Recuperação judicial: entenda o contexto, os riscos e os benefícios
Por Guilherme Sales*
Algumas empresas brasileiras recorreram à recuperação judicial nos últimos meses como uma medida para enfrentar desafios financeiros. Tal fenômeno pode ser compreendido em um contexto mais amplo.
Ou seja, vai desde a trajetória de baixa dos juros entre 2019 e 2021, passando pelos impactos econômicos da pandemia da covid-19 até, mais recentemente, o aumento da taxa Selic no Brasil. Assim, examinar a relação entre esses fatores é crucial para entender o atual cenário de pedidos de recuperação judicial.
Entenda o contexto
Entre os anos de 2019 e 2021, observou-se um ciclo de baixas taxas de juros no Brasil. Consequentemente, os investidores e empresas aumentaram o apetite por risco em novos projetos. Isso acabou implicando na grande onda de IPOs entre 2020 e 2021 na bolsa brasileira.
Esse cenário próspero apresentou uma desaceleração a partir da pandemia do coronavírus que impactou negativamente a economia. Além disso, as políticas monetárias de subsídios à economia influenciaram no aumento da taxa de juros no Brasil. Com o aumento das taxas de juros, investidores e empresas passaram a redirecionar seus investimentos para opções mais conservadoras e seguras, como a renda fixa.
Entenda os riscos
Por sua vez, muitas empresas, enfrentando dificuldades devido à desaceleração econômica, concentraram seus esforços em buscar eficiência operacional para compensar a queda nas receitas. No entanto, companhias com alta alavancagem e dívidas atreladas à taxa Selic e CDI sofreram um impacto devastador em meio à combinação de aumento da taxa de juros e desaceleração econômica.
Neste contexto, não é surpresa que, nos últimos meses, viu-se um número expressivo de empresas protocolando pedidos de recuperação judicial. Afinal, a medida é vista como uma alternativa para ganhar tempo e reorganizar-se internamente. Além disso, também permite aguardar maior estabilidade econômica.
Assim, a recuperação judicial oferece uma oportunidade às empresas de renegociar suas dívidas, buscando um plano de reestruturação. Mais que isso, permite, idealmente, retomar suas atividades com uma base financeira mais sólida.
Entenda os processos
Entretanto, protocolar um pedido de recuperação judicial não é um processo simples. Ao contrário, deve ser feito por um profissional que já passou por esse tipo de situação e que será responsável pela elaboração de um plano dentro do prazo de 60 dias.
Além disso, outros critérios devem ser atendidos para abertura do pedido de RJ. São eles:
- Registros legais da empresa em dia e ativa nos órgãos regulatórios;
- A empresa deve estar regularizada fiscalmente e em dia com suas obrigações ou com um plano de quitação de seus débitos aprovado;
- Plano de pagamento para seus credores;
- Não ter um plano de recuperação judicial ativo ou uma falência decretada;
- Não ter sido condenado ou ter algum sócio na lei falimentar.
Ao atender a estes critérios, a empresa pode solicitar o pedido à justiça e iniciar a execução do plano de recuperação. Apesar desse processo viabilizar mais tempo para as empresas se reestruturarem, solicitar uma recuperação judicial tem algumas desvantagens que devem ser levadas em consideração.
Entre elas, está o próprio processo como um todo, que é extremamente complexo e moroso, além de dispender de altos gastos judiciais. Ademais, o processo gera uma desconfiança do mercado, dificultando a captação de recursos financeiros.
Entenda os benefícios
Portanto, o aumento dos pedidos de recuperação judicial no Brasil nos últimos meses é resultado de um contexto complexo. Em linhas gerais, esse contexto engloba a queda das taxas de juros, os impactos da pandemia e o subsequente aumento da taxa Selic.
Essa combinação de fatores gerou desafios financeiros significativos para empresas, especialmente àquelas com altos níveis de endividamento e exposição às taxas de juros. Assim, enquanto algumas empresas buscam se reerguer por meio da recuperação judicial, é essencial observar como as políticas econômicas e o ambiente de negócios vão evoluir para impulsionar a recuperação e o crescimento sustentável das empresas brasileiras.
*Guilherme Sales é associado na Peers Consulting há mais de cinco anos. Atualmente, atua como Gerente Sênior e lidera as práticas de finanças da Peers. Formado em engenharia mecânica pela UNESP, possui mais de 8 anos de experiência em consultoria de negócios, atuando principalmente em projetos de estruturação do processo de gestão de performance financeira de grandes empresas. Atuou também com speech analytics na operação do Brasil da Comdata España & Latam.