Reparo de hidrelétrica afetada por lama da Samarco pode custar mais que usina nova
Uma hidrelétrica no rio Doce que foi atingida em cheio por rejeitos de mineração após o rompimento de barragem da Samarco em Mariana (MG), em 2015, não tem prazo para voltar a operar, e investimentos em reparação podem superar o custo de construção do empreendimento, segundo documentos vistos pela Reuters.
A usina Risoleta Neves, com capacidade de 140 MW, é um empreendimento controlado pela Vale (VALE3), que também é acionista da Samarco, joint venture da empresa com a anglo-australiana BHP.
A hidrelétrica pertence meio a meio à Aliança Energia e à Vale, mas a mineradora tem 55% da Aliança, enquanto a Cemig detém fatia restante dessa sociedade.
Em meio a cobranças da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) pelo avanço de trabalhos para retomada do funcionamento da usina, o consórcio tem defendido que a atribuição pelas medidas de recuperação seria da Samarco e da Fundação Renova, criada por Vale e BHP para coordenar esforços de reparação do desastre.
O grupo pediu ao regulador a assinatura de aditivo ao contrato da hidrelétrica para definir responsabilidades em relação ao conserto, ao alegar que o caso representa situação “de força maior” e que por isso não deveria arcar com custos e obrigações decorrentes da tragédia de Mariana, considerada o maior desastre ambiental do Brasil.
“Do ponto de vista da economicidade, inclusive, o contrato de concessão não comporta todos os investimentos necessários para o retorno pleno da hidrelétrica à sua condição operativa, que devem superar em muito os investimentos incorridos com a implantação da própria usina”, disse o consórcio em carta à Aneel, vista pela Reuters.
A hidrelétrica Risoleta Neves, que entrou em operação em 2004, demandou cerca de 90 milhões de dólares, segundo divulgação da Vale na época, o equivalente a cerca de 280 milhões de reais pelo câmbio então vigente.
Procurado, o consórcio Candonga não respondeu de imediato a pedidos de comentário, assim como a Fundação Renova, a Samarco e a Vale.
Nos documentos enviados à Aneel, o consórcio disse que “o cenário atual é o de um reservatório completamente inundado por rejeitos de minério”, o que exigirá diversos trabalhos de engenharia civil, de minas e ambiental até que a usina possa operar sem que os equipamentos sejam danificados.
Aneel pressiona
Um parecer jurídico da procuradoria da Aneel apontou que a operadora da usina tem “obrigação” de buscar reparação junto à Samarco e/ou Fundação Renova, mas ressaltou que isso não livra a empresa da responsabilidade de colocá-la novamente em funcionamento.
“O fato é que há cinco anos não se observa gestão efetiva do consórcio de modo a restaurar a condição operacional da usina”, disse o procurador-chefe Luiz Eduardo Diniz no documento, ao defender que isso poderia resultar na devolução da concessão do empreendimento ao Poder Concedente, o governo federal.
A Aneel deverá analisar em breve a disputa em torno Risoleta Neves. O caso está na pauta de reunião de diretoria do regulador e poderá ser deliberado ainda nesta terça-feira.
Outras hidrelétricas também foram imediatamente impactadas pela torrente de rejeitos liberada para o rio Doce após o rompimento da barragem da Samarco em Mariana, que deixou 19 mortos.
Mas esses empreendimentos já voltaram a operar, enquanto a usina do consórcio Candonga foi mais afetada, uma vez que seu reservatório conteve 10 milhões de metros cúbicos em rejeitos.
Cinco anos depois do desastre, a Samarco anunciou na semana passada que está retomando suas atividades parcialmente.
Impactos em terceiros
A paralisação da usina Risoleta Neves ainda tem gerado impacto sobre outros projetos de geração hídrica no país, uma vez que o consórcio Candonga foi beneficiado por uma liminar mantida em outubro pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins, após recurso da Aneel.
A decisão provisória permite que o empreendimento no rio Doce siga participando do chamado Mecanismo de Realocação de Energia (MRE), um sistema de compartilhamento de riscos de geração entre todas hidrelétricas do Brasil, que funciona como um condomínio.
A Aneel alegou que a liminar gera “prejuízos milionários às demais empresas integrantes do sistema” e que a usina do consórcio Candonga já recebeu 424 milhões de reais devido à validade da medida judicial. Mas a reguladora não teve acatados seus argumentos.