Renan propõe 73 indiciamentos na CPI, com Bolsonaro, filhos do presidente e ministros
O relator da CPI da Covid do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), divulgou aos pares um relatório final em que propõe o indiciamento de 71 pessoas, entre elas o presidente Jair Bolsonaro, os três filhos parlamentares dele e seis ministros e ex-ministros do governo, além de duas empresas.
O documento obtido pela Reuters tem 1.178 páginas e foi distribuído por Renan aos senadores da comissão. Uma versão preliminar do texto vazou nos últimos dias e gerou reação de parlamentares da CPI por não ter sido discutida previamente.
A leitura do parecer do relator seria feita nesta terça, mas foi adiada para quarta em razão do vazamento. Uma reunião de senadores está sendo articulada para esta noite a fim de aparar as divergências. A votação do relatório deverá ser na próxima semana, no dia 26.
No gigantesco documento, Bolsonaro é apontado como o “principal responsável pelos erros de governo cometidos durante a pandemia da Covid-19“, citando, entre outros pontos, a insistência dele na adoção e propagação do uso de tratamento com medicamentos sem eficácia comprovada em detrimento da vacinação e a resistência inicial do governo em comprar vacinas.
“Em conclusão, ao adotar e insistir no tratamento precoce como praticamente a única política de governo para o combate à pandemia, Jair Bolsonaro colaborou fortemente para a propagação da Covid-19 em território brasileiro e, assim, mostrou-se o responsável principal pelos erros cometidos pelo governo federal durante a pandemia”, diz o documento.
“Com efeito, a insistência no tratamento precoce em detrimento da vacinação aponta para o presidente da República como o principal responsável pelos erros de governo cometidos durante a pandemia da Covid-19, já que foi corretamente informado e orientado pelo Ministério da Saúde, e mesmo assim agiu em contrariedade à orientação técnica, desprezando qualquer alerta que se contrapusesse a suas ideias”, reforça o texto, em outro trecho.
O presidente é alvo de 13 sugestões de indiciamento propostos pelo relator pelos seguintes crimes: homicídio qualificado, epidemia, infração de medida sanitária preventiva, charlatanismo, incitação ao crime, falsificação de documento particular, emprego irregular de verbas públicas, prevaricação, genocídio de indígenas, crime contra a humanidade, violação de direito social, incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo e crime de responsabilidade.
Um dos pontos sobre Bolsonaro que tem sido alvo de questionamentos por senadores é o do genocídio de indígenas. O presidente da comissão, Omar Aziz (PSD), que é do Amazonas, já discordou publicamente desse enquadramento e tem alertado para o risco de que um eventual erro de tipificação poderá descredenciar todo o trabalho da CPI.
Procurada, a Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) não respondeu a pedido de comentário sobre Bolsonaro. Nesta terça, o presidente, em conversa com apoiadores, ironizou o parecer. “Para mim não pega nada, estou ignorando. Vou me preocupar com a CPI, por exemplo? Brincadeira. Tem acusação do Renan, suspeita de corrupção do Renan”.
O texto do senador também recomenda o indiciamento por uma série de crimes três filhos do presidente: o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ), e o vereador no Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Patriota).
O trio é apontado como o “núcleo de comando”, a “cabeça da organização”, incentivando em “inúmeras postagens” o “descumprimento das medidas sanitárias de contenção da pandemia”.
O relator propôs indiciá-los pelo delito de incitação ao crime — no caso de Flávio Bolsonaro, ele também pode ser responsabilizado por advocacia administrativa e improbidade administrativa. A inclusão de Flávio é outro ponto controverso.
Em nota, Flávio Bolsonaro disse que o relatório é uma “alucinação, não se sustenta e é um desrespeito com as quase 600 mil vítimas da Covid que esperavam algo de útil da CPI”.
A defesa de Carlos Bolsonaro afirmou em nota que se, de fato esse pedido de indiciamento ocorrer, “é totalmente sem fundamento nos fatos apurados na CPI e nas inúmeras narrativas criadas que não se sustentaram com o tempo”, acrescentando que o vereador “não tem qualquer relação com as medidas adotadas no enfrentamento da pandemia pelo governo federal” e a inclusão do seu nome é “mais uma tentativa de atacar a imagem da família do presidente”.
A assessoria de Eduardo Bolsonaro não respondeu a pedido de comentário.
Ministros e Ex-Ministros
O parecer de Renan pede ainda o indiciamento de Marcelo Queiroga e Eduardo Pazuello, respectivamente o atual e o anterior ministro da Saúde; do ministro da Defesa, Walter Braga Netto, coordenador do comitê de crise da pandemia na época que foi chefe da Casa Civil; e dos ministros do Trabalho, Onyx Lorenzoni, e da Controladoria-Geral da União, Wagner Rosário.
Entraram também na lista o ex-chanceler Ernesto Araújo, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), parte da cúpula da Saúde e o presidente da Funai, Marcelo Xavier, além de Élcio Franco, ex-secretário-executivo da Saúde, e Roberto Dias, ex-secretário de logística, demitido quando veio à tona o escândalo da tentativa de compra da vacina indiana Covaxin.
À Reuters, o líder do governo disse que todas as pessoas ouvidas na CPI o isentaram. “Sem exceção. Eles não têm elementos de materialidade. Vou processá-lo por abuso de autoridade e denunciação caluniosa”, afirmou Barros.
As demais autoridades citadas não responderam de imediato a pedidos de comentário por meio das respectivas assessorias.
As empresas VTCLog e Precisa Medicamentos também são alvos de pedidos de indiciamento em razão de suspeitas de irregularidades em compras no Ministério da Saúde, inclusive com pedido de responsabilização de executivos das duas. Procuradas, as companhias não responderam de imediato.
Renan sugeriu fatiar o resultado das investigações da CPI por diversos órgãos. No caso de Bolsonaro e Onyx, pede-se o aprofundamento das apurações e eventual responsabilização à Procuradoria-Geral da República (PGR), à Polícia Federal e ao procurador do Tribunal Penal Internacional. Outras autoridades com foro perante o STF, como ministros e parlamentares, mesma providência para PGR e PF. Os demais citados no relatório deverão ser alvos de investigação pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual.