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Renan Poli: O que o plano pós-guerra deve prever?

26 abr 2020, 21:22 - atualizado em 26 abr 2020, 21:24
Braga Netto
O “PAC 3” não é suficiente para conduzir o Brasil para a saída da crise, avalia o colunista (Imagem: REUTERS/Adriano Machado)

Falamos nesta coluna sobre a necessidade de se implementar um verdadeiro plano pós-guerra para superar a crise econômica que se alastra, muito além do Plano Pró-Brasil ou ‘PAC 3’, apresentado semana passada pelo governo federal.

Mas afinal, quais pontos essenciais deveria um plano sólido incluir? Detalhamos abaixo alguns pontos que parecem ser ignorados até o momento nas iniciativas do Executivo.

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Renovação da Indústria Brasileira

Negligenciada por décadas, a indústria brasileira não recebeu a atenção devida das mais diversas matizes de governo desde a reabertura do mercado nacional no início da década de 90. Teve seu espaço tomado por comodities, foi negligenciada nos investimentos em infraestrutura. Agora, durante a pandemia, fica evidente a utilidade e segurança que traria uma indústria mais atualizada, competitiva e com melhor infraestrutura de apoio.

Um bom plano de recuperação socioeconômica deveria repensar o papel estratégico da indústria nacional e não apenas copiar e colar a solução de Lula para a crise de 2008, com incentivo à construção civil pesada.

Fomentar polos industriais descentralizados, de acordo com a vocação de cada região do país, aproveitando as possibilidades não apenas de melhoria na infraestrutura civil, mas também de novas tecnologias e possibilidades digitais, trará novas oportunidades de emprego, além de fortalecer a segurança nacional.

O dólar alto é conveniente para aumento da competitividade dos produtos nacionais e uma reforma tributária facilitaria muito a vida do empresariado.

A infraestrutura e concessões incipientemente almejadas pelo governo poderiam se acoplar a um projeto de revitalização industrial como jamais visto desde a redemocratização brasileira. As possibilidades da produção para fomento do consumo interno, exportação, geração de emprego, recuperação da arrecadação tributária são incontáveis.

E o melhor de tudo: para os nacionalistas de ocasião e os incansáveis combatentes da conspiração comunista, pode soar como música.

“A boa teoria diz que o verdadeiro sistema de Seguridade Social é composto de três partes: a previdência social, sistema de saúde e a assistência social” (Imagem: Ministério da Economia)

Seguridade Social

Com a população extremamente dividida, qualquer discussão sobre sistemas econômicos, de governo ou de implementação de políticas públicas fica fragilizada.

A ideia de seguridade social está longe de ser nova. Em 1601 a Inglaterra editou o Poor Relief Act, tornando a contribuição para fins sociais obrigatória. No Império Austro-Húngaro, Bismark instituiu a previdência social. No Brasil, as Caixas de Previdência foram iniciadas no século XIX, visando proteger trabalhadores e suas famílias em caso de acidentes e casos fortuitos. A primeira Lei de Previdência Social – Lei Eloy Chaves (Decreto n 4.682/1923) tem quase um século.

A boa teoria diz que o verdadeiro sistema de Seguridade Social é composto de três partes: a previdência social, sistema de saúde e a assistência social. No Brasil, foi consagrado no art. 3º da Constituição de 1988, ao se pretender alcançar uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e promover o bem de todos.

O sistema de seguridade social, desenhado na Constituição, é composto pelo Sistema Único de Saúde, vital no combate à pandemia do coronavírus, pela previdência social recém reformada e pela assistência social aos mais necessitados, compostos por diversos programas sociais, com destaque para o Bolsa Família e o Benefício da Prestação Continuada – BPC aos idosos sem outras fontes de renda.

Com o auxílio emergencial em vigor e sua falta de alcance a diversos setores da população, torna-se evidente que a seguridade existente não foi capaz de prever a hipótese de uma pandemia. Pior, com a quebra generalizada de inúmeros estabelecimentos comerciais, prestadores de serviço e afins, haverá aumento expressivo da população abaixo da linha da extrema pobreza.

Uma forma ousada para se combater o problema, mas em momento extremamente oportuno de discussão, é a implantação de um programa de renda básica para toda a população.

No Brasil já há a lei que o preveja (Lei nº 10.835/2004). Denominado Renda Básica de Cidadania, jamais foi regulamentado ou implementado. Com a crise que se alastra, a ferramenta além de auxiliar a subsistência poderia servir de fomento à retomada do crescimento econômico.

O custo de administração de tal programa poderia ser compensado com o custo evitado na fiscalização de fraudes (sendo universal, o controle é simples), logística de atendimento, entre outros. Também abrandaria a assistência social mais pormenorizada, aliviaria o SUS com a redução da miséria. Por fim, vale lembrar que o Bolsa Família teve efeito macroeconômico multiplicador dos recursos injetados no programa. Para cada real injetado, gerou-se R$1,78 de riqueza, segundo o IPEA.

“Com as mudanças de paradigma de um plano pós-guerra contra o vírus, seria muito mais confortável realizar transformação do sistema previdenciário para a capitalização” (Imagem: REUTERS/Ueslei Marcelino)

Previdência capitalizada

Embora muito tenha sido comemorado com a aprovação da recente reforma da previdência, pouco efeito trouxe antes da crise sanitária e continua a ser uma bomba relógio.

Com projeção de uma economia próxima a um trilhão de reais em uma década, após sucessivas concessões dadas pelo parlamento foi regredindo para uma projeção próxima de R$ 800 bilhões no mesmo período. Por outro lado, já se prevê um aumento do endividamento público próximo a R$ 600 bilhões em razão da pandemia.

Muito barulho por nada? Talvez.

É importante ter-se em mente que a reforma previdenciária manteve seu conceito de repartição. O efeito maléfico da repartição para o contribuinte e cofres públicos é agravado no longo prazo com as projeções demográficas. A pirâmide etária, com cada vez menos jovens e cada vez mais velhos, desfavorece a perspectiva de viabilidade do sistema, sendo forçoso árduas reformas periódicas. Vale lembrar que FHC, Lula e Dilma também tiveram de reformar a previdência.

Com as mudanças de paradigma de um plano pós-guerra contra o vírus, seria muito mais confortável realizar transformação do sistema previdenciário para a capitalização. Se a seguridade for reforçada, será muito mais facilmente aceito, tanto por garantidores sociais quanto por liberais.

Sustentabilidade enxuta

Talvez o ponto mais sensível para efeito no longo prazo e que já era extremamente necessário mesmo antes da pandemia, mas que se tornou ainda mais urgente, é a implementação de uma agenda de sustentabilidade enxuta. Falo aqui de uma sustentabilidade não apenas socioambiental, mas também econômica. Há muito se fala do “Custo Brasil”, mas as práticas reformistas há mais de uma década falham em reduzi-lo.

A burocracia e falta de segurança jurídica no licenciamento ambiental, as autorizações municipais para funcionamento, o cipoal tributário e os elevadíssimos custos das obrigações tributárias acessórias, tudo leva à perda de competitividade brasileira.

Hoje não somos capazes sequer de produzir máscaras ou respiradores de forma competitiva, em que pese termos base tecnológica, conhecimento fabril, mão-de-obra farta, espaço e recursos materiais disponível. Estranho, não?

Nas últimas décadas o Brasil acumulou elevado conhecimento sobre seu território e sua rica biodiversidade. Diversos projetos de reforma tributária têm sido estudados nos últimos anos, mas engasgam nos lobbies dos setores privilegiados.

Não há melhor forma para se reformar a competitividade brasileira do que se pensar na fluidez necessária para o momento. Com as grandes mudanças dos outros pilares, fica mais fácil se estabelecer a reforma fiscal administrativa, ambiental e tributária. O ótimo é inimigo do bom e a implantação de uma agenda mínima deve prever sucessivos aperfeiçoamentos ao longo dos próximos anos.

Um plano dessa envergadura deve ser capaz de pensar tanto no ano de 2022 quanto como como chegaremos no século XXII. O tempo voa e o Brasil não pode ser condenado ao estigma de eterno país do futuro.

Veja a parte 1 deste texto: Renan Poli: O necessário Plano Pós-Guerra

Renan Poli é advogado e empresário e escreve sobre Direito, Política e Sustentabilidade para o Money Times.