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Renan Poli: Bolsonaro pode falar o que pensa?

30 jul 2019, 18:35 - atualizado em 30 jul 2019, 19:03

Por Renan Poli – Advogado, engenheiro e biólogo. Escreve na coluna Direito, Política e Sustentabilidade do Money Times.

“Embora qualquer processo decorrente do exercício do mandato só possa correr após autorização de sua antiga casa legislativa, pode o presidente, nos termos do art. 85, V da Constituição Federal, responder pelos crimes contra a probidade na administração” (Imagem: Valter Campanato/Agência Brasil).

Se há algo que o presidente da república Jair Bolsonaro (PSL) certamente aprendeu, tendo passado quase trinta anos na Câmara, é sobre as imunidades parlamentares. Dentre elas, visando assegurar que aqueles que foram eleitos democraticamente não sejam perseguidos por suas opiniões e votos, está sua inviolabilidade cível e penal. Podem assim discutir projetos de lei e expor os desejos de sua base eleitoral com liberdade, sem serem perseguidos pelo poder executivo ou judiciário.

Bolsonaro deve ter aprendido, inclusive, que ainda assim há limites para a inviolabilidade do parlamentar. Ainda que tenha alegado que agiu sob proteção da imunidade que tinha enquanto deputado federal, em fevereiro deste ano foi negado novo recurso em seu recurso extraordinário contra decisão de condená-lo a pagamento de indenização à deputada Maria do Rosário (PT), no famigerado caso de ‘não merece ser estuprada’. Mês passado, então, a contragosto publicou um pedido de desculpas em sua conta no twitter.

Ocorre que Bolsonaro não é mais deputado e suas imunidades, por óbvio, não são as mesmas dos parlamentares. Talvez não lhe tenham avisado de forma contundente sobre os riscos da conduta, talvez seja amor à corda bamba, mas o fato é que o presidente não apenas tem se expressado irresponsavelmente, como, com a visibilidade aumentada, tem colecionado ‘pérolas’ em tamanha frequência, que há perigo de normalização do discurso de ódio, intolerância e falta de civilidade.

Um dia publica mensagem com vídeo escatológico nas redes sociais, no outro, afirma que ‘por sentimento’ os dados coletados por modernos e sofisticados sistemas do INPE – órgão do próprio governo – são mentirosos. E trazendo o choque para a normalidade, ignora que uma coleção de insatisfeitos vai se acumulando. Uma das mais recentes vítimas do sadismo presidencial foi o Presidente da OAB, Felipe Santa Cruz.

Ontem (29), em entrevista à Globo, afirmou “Quem é essa OAB? Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, conto pra ele”.

Desaparecido no período da ditadura militar quando Santa Cruz tinha apenas dois anos de idade, teve o representante da ordem notícias oficiais de que seu pai foi ‘sumido’ pelo Estado brasileiro após entrar nas dependências do DOI-Codi, órgão de repressão do regime.

Sentindo a repercussão negativa da crueldade de tocar em uma ferida dessas com tamanha falta de tato, tentou justificar o injustificável: displicentemente, enquanto cortava o cabelo e gravava uma live para as redes sociais, contradisse os arquivos da Comissão da Verdade e culpou o pai do advogado pela própria morte, alegando que guerrilheiros o haviam matado, tendo ouvido isso de terceiros quando ainda era um jovem militar.

O presidente da OAB, Felipe Santa Cruz (Twitter/Reprodução)

Indignado, o presidente da OAB se mobilizou rapidamente. Já planeja pedir explicações a Bolsonaro no STF e sua família busca resposta da Procuradoria-Geral da República (PGR). Talvez agora o mandatário maior descubra que a imunidade parlamentar não mais se aplica a ele. Embora qualquer processo decorrente do exercício do mandato só possa correr após autorização de sua antiga casa legislativa, pode o presidente, nos termos do art. 85, V da Constituição Federal, responder pelos crimes contra a probidade na administração.

Eis o problema: a Lei nº 1.079/1059, que define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento, é a mesma que fundamentou os crimes de responsabilidade de Dilma pelas pedaladas fiscais. E em seu art. 9º, VII, afirma que são crimes contra a probidade na administração “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”. A continuar o presidente da república a insistir na falta de decoro e ignorar os limites da imunidade que sequer continua a deter, para pior sorte do país, poderá Rodrigo Maia demonstrar que a Câmara aprendeu muito bem a conduzir processos de Impeachment.

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