Economia

Gabriel Casonato: Recessão nos EUA só no final de 2020

06 abr 2019, 9:02 - atualizado em 06 abr 2019, 16:06

A inflação corrói o dinheiro amarrado em títulos como uma mariposa corrói um cardigã

Por Gabriel Casonato, Editor da Agora Brasil 

Caro leitor,

Há um ditado entre investidores que diz que as aves voadoras se reúnem no mercado de ações, enquanto as corujas sábias montam seus ninhos no mercado de títulos.

O mercado de títulos permitirá que você saiba para onde a economia está indo, dizem os veteranos.

Dizem também que, estando nele, você não será tão facilmente enganado pelos falsos fogos de artifício do Federal Reserve.

Conforme escreveu esses dias o repórter do New York Times, Neil Irwin:

Analistas econômicos experientes sempre souberam que o mercado de títulos é o lugar para procurar um senso real de onde a economia está indo, ou pelo menos onde o smart money pensa que está indo”.

Então para onde este “dinheiro inteligente” – as corujas – pensa que a economia americana está indo? Primeiro vamos dar uma olhada no presente e no que diz o mercado de ações.

Depois de uma forte recuperação iniciada na virada do ano, março foi um mês bastante volátil para as Bolsas em Nova York. O temor de que a desaceleração global não poupará a economia dos EUA foi a explicação mais amplamente oferecida.

Isto está totalmente relacionado à última mensagem transmitida pelo mercado americano de títulos, que prevê uma época de escassez e perspectivas reduzidas.

Na última semana de março, comentamos aqui que os Treasuries emitiram um alerta sinistro, o da curva de rendimento invertida.

A curva de juros é simplesmente a diferença entre as taxas de juros de curto e longo prazos. As taxas de longo prazo normalmente são mais altas do que as taxas de curto prazo. Por razões um tanto óbvias, é a configuração que reflete a estrutura do tempo em um mercado saudável.

O rendimento do título de 10 anos, por exemplo, deve ser substancialmente superior ao rendimento de 2 anos. Os retornos dos títulos de longo prazo devem subir em antecipação ao maior crescimento, maior inflação, entre outros fatores.

A inflação corrói o dinheiro amarrado em títulos como uma mariposa corrói um cardigã.

Os investidores de títulos, portanto, exigem uma compensação maior para manter um Treasury de 10 anos do que um de 2 anos.

E quanto mais longe no futuro, maior a incerteza. Assim, os investidores exigem serem compensados por terem uma visão de longo prazo.

Mas quando os rendimentos de curto e longo prazos começam a convergir, é uma indicação poderosa de que o mercado de títulos espera tempos difíceis à frente.

Quando o rendimento a longo prazo cai abaixo do rendimento de curto prazo, diz-se que a curva de rendimento inverte. E nesse sentido, o próprio tempo se inverte.

Como provavelmente seria se uma viagem no tempo existisse, o futuro e o passado colidem e acabam trocando de lugar.

Assim, uma curva de rendimento invertida destrói a estrutura de mercado do tempo. Recompensa a perseguição ao pássaro na mão do que aos dois voando. Ou seja, o portador de títulos de curto prazo é mais compensado do que o portador de longo prazo.

Ou seja, o cotista de curto prazo recebe mais para se sacrificar menos, enquanto o cotista de longo prazo recebe menos para se sacrificar mais.

Compreender o fenômeno da inversão na curva de juros é condição necessária para entender a gravidade do que aconteceu nos EUA nos últimos dias.

O alarme foi soado no momento em que as letras de três meses do Tesouro passaram a render mais do que as de 10 anos.

O spread entre os juros destes títulos não ficava negativo desde 2007, ano anterior à última grave crise econômica global. Essa inversão é um presságio quase perfeito de recessão, concedida até mesmo pelo Fed.

A Reuters, por exemplo, escreveu que “o spread de 3 meses e 10 anos é a medida preferencial do Fed para a curva de juros do Tesouro, pois mostra a correlação histórica mais forte entre a inversão da curva e uma recessão próxima”.

Está longe de ser, portanto, um aviso a ser ignorado.

De acordo com o Bank of America, uma curva de rendimento invertida precedeu a recessão em sete de sete ocasiões nos últimos 50 anos.

Só falhou uma única vez, em meados da década de 60.

Como mencionado, a última vez em que a curva se inverteu foi em 2007, precedendo a chegada da recessão no ano seguinte.

Antes disso, a última vez havia sido em 1998 – a recessão também não estava longe.

No gráfico abaixo, as barras cinzas mostram recessões após inversão da curva de juros nos EUA:

Chart

O risco de vermos a economia americana cair, portanto, não pode ser desprezado.

E dada a extrema duração da recuperação atual e o mercado de ações ainda inflacionado, a queda poderia assumir uma grandeza histórica.

No mercado, já há alguns analistas que alertam para um declínio de 40 por cento do S&P 500 em meio a próxima recessão.

Mas a inversão da curva de rendimento dos jutos é uma ameaça imediata ou então um aviso de tempestade mais à frente? Não, não é.

A história revela que os efeitos sombrios de uma inversão na curva de rendimentos dos juros podem não se manifestar por 18 meses ou mais.

Nos últimos 35 anos, tal sinal precedeu três recessões dos EUA em um prazo médio de pouco mais de 15 meses.

Neste caso, estaríamos falando de uma recessão só no final de 2020. O que ainda nos dá bastante tempo para aproveitar eventuais oportunidades que o mercado de ações ofereça. Um olhar mais atento ao atual cenário mostra a dificuldade de se determinar os rumos da economia americana.

O longo bull market de Wall Street já resistiu a uma paralisação parcial do governo, a algumas mensagens confusas do Fed, bem como a ventos contrários decorrentes das tensões comerciais com a China e da crescente fragmentação política por aqui. E, ao mesmo tempo, um sólido mercado de trabalho continua impulsionando o consumo e sustentando a resiliência da economia dos EUA.

Por fim, os valuations permanecem relativamente moderados, o que significa que as ações ainda podem ter um bom espaço para andar.

A relação Preço sobre Lucro para o S&P 500 é de 16,6x, ainda bem abaixo da alta mais recente, de 21,3x em 2016. Por tudo isso, é importante separar o que for ruído de sinal, embora a tarefa esteja cada vez mais difícil.

De minha parte, como tenho reiterado diversas vezes aqui, permaneço otimista com as ações de um modo geral. Mas sempre com um olho no peixe e outro no gato.

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