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‘Recuem’, ordenou Bolsonaro à Petrobras para barrar reajuste

14 abr 2022, 7:42 - atualizado em 14 abr 2022, 9:57
Bolsonaro
O comportamento de Bolsonaro em relação à Petrobras desde o início de seu governo não mudou (Imagem: REUTERS/Adriano Machado)

“Recuem”. Dessa forma, em mensagens curtas enviadas por WhatsApp, semelhantes a um comando militar, o presidente Jair Bolsonaro tentou anular decisões na Petrobras (PETR4) sobre aumento de combustíveis mesmo depois de o reajuste ter sido anunciado, como apurou o Estadão/Broadcast.

Outras mensagens enviadas ao primeiro presidente da petroleira em seu governo, Roberto Castello Branco, apelavam ao caráter persecutório: “Assim vcs querem me derrubar”, disparou.

Ao presidente atual, o general Joaquim Silva e Luna, que está deixando o posto, Bolsonaro disse que a Petrobras “tem de ser uma empresa que dê lucro não muito alto”, o que motivou uma tentativa do assessor de Comunicação da estatal, coronel Ricardo Bezerra, de retirar a palavra “lucro” para não parecer provocação ao presidente.

O comportamento de Bolsonaro em relação à Petrobras desde o início de seu governo não mudou. A formação do novo conselho de administração que referenda a nova presidência executiva – um ano antes do fim previsto para o mandato -, ocorreu em meio a arroubos presidenciais que vão do “eu não apito nada (na Petrobras) e cai no meu colo” até acusações de falta de profissionalismo.

Em entrevista recente ao programa Roda Viva, da TV Cultura, Castello Branco confirmou ter sido alvo de pressão direta de Bolsonaro, por meio de mensagens, mas o teor delas não tinha sido revelado.

Já Silva e Luna não foi tão direto em relação ao presidente, mas em entrevistas recentes disse que as pressões eram crescentes e, ao Estadão/Broadcast, fez uma declaração carregada de simbolismo: “É mais fácil encontrar culpados do que solução.”

“A gente precisava de alguém mais profissional”, disse Bolsonaro na segunda-feira, referindo-se à gestão de Silva e Luna, que ele mesmo colocara no cargo, afirmando ser a pessoa que ia “dar uma arrumada” na empresa. “Vocês vão ver como a Petrobras vai melhorar”, disse, na ocasião, ao séquito de apoiadores que se revezam no portão do Palácio da Alvorada.

Silva e Luna chegou à Petrobras deixando claro que não interferiria na área técnica. Costumava dizer que a equipe sabia o que fazer e que podia trabalhar tranquila. Para assessorá-lo, levou outros seis militares. A área de Comunicação, prioritária para Bolsonaro, aflito por notícias positivas, ficou a cargo do coronel Ricardo Bezerra, assim como a chefia de gabinete foi ocupada por um militar da mesma patente, Jorge Ricardo Áureo.

Lucro ‘absurdo’

Obviamente, o mercado considera como notícias altamente positivas o aumento do lucro líquido, a distribuição de dividendos, a redução do endividamento. Tudo isso vem ocorrendo na empresa. Mas, para o presidente, são mais um estorvo. Em sua lógica particular, está convicto de que isso contribui negativamente para seu governo.

No ano passado, depois da divulgação do resultado do terceiro trimestre, Bolsonaro descarregou sua artilharia chamando de “absurdo” o lucro da empresa. “(A Petrobras) tem de ser uma empresa que dê lucro não muito alto”, disse, para desespero de Silva e Luna, que chegou a confidenciar a assessores não saber mais o que fazer.

O desatino chegou ao ponto máximo na divulgação seguinte. Diante da reação do presidente, o coronel Bezerra cogitou não incluir na divulgação do resultado de 2021 a palavra lucro, para não parecer provocação. Mas, como relatar o balanço sem falar no lucro recorde de R$ 106,6 bilhões? Somente o diretor financeiro, Rodrigo Araujo, conseguiu demover o assessor.

Silva e Luna estava acuado com a pressão de Bolsonaro, que, nos últimos dois meses, passou a falar com ele apenas por intermédio do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. Por outro lado, a diretoria executiva e o conselho de administração começaram a dar sinais de preocupação.

O megarreajuste de março, 18,7% na gasolina e 24,9% no diesel, que ficaram inalterados por quase dois meses em plena escalada do petróleo, e de 16,1% no gás de cozinha, congelado por mais de cinco meses, foi decidido depois de uma tensa reunião de diretoria.

Pressionado pelo Planalto, Silva e Luna ainda tentava segurar um pouco mais os preços, mas os diretores insistiam na inviabilidade, especialmente o diretor de Comercialização, Cláudio Mastella. Os conselheiros também defendiam a urgência do reajuste, e ao general não restou alternativa a não ser a que acabou causando sua demissão.

Debate jurídico

Para especialistas, caberia à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que regula o mercado de capitais, investigar se a atitude de Bolsonaro caracterizou infração à Lei das SAs. “A Lei das SAs determina que nenhum acionista vote ou aja na defesa de seus próprios interesses, mas sempre dos melhores interesses da companhia”, diz Mário Roberto Nogueira, sócio do NHM Advogados. “As mensagens, porém, deixam claro que ele (Bolsonaro) não pensava na população ou na economia do País, mas simplesmente em seu interesse pessoal (com a mensagem ‘assim, vcs querem me derrubar’).”

André Neves, sócio de mercado de capitais do BZCP, concorda que cabe questionamento sobre se as mensagens foram do melhor interesse público, por conta do estatuto da Petrobras, ou preocupação eleitoreira. Porém, como as ordens não foram acatadas, não caberia questionamento à Justiça, segundo ambos os especialistas. “Ao contrário, os administradores preservaram o dever fiduciário para com a companhia, e não quem os indicou aos cargos”, afirma Neves.

Procurados, o Palácio do Planalto e a Petrobras não se manifestaram. (Colaborou Cristiane Barbieri)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.