Reforma do Imposto de Renda pode impactar plano de alongar dívida pública
Um ano depois de a pandemia forçar o Brasil a vender quase nada além de dívidas de curto prazo para investidores nervosos, o Tesouro Nacional voltou a trabalhar duro para aumentar os leilões de títulos de longo prazo.
Para a equipe econômica brasileira, assim como as de outros países em desenvolvimento, garantir financiamento de longo prazo funciona como um seguro que ajuda a proteger os cofres do governo das vicissitudes dos mercados globais.
Portanto, quando o ministro da Economia, Paulo Guedes, propôs no mês passado cortar a alíquota do Imposto de Renda sobre ativos de renda fixa com prazos inferiores a dois anos, isso pegou traders e analistas desprevenidos em São Paulo.
A mudança, alguns deles concluíram, estaria em conflito com os planos do governo: ao incentivar a compra de títulos de curto prazo, a legislação minaria a demanda por títulos de vencimento mais longo.
Em entrevista coletiva em Brasília na semana passada, Luis Felipe Vital, coordenador-geral de operações da dívida pública, procurou conter essas preocupações. É uma “boa pergunta”, ele admitiu com um sorriso quando questionado sobre o potencial para um conflito, mas expressou confiança de que conseguirá alongar os vencimentos da dívida.
O prazo médio das emissões caiu para uma média de 3,3 anos em 2020 – e atingiu um mínimo de apenas 2,1 anos em leilões em outubro – depois de ficar em 4,8 anos em 2019. Até maio, a média voltou para 3,6 anos, auxiliada pela recuperação da economia e do real. “Não estamos preocupados”, disse Vital.
Mas, à medida que o projeto segue seu caminho para a aprovação no final deste ano – e segundo todos os relatos, a proposta tem amplo apoio no Congresso – analistas esperam que os investidores comecem a transferir mais dinheiro para dívidas de curto prazo.
Também pesa na conta uma série de aumentos agressivos nas taxas de juros pelo Banco Central, o que alimenta a demanda por títulos de curto prazo e é um movimento que deve se intensificar antes das eleições presidenciais de 2022, que aumentará a pressão por mais gastos.
“Uma maior demanda por papéis de curto prazo decorrente da mudança pode impactar a dívida”, disse Reinaldo Le Grazie, chefe do comitê de investimentos do fundo Panamby Inno.
Le Grazie, ex-diretor do Banco Central, acrescentou que é muito cedo para estimar a magnitude desse impacto e que outros fatores – especialmente a perspectiva fiscal do Brasil – desempenham um papel maior na curva da dívida do país.
Muitos governos na América Latina estão trabalhando para vender títulos de longo prazo, enquanto os investidores assistem à pandemia do coronavírus continuar a causar prejuízos à região, com uma inflação mais elevada que poderia resultar em taxas de juros mais altas e uma mudança para o populismo.
A Colômbia anunciou que planeja reduzir o número de leilões de dívida de longo prazo apenas nove meses após suas primeiras emissões de 30 anos de taxa fixa em pesos, vendendo mais papéis de médio prazo que os investidores ainda estão dispostos a comprar.
Já o anúncio do Chile na semana passada de que venderá mais dívida de longo prazo no terceiro trimestre, depois de descartar esses negócios em maio e junho, foi recebido com surpresa – com receios de que isso pressionará as taxas dos títulos.
No Brasil, a proposta de reforma tributária pode criar mais uma dificuldade na estratégia do país para alongar sua dívida.
O projeto de lei estabelece uma taxa de 15% sobre todos os investimentos financeiros, independentemente de quanto tempo o dinheiro é mantido nos fundos.
Essa é uma mudança significativa em relação às regras atuais, que punem os investidores que sacam seus fundos mais cedo com impostos mais altos.
Em alguns casos, as taxas chegam a 22,5% se a retirada ocorrer em um período de 180 dias e podem ser tão baixas quanto 7,5% se o dinheiro ficar parado durante o período do investimento.
O governo argumenta que os ricos, que podem deixar seu dinheiro parado por muito tempo, não deveriam ter mais benefícios por causa disso.
Mas alguns investidores temem que a mudança possa reduzir o apetite por títulos de longo prazo e aumentar a pressão para a emissão de papéis de curto prazo, o oposto do que o governo quer fazer. A proposta “geraria uma rotação muito grande do estoque de títulos longos para os curtos”, diz Mariana Guarino, gestora da Truxt Investimentos.
Congresso e Guedes querem avançar rapidamente com a reforma tributária, mas a janela para isso é pequena. O projeto teria que ser aprovado em ambas as casas do Congresso este ano, uma vez que as eleições presidenciais do próximo ano dominarão a cena política.
Tanto Guedes quanto os líderes do Congresso estão otimistas de que o projeto de lei será aprovado, com a maior parte da resistência inicial concentrada na taxação de dividendos.
Em resposta a perguntas por e-mail, o Tesouro disse que as mudanças terão um impacto que precisa ser monitorado, mas afastou as preocupações, dizendo que o Brasil tem uma base diversificada de investidores. “Do ponto de vista estrutural, não são esperados impactos na demanda.
No entanto, o Tesouro mantém um contato estreito com os diferentes grupos de investidores, procurando ajustar a sua estratégia, sempre que necessário.”
O Tesouro destacou ainda que, apesar do encurtamento da dívida no ano passado, conseguiu emitir mais títulos, o que ajudou a aumentar o colchão de liquidez do país. Isso deve ajudar o Brasil a enfrentar qualquer turbulência política à frente, disse Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro e diretor da Asa Investments.
Outros são menos otimistas. Para Felipe Salto, chefe da Instituição Fiscal Independente (IFI), criada para aumentar a transparência das contas públicas, o aumento da taxa de juros por conta da inflação e a pressão fiscal já dificultarão a venda de títulos de prazo mais longo, assim como as eleições.
A mudança nos impostos aplicados aos investimentos financeiros é uma fonte adicional de pressão para o Tesouro, disse ele.
“O próximo ano não será o mesmo mar de rosas de 2021”, disse Salto.