Reforma do Estado: Uma antiga luta do Brasil ainda longe de terminar
“O problema do funcionalismo, no Brasil, só terá solução quando se proceder à redução dos quadros excessivos, o que será fácil, deixando-se de preencher os cargos iniciais, à medida que vagarem.[1] ” Essa frase foi dita em janeiro de 1930 por Getúlio Vargas em seu discurso sobre a Plataforma da Aliança Liberal.
Quase 50 anos depois, essa mesma estratégia tem sido adotada para fazer ajustes no tamanho do setor público. Mas, contrariando Getúlio, não está sendo tão fácil. As pressões por aumento de gastos com o funcionalismo têm aumentado, e será grande fonte de preocupação para o próximo governo.
Em meados da Era Vargas, foi criado o DASP (Departamento Administrativo do Serviço Público), órgão que ficou responsável pela primeira grande reforma administrativa da República. A medida buscava modernizar a administração pública, que antes era praticamente toda estruturada com base em relações políticas e pessoais, sem a necessidade de se atender a critérios técnicos ou de ser aprovado em concursos.
Desde então, mais duas grandes reformas foram tentadas, em 1967 e em 1998. Esta última, já sob o regime democrático, enfrentou grandes resistências por parte do funcionalismo e sofreu com elevada judicialização e falta de regulamentação.
Reforma Administrativa adiada
Hoje, a Reforma Administrativa, encaminhada em forma de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº32/2020, também enfrenta grandes entraves de avançar no Congresso, e não será aprovada ainda nesta gestão. Por isso, a discussão deve ficar para os próximos anos e encarar dificuldades ainda maiores.
Segundo os dados do Painel Estatístico de Pessoal (PEP), o número de servidores públicos na ativa cresceu, entre 2001 e 2016, quase 33%, atingindo 656 mil funcionários, considerando pessoal da União, Estados e municípios. Como consequência, o país tem hoje uma das maiores despesas com remuneração de servidores públicos do mundo, segundo dados do FMI de 2019[2]. Em uma lista de 78 países, o Brasil é o 8º com maior despesa, com montante equivalente a 13% do PIB.
Essa é uma das principais linhas de despesas obrigatórias que engessam o orçamento do governo, que correspondem a praticamente 94% do total. Não à toa, a capacidade de investimento público está se extinguindo, enquanto em alguns estados faltam recursos para a prestação de serviços básicos e compromete-se a folha de pagamentos.
Não apenas o país gasta muito com a máquina pública, em relação ao tamanho da sua economia, mas também recebe serviços públicos de má qualidade. De acordo com o Fund For Peace, o Brasil tem a pior qualidade de serviços públicos entre os países da OCDE e é o 121º colocado entre 173 economias no mundo.
Regimes diferentes para funções diferentes
A reforma atual procura reverter gradualmente esse quadro, uma vez que assume como premissa a manutenção de direitos adquiridos pelos servidores atuais, como a estabilidade no emprego e a não redução de salários. Mas ao mesmo tempo, tenta trazer mudanças importantes em um novo modelo.
A principal delas é permitir diferentes regimes de trabalho para diferentes funções. Hoje todos possuem o mesmo grau de estabilidade, sem levar em conta peculiaridades de cada função. A reforma permitiria diferenciar vagas que poderiam ser preenchidas através de concursos de outras que podem ter um processo mais simplificado.
Entre os concursados, a ideia seria criar um período de experiência de pelo menos um ano, para avaliar o desempenho. Para a contratação direta, o prazo deve ser pré-determinado.
Outras mudanças incluem, por exemplo, simplificar regras de acumulação de cargos, dar mais agilidade nas possibilidades de desligamento de funcionários, eliminar distorções como aumentos retroativos, férias superiores a 30 dias, ou progressões automáticas por tempo de serviço.
Sem conseguir avançar com essa reforma, a estratégia do governo desde 2016 tem sido a mesma de Vargas, deixar o quadro do funcionalismo ir se reduzindo. De lá até aqui, o número de servidores federais na ativa teve queda aproximada de 10%. Como resultado, a despesa federal com pessoal e encargos sociais tem recuado, em termos reais, desde o final do ano passado.
Mas essa estratégia já se mostra insustentável. As pressões por aumento de gastos públicos e reajustes do funcionalismo crescem e devem ganhar espaço nos próximos anos. Fica cada vez mais clara a urgência de uma reforma administrativa importante, mas a dificuldade parece a mesma de sempre.
Já no século XVI, Maquiavel dizia a aqueles que pretendem introduzir novas ordens que terão “por inimigos todos aqueles que obtinham vantagens com as velhas instituições e por fracos defensores naqueles que das novas ordens se beneficiam”.
[1] https://core.ac.uk/download/pdf/30370689.pdf
[1] https://painelgfs.tesouro.gov.br/
*Carlos Lopes é economista no banco BV desde 2013 e já passou por instituições financeiras como Itaú BBA, Banco Fibra e WestLB. É formado pela Universidade de São Paulo e tem mestrado no Insper.
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