Reportagem Especial

Rio Grande do Sul é a ponta do iceberg: Como as mudanças climáticas afetam a economia?

13 maio 2024, 14:40 - atualizado em 14 maio 2024, 15:16
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As mudanças climáticas prometem ter impactos na economia do Brasil. (Imagem: Canva Pro / Montagem: Marcela Malafaia)

As crises climáticas vêm impactando cada vez mais o dia a dia da população. De ondas de calor até chuvas que alagam um estado inteiro, as mudanças no meio ambiente trazem diversos problemas à economia e sociedade.

Nas últimas semanas, uma série de chuvas fortes resultaram em enchentes em mais de 300 municípios do Rio Grande do Sul. Além das mais de 100 vidas perdidas, o mercado financeiro se encontra inquieto em relação às safras da agricultura que foram destruídas.

Contudo, a tragédia no estado gaúcho é apenas “a ponta do Iceberg” quando falamos da crise ambiental que o planeta enfrenta.

De acordo com um estudo da revista Nature, a diminuição de produtividade ocasionada pelas mudanças climáticas poderá resultar em uma retração de 19% da economia mundial até 2049.

Os pesquisadores Maximilian Kotz, Anders Levermann e Leonie Wenz alegam que seus dados são conservadores e podem chegar até 29% do PIB global.

“Os danos surgem, predominantemente, através de alterações na temperatura média, mas a contabilização de outros componentes climáticos aumenta as estimativas em aproximadamente 50% e conduz a uma heterogeneidade regional mais forte”, destacam os pesquisadores.

O estudo se baseia a partir da análise de 1.600 regiões e 40 anos de dados comparativos para a realização dos cálculos. Com uma abordagem mais agressiva, os pesquisadores calculam a perda de produtividade, além dos esforços para mitigação de danos.

Esta não é a única pesquisa sobre o tema, claro. Existe uma longa lista de estudos feitos sobre os impactos das crises climáticas na economia mundial. Mas, de maneira geral, as projeções não são boas. Segundo o Banco Mundial, em relatório publicado em 2023, os choques climáticos poderão empurrar de 800 mil a 3 milhões de brasileiros para a pobreza extrema já em 2030.

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Mudanças climáticas: Como a economia brasileira pode ser afetada?

A recente tragédia no Rio Grande do Sul trouxe prejuízos para a produção agrícola, com a morte de animais, perda de lavouras e estragos à semeadura de pastagens de inverno. 

E isso vai custar caro para a economia brasileira, já que o setor agropecuário corresponde a 23,8% do PIB nacional, de acordo com dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) de 2023.

Dessa forma, o estado gaúcho representa 70% da produção nacional de arroz e 8,4% da soja. Na pecuária, o Rio Grande do Sul ocupou a terceira colocação entre aqueles que mais abateram frangos suínos, em 2023. Além disso, é quarto maior produtor de ovos e o quinto entre os produtores de leite.

De acordo com Gustavo Luedemann, técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a exposição das mudanças climáticas no setor agrícola traz o risco de um impacto inflacionário.

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Devido à escassez destes recursos na região afetada, além de uma demanda maior em regiões alternativas, os impactos em valores dos produtos de cesta alimentícia poderão ser sentidos em larga escala.

“Na própria região, obviamente, a escassez de vários produtos vai gerar uma oferta menor do que a demanda”, afirma. “Tudo isso tem impacto inflacionário e justamente nos itens utilizados para a contabilidade da inflação, que são itens de primeira necessidade”, completa.

Uma visão positiva sobre os impactos climáticos

Referente à atividade econômica, Luedemann afirma que, em um primeiro momento, os dados podem ter um impacto até positivo, devido a reconstruções locais, mobilizando os setores de indústria e serviços. 

Além disso, o técnico ressalta que as mudanças climáticas não são, necessariamente, ruins quando o assunto é produtividade – embora sejam prejudiciais para os seres vivos.

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Um exemplo, segundo ele, é o Canadá, local que tem uma área muito extensa e fria, não se adapta à atividade agrícola. “Se você tem um aquecimento ao longo das décadas dessas áreas, você começa a poder avançar sua agricultura[…] Então, a gente não pode dizer que todo e qualquer impacto climático seja negativo na produtividade”.

Com isso, Luedemann ressalta que, em termos ecológicos, sempre há o risco de perda de biodiversidade e ecossistêmicos. Contudo, em termos econômicos, há a chance de aumentar a produtividade em setores diferentes.

Obviamente, isso não é um consenso e varia entre os setores. De acordo com o relatório Latin America Shall We Dance, do Allianz Trade, o Brasil experimentará as perdas mais significativas na região latino-americana devido à redução da produtividade causadas pelo calor.

A estimativa dos economistas do Allianz prevê uma diminuição de 6% até 2030. Dessa forma, o estudo aponta que os setores de trabalho que exigem esforço físico, como agricultura ou construção, terão mais dificuldades com as ondas de calor. 

“Para lidar com essas vulnerabilidades, cada país precisa de estratégias de adaptação personalizadas. Isso envolve melhorar a resiliência da infraestrutura por meio do aprimoramento das defesas contra inundações e sistemas de gestão de água e construindo infraestrutura urbana resistente ao calor”, afirmam os pesquisadores. 

Além disso, os autores ressaltam a necessidade de desenvolver práticas agrícolas sustentáveis, como a criação de variedades de safras resistentes à seca, a melhoria da eficiência da irrigação e a adoção de práticas de gestão de terras sustentáveis.

Impactos negativos na agricultura

Apesar de uma visão positiva na produtividade de algumas regiões, o técnico de planejamento e pesquisa ressalta que isso caminha em “um risco climático muito grande” de eventos extremos.

De acordo com Luedemann, um desses riscos é o La Niña – fenômeno natural que diminui a temperatura da superfície das águas dos oceanos. Geralmente, ele resulta em secas muito extensas e, consequentemente, a perda de safra.

Além disso, o fenômeno ainda pode gerar excesso de chuvas para algumas regiões, o que também prejudica a agricultura. “Você tem uma incidência maior de fungo nas culturas, todo tipo de doenças de plantas que não existia naquela região”, destaca o técnico do Ipea.