Resiliência no 1º tri impõe viés de alta para PIB e pode retardar corte de juros
Safras recordes e uma resiliência do setor de serviços garantiram um bom desempenho para a economia no primeiro trimestre, levantando um obstáculo para uma possível queda iminente dos juros, avaliam economistas.
Dados recentes levaram analistas a adotar viés de alta para projeções para o PIB deste ano, mesmo diante da expectativa de desaceleração nos meses à frente, o que enfraquece o argumento de que uma atividade fraca afastaria riscos de uma inflação de demanda, justificando uma flexibilização da política monetária restritiva do Banco Central.
O Índice de Atividade Econômica do BC (IBC-Br) divulgado nesta sexta-feira apontou um crescimento de 2,41% no primeiro trimestre, graças a resultados fortes nos dois primeiros meses do ano que compensaram a retração registrada em março. O dado oficial do Produto Interno Bruto para o período só será divulgado em junho pelo IBGE.
“O quadro geral do primeiro trimestre, o que o IBC-Br e os indicadores de atividade têm mostrado, é um quadro de bastante força na atividade econômica. No geral, pintam uma figura de atividade resiliente no primeiro trimestre”, disse Gabriel Couto, economista do Santander, acrescentando que sua estimativa de expansão de 1,0% para 2023 tem agora viés de alta.
Analistas entendem que essa força nos primeiros meses deste ano se deve principalmente a safras de verão recordes. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estimou neste mês a safra de soja do Brasil 2022/23 em um recorde de 154,8 milhões de toneladas, melhorando ainda a previsão para a safra total de milho para um recorde de 125,5 milhões de toneladas.
Esse desempenho acaba tendo impactos positivos, ainda que pontuais, em outros setores que se relacionam à agropecuária, como indústria e serviços, o que ajuda a explicar o desempenho econômico neste início de ano.
Felipe Salles, economista-chefe do C6 Bank , ressalta que o desempenho de setores que não o agropecuário também vem surpreendendo positivamente, principalmente serviços.
“De fato a gente nota resiliência na economia brasileira. Parte disso pode ser explicado por uma economia global com resultados melhores no primeiro trimestre, outra parte pode se explicar por fatores domésticos, como maiores estímulos fiscais”, disse ele, que tem uma estimativa de 1,5% para a expansão do PIB em 2023, também com viés de alta.
Uma atividade aquecida tem como efeito colateral uma inflação que demora mais a cair, lembra Salles, o que requer atenção maior da política monetária. É exatamente o nível elevado da taxa básica de juros, hoje em 13,75%, que vem sendo foco de intensas críticas do governo.
“Se for mantida a meta de inflação de 3% para 2024, é difícil ter espaço para cortar juros. Para levar a inflação para 3% em 2024, que é o horizonte relevante do BC, tem que manter os juros parados”, disse ele, destacando entretanto que já incorpora em seu cenário alguma probabilidade de mudança na meta e vê queda dos juros na segunda metade do ano.
O Conselho Monetário Nacional (CMN) vai deliberar sobre metas de inflação na reunião de junho, quando deve definir o objetivo para 2026. Há a expectativa de que também possa aprovar a alteração do prazo para atingimento da meta.
Gustavo Arruda, diretor de pesquisas para América Latina do BNP Paribas, destaca ainda o impacto potencial de estímulos fiscais promovidos pelo governo Lula, ressaltando que medidas como aumento do salário mínimo e do Bolsa Família e reajuste dos salários dos servidores ainda não se fizeram sentir totalmente na economia.
“Há uma transferência de renda bastante significativa que normalmente se traduz em consumo. Olhando para esses riscos adicionais, tenho um pouco de dificuldade de encontrar um corte de juros tão cedo. Sabemos que há pressão política forte, mas o cenário macro não me permite ter essa visão”, disse Arruda, que só vê corte de juros em 2024.
O governo deve apresentar na segunda-feira seus novos parâmetros para a economia. Duas fontes com conhecimento do assunto disseram à Reuters que o Ministério da Fazenda vai elevar sua projeção oficial para o crescimento do PIB este ano para 1,9%, de 1,6% estimado em março.
O mercado prevê para este ano uma expansão do PIB de 1,02%, indo a 1,38% em 2024, de acordo com a pesquisa Focus mais recente.
O IBGE divulga em 1° de junho os dados sobre o PIB no primeiro trimestre. No quarto trimestre de 2022 a economia brasileira sofreu queda de 0,2% sobre os três meses anteriores.