 2025?
GT Para o próximo ano, vemos um cenário fiscal bastante desafiador. A dinâmica de 2025 tende a ser um pouco parecida com a desse ano em alguns aspectos, especialmente em relação à dependência de arrecadação extra para atingir a meta.

No PLOA [Projeto de Lei Orçamentária Anual] apresentado, está prevista uma arrecadação adicional de cerca de R$ 170 bilhões, mesmo valor estimado no PLOA ano passado. Além disso, temos observando qual é o grau de sucesso da receita.

Neste ano, estamos observando ser uma receita recorrente, impulsionada principalmente pela arrecadação ligada à dívida. Já o desempenho da receita extraordinária está indo ali mais ou menos.

Alguns componentes performaram conforme o esperado e o governo arrumou outras fontes de arrecadação, como os dividendos das estatais. Por outro lado, a receita prevista com o CARF [Conselho Administrativo de Recursos Fiscais] decepcionou bastante.

Enfim, pode ser que alguma coisa fique para o ano que vem, mas é uma coisa que ainda não decolou. A meta deste ano era muito ousada, e o governo teve que fazer ajustes frequentes nas despesas, que estão sendo reajustadas em 2,5%. Isso cria incertezas, mesmo com o bom desempenho da arrecadação, sobre se a meta será realmente cumprida.

Ao longo de 2024, a cada relatório bimestral ficava essa expectativa de quanto vai contingenciar, se vai ser preciso contingenciar e tal. E é provável que essa mesma incerteza persista em 2025, com a gente tentando observar o desempenho da receita e na dependência da arrecadação extraordinária.

Além disso, para o ano que vem tem novos projetos de lei e medidas que precisam passar pelo Congresso, como a tributação sobre JCP [Juros sobre Capital Próprio] e do aumento da CSLL [Contribuição Social sobre o Lucro Líquido]. E esse é um Congresso que já aprovou muita coisa em termos de aumento de arrecadação no final de 2023, mas que já disse que não vê com bons olhos as novas medidas.

Tudo isso ainda precisa ser negociado, mas está cada vez mais difícil promover ajustes pelo lado da arrecadação, enquanto do lado do gasto, as despesas obrigatórias vêm crescendo bastante.

MT – As despesas obrigatórias estão chegando a um nível perigoso para as contas do governo?
GT – Tem muita pressão do lado das despesas para o próximo ano, como o aumento do salário mínimo, que impacta muitos benefícios assistenciais, e os mínimos constitucionais que também estão em níveis mais elevados.

Por mais que o governo tenha feito declarações de que o ano que vem vai ser o ano de olhar para a despesa, ainda estamos aguardando ações concretas nesse sentido. As metas fiscais continuam bastante ousadas, enquanto os gastos continuam sendo reajustados, e frequentemente há despesas que ficam fora do teto de gastos.

Os economistas erraram nos últimos quatro anos, subestimando o crescimento do país, mas agora estamos vendo uma desaceleração da economia. Isso só reforça que o cenário é de desafio.

E tem mais um detalhe, que não é para o ano que vem, mas afeta 2026 e 2027, que são os compromissos relacionados às emendas constitucionais 113 e 114, que tratam dos débitos previdenciários dos municípios e dos precatórios. Esses itens estão fora do cálculo das metas fiscais, mas será necessário incluí-los na contabilidade mais adiante. Acho que vai ser muito difícil arrumar espaço para acomodar esses gastos.

Mas o fato é que a dívida vai continuar crescendo e a entrega dessas metas pactuadas ainda encontra um cenário difícil.

MT – Qual é a maior dificuldade do governo para manter as contas em dia?
GT – Em 2023, as despesas subiram muito, cerca de R$ 200 bilhões em relação ao teto anterior, e continuam crescendo a uma taxa de 2,5% ao ano. Então, a gente veio de um déficit grande do ano passado. Além disso, as despesas seguem crescendo de forma expressiva, o que complica o equilíbrio fiscal.

Embora o arcabouço fiscal preveja, a longo prazo, que as despesas cresçam em ritmo inferior às receitas, se dependermos apenas deste mecanismo, o ajuste será muito lento, dado o atual tamanho do déficit. É necessário alcançar as metas de resultado primário, que só seria possível com um ajuste combinado tanto do lado da receita quanto das despesas.

No entanto, como o ajuste tem sido feito principalmente sobre a arrecadação, essas metas parecem muito ambiciosas. Mesmo que as metas sejam cumpridas em 2024, isso provavelmente acontecerá com ressalvas, como a inclusão de despesas fora do cálculo principal ou com o cumprimento das metas na banda inferior.

É um cenário bastante desafiador e com o governo dando sinais ambíguos. Apesar do discurso apontar para um compromisso com o ajuste fiscal, em certos momentos as ações parecem um pouco contraditórias.

MT – Qual é a mensagem que o governo passa para o mercado com um fiscal assim?
GT – Eu acho que governo parece enfrentar um dilema interno: por um lado, tem a necessidade de ajustar as contas públicas de forma mais rápida, reduzindo gastos para conter o crescimento da dívida; por outro lado, você quer manter investimentos e expandir a rede de proteção social para estimular o crescimento econômico e retomar programas prioritários, como o PAC [Programa de Aceleração do Crescimento].

De fato, há áreas dentro do governo que defendem um ajuste fiscal mais rigoroso, enquanto outras pressionam por mais gastos.

Essa divergência gera sinais contraditórios sobre o compromisso do governo em relação à dívida pública. Embora o discurso oficial indique a intenção de realizar o ajuste fiscal, as ações muitas vezes indicam uma preferência por aumentar os gastos, esperando que o crescimento da receita e a paciência do mercado aliviem a pressão no curto prazo.

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MT – E quais são os efeitos disso para a nossa economia?
GT – A questão fiscal permanece em foco, e a preocupação aumenta à medida que a dívida cresce. Com a economia aquecida e as taxas de juros subindo, a pressão sobre a dívida se intensifica, gerando estresse no mercado, que observa atentamente o nível de gasto público. Embora o gasto precise convergir para o limite de 2,5% de crescimento, como previsto no orçamento, algumas áreas e programas sociais têm mostrado um aumento acima do esperado, o que chama a atenção dos analistas.

Enfim, é um cenário que desperta a preocupação, de certa forma, legítima do mercado. Tem a questão da ansiedade de querer as coisas rápido, mas é legítima a preocupação com o crescimento da dívida e os sinais contraditórios vindos do governo, como foi o caso do auxílio gás, que ficou fora das regras fiscais. Isso acaba criando um cenário de incerteza.

MT – Outras agências de risco podem seguir a Moody’s e revisar o rating do Brasil, mesmo com a tensão no fiscal?
GT – Se uma agência elevou a nota do Brasil, isso pode indicar que outras também sigam o mesmo caminho, mas muitos analistas ficaram surpresos com essa melhora no rating.

Acho que para alcançar outro aumento para o grau de investimento, isso ainda deve demorar. As agências de rating provavelmente vão querer ver uma melhora mais consistente, com metas fiscais sendo atingidas de forma robusta e recorrente, sem depender de exceções ou ajustes fora da contabilidade oficial.

Para alcançar o grau de investimento, o Brasil precisaria de um superávit primário de 1% a 2% do PIB, o que ajudaria a estabilizar a dívida pública. Somente quando o país começar a entregar esse tipo de resultado de forma constante é que o grau de investimento pode ser uma realidade.

MT – Qual deve ser o impacto da isenção dos R$ 5 mil do Imposto de Renda?
GT – Pois é, esse é mais um elemento que mostra os sinais mistos vindos do governo e que justifica parte da preocupação do mercado.

O desafio de equilibrar o orçamento já é grande, e quando surgem medidas com potencial de reduzir bilhões em receita, isso gera dúvidas sobre como será compensado. Não há uma discussão clara sobre a possibilidade de cortar despesas para lidar com essa perda de receita.

Então, as opções parecem ser buscar mais receita ou correr o risco de tornar ainda mais difícil atingir as metas fiscais estabelecidas. Isso poderia, eventualmente, levar o governo a revisar suas metas.