Política

Renan Poli: as quatro linhas da constituição

09 set 2021, 17:07 - atualizado em 21 set 2021, 17:40
Manifestação Bolsonaro
Entre as quatro linhas de um campo de futebol, as regras são claras e, diga-se, bastante objetivas (Imagem: REUTERS/Amanda Perobelli)

Dizia Nelson Rodrigues que a seleção era a pátria de chuteiras. Em que pese os recentes amargores e a vergonha pelo trato dado por dirigentes, o futebol ainda traz clareza no imaginário popular a inúmeros cenários nacionais. Profícuo em analogias futebolescas, Lula também tem como adversário nas impróprias comparações o atual mandatário do país.

Entre as quatro linhas de um campo de futebol, as regras são claras e, diga-se, bastante objetivas. Jogador de linha não pode colocar a mão na bola, avançou com o jogador antes da bola no ataque é impedimento, agrediu o adversário, tem penalidade. Ainda assim, mesmo com VAR, surgem interpretações diversas e, frequentemente, culpa-se com ou sem razão o árbitro pela avaliação do ocorrido.

Nossa Constituição, no entanto, está a uma distância quilométrica das regras sob quatro linhas. A começar, o número de “regras” é imensamente maior. Há regras programáticas, cujo cumprimento depende de outras regras. A interpretação de suas normas cabe às vezes a juízos monocráticos, às vezes a tribunais, com inúmeras distribuições de competência. As regras mudam constantemente, seja por meio de emendas constitucionais, seja por meio de decisões de seu tribunal guardião, o STF. Para casos similares, surgem decisões distintas.

Com tanta subjetividade, as “quatro linhas da Constituição” têm muito mais contornos, portanto, que as regras do futebol. Como pode-se dizer, então, que se segue e zela pela Constituição, com muito mais linhas que um campo?

A princípio, poderia se dizer que há clausulas pétreas, aquelas que nem as emendas poderiam modificar, como suas balizas. Poderia se dizer que a fundamentação da República, a divisão de poderes (Legislativo, Judiciário e Executivo), a distribuição de competências de seus entes federados (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) e seu sistema de governo, assim como os direitos e garantias fundamentais devem ser claramente cumpridos por todos, para se seguir a constituição.

Há, no entanto, um mar de discussões acerca de cada uma das regras e para cada uma delas um conflito a se pacificar. A liberdade de expressão, tem limite? Está acima da dignidade do próximo? Pode se falar o que pensa, mesmo que seja para induzir a um crime? Quais crimes devem ser julgados seguindo a prerrogativa de foro de um governante (o foro privilegiado)? Apenas crimes relacionados ao mandato ou comuns também? A liberdade religiosa assegura descumprir regras sanitárias? Correção de dívidas pagas pelo executivo abaixo da inflação atenta quanto ao patrimônio do credor e viola a constituição?

Como se pode verificar, viver em liberdade se requer modular efeitos e interpretar constantemente a Constituição. Nada é preto no branco e muitos sairão frequentemente frustrados com a interpretação dada pelo colegiado. Sendo o supremo tribunal o topo de um dos poderes da República, é aceitável seu contorno político, visando dar a vazão aos inúmeros anseios da sociedade. As nuances, os percalços e as falhas, podem ser esperadas mesmo dentro da Constituição, pois sua interpretação é sistemática, sujeita a erros e acertos no decurso do tempo. Por essa razão, freios e contrapesos foram desenhados, visando minimizar atos personalísticos e visões autoritárias de mundo.

Se há, contudo, uma regra clara na Constituição vigente, tal qual, falta dentro da área é pênalti, e sem a qual deixa de existir, é que a forma de governo a ser cumprida é a Democracia. Sem esta, não há discussão, não há erros e acertos, apenas opressores e oprimidos. Por essa razão, por um governo democrático devemos zelar sempre e impedir que quem quer que seja atente contra.