Coluna do Felipe Miranda

Riders on the storm: como ganhar da Bolsa em 2023?

30 jan 2023, 16:32 - atualizado em 30 jan 2023, 16:54
Bolsa, investimento, ações
(Imagem: REUTERS/Amanda Perobelli)

Estou entre aqueles que gostam de citar a frase atribuída a Leonardo da Vinci: “a simplicidade é a maior das sofisticações”. Simplificar é uma arte. Ou seria ciência?

A adoção de modelos representativos da realidade permeia a sistemática do método científico. O sujeito lista uma série de premissas, monta um modelo que simplifica a realidade e remete as hipóteses desse modelo ao teste empírico. A simplificação é uma necessidade material. Seria inviável testar toda a realidade num laboratório. Buscamos um modelo arquetípico capaz de descrever a realidade adequadamente.

Eis o problema. O que morre nessa simplificação? Jogamos fora o bebê junto com a água do banho ao tentarmos enquadrar a realidade na nossa representação? Não seriam justamente os detalhes, as nuances, as exceções, os cisnes negros as coisas mais importantes da realidade, tipicamente desprezados em representações amostrais genéricas?

A dita ciência econômica (e poderíamos aqui passar um bom tempo debatendo se isso é mesmo ciência) enfrenta dois agravantes do problema mais geral.

O primeiro: não é possível replicar os experimentos socioeconômicos num ambiente de laboratório. Se afirmamos, por exemplo, que a falta de persistência de Arthur Burns em apertar a política monetária nos anos 70 levou à escalada da inflação, estamos, de alguma maneira, dizendo que, se não fosse isso, a inflação teria sido debelada. Será? Como provar? Temos o contrafactual?

As ciências sociais em geral sofrem desse mal. Niall Ferguson costuma citar o problema da “filosofia da história” para descrever o mesmo fenômeno na sua área de atuação.

Pois, então, os economistas, justamente tentando se afastar desse soft Science para parecerem mais rigorosos do que os historiadores ou cientistas sociais, tentaram se posicionar mais próximos às ciências naturais, conferindo maior matematização e formalização a seu ferramental, o que lhes rendeu o merecido apelido de “physics envy” (os invejosos da física).

Daí decorre o segundo ponto: para poder se parecer com as ciências exatas e trabalhar com modelos matematizáveis, a Economia adotou premissas de comportamento humano e social não necessariamente alinhados à realidade. Seria muito mais difícil modelar o comportamento humano sem a hipótese de expectativas racionais, por exemplo. Como antecipar atitudes derivadas da raiva, da vingança, da euforia, do tesão, do vício e por aí vai?

Em muitas situações, simplificamos demais e perdemos justamente o que seria a essência de determinado fenômeno. O diabo está nos detalhes.

Já falei aqui esse palavrão algumas vezes e peço desculpas por repeti-lo: a realidade é não-ergódica. Não há modelos econométricos suficientemente adequados para descrevê-la.

Simplificar é ótimo. Simplificar demais é péssimo. Penso no exemplo mais besta e trivial: “Bolsa fecha em alta de x%.” Breve pausa: reconheço que o problema aqui é mais de linguagem do que propriamente de metodologia científica. Ele poderia ser facilmente corrigido pelo abandono da metonímia. Bolsa se refere ao Ibovespa; não à média das ações brasileiras.

Mas eis um problema importante de simplificação se não olhado adequadamente.

O Ibovespa subiu 4,69% em 2022, por exemplo. Não bateu o CDI, mas foi um desempenho bastante razoável se julgarmos a indisposição geral a risco no ano, quando o portfólio 60/40 teve sua sétima pior performance desde 1900, de acordo com a Goldman Sachs.

Os 4,69% de alta, no entanto, escondem um desempenho médio sofrível das ações brasileiras, conquistados apenas por conta da performance estelar dos setores de bancos e commodities, com pesos muito grandes no índice. Se você não estava lotado de Petrobras e Vale no ano passado (e quase ninguém estava), foi muito difícil superar o Ibovespa.

O panorama talvez seja diferente para 2023, pois há contingências objetivas ameaçando a performance de algumas das ações com maior peso no Ibovespa.

Comecemos pela maior delas: Vale. Gosto da empresa, sem muita dúvida. Eficiência operacional clara, baixa alavancagem, minério de alta concentração, toda essa “agenda Rubens” (vale prestar atenção especial nessa história de cavidades). Pega abertura de China na veia e esse é um grande catalisador. Mas, nesses níveis, perto da máxima, é difícil ver grande upside. Talvez 5%, 10%… quem sabe (supondo os atuais patamares de câmbio e minério de ferro), mais 10% de dividendo. Além disso, parece improvável. Uma combinação razoável de risco e retorno, mas sem ser capaz de puxar muito o índice.

Petrobras é obviamente muito barato, mas quem vai topar ficar na frente desse trem (des)governado por um governo desenvolvimentista e com declarações contundentes em prol do maior uso das estatais para fazer política? O barato pode ficar caro rapidinho se os lucros forem deteriorados por mudanças na política de preços, novas refinarias ou diretorias muito criativas nas áreas de eólica e solar.

Olhando para os bancos, o cenário já não era propriamente auspicioso diante da alta da inadimplência e das restrições à renda disponível dos correntistas. Então, veio a hecatombe de Americanas. Além do impacto em si dificultando o crescimento de lucros neste ano, possivelmente contrai carteira de crédito e prêmios de risco. Se não cresce e as incertezas macro são de toda sorte, difícil haver um grande re-rating.

WEG, por sua vez, é ótima, mas a recente MP dos preços de transferência pode tirar algo próximo a 10% dos lucros da companhia. Como a referência de valuation aqui costuma ser o Preço sobre Lucro, temos uma espada de Dâmocles sobre ela. Algo parecido vale para Suzano.

Então, temos cerca de metade do índice sob ameaças particulares. Alguns caminhos possíveis em Bolsa são o cíclico doméstico barato, como Iguatemi, Aliansce Sonae, Cosan, Localiza; um ou outro nome de consumo, tipo Arezzo, Soma e Vivara; uma jogada mais defensiva em utilities, com Equatorial, Energisa, Eneva ou Coelce (para pegar o evento societário); além das empresas privadas de petróleo (minha favorita é 3R) e alguma coisa no agro (SLC, Brasil Agro ou 3 Tentos).

Se 2022 exigiu um milagre para se bater o Ibovespa, neste ano jogar parado talvez seja suficiente. Para dirigir numa tempestade, é sempre bom olhar pra frente, com a devida cautela. Os ganhadores dos últimos 12 meses podem ser bem diferentes dos que estão por vir.