Rebelião dos day traders: cresce o ataque contra os vendidos do mercado
O mais recente ataque contra quem vende a descoberto em Wall Street vem de uma longa tradição que remonta pelo menos a Napoleão Bonaparte, que chamou de “traiçoeiros” os que apostavam contra os títulos governamentais.
Eles sobreviveram a Napoleão e a vários outros críticos nos séculos seguintes. No entanto, a revolta simbolizada pela movimentação em torno das ações da varejista de videogames GameStop (GME) pode marcar o fim da tática indisfarçada de explicitar a má conduta de empresas, montar posições que apostam na queda de suas ações e campanhas para trazer o assunto à tona.
Uma grande vítima apareceu na sexta-feira: a Citron Research, de Andrew Left, informou que vai parar de fornecer análises de vendas descoberto após 20 anos prestando esse serviço. Outros estão adotando táticas menos agressivas ou evoluindo para diferentes formatos.
A Melvin Capital foi forçada a reverter com perdas a posição vendida que tinha na GameStop. A Carson Block e outras instituições reduziram as apostas.
Alguns dos mais poderosos fundos de hedge estão amargando perdas de dois dígitos e penando para planejar seus próximos passos.
Gente comum e grandes empresas costumam ver quem vende a descoberto como abutres detestáveis com práticas duvidosas e não lamenta o ocorrido.
No entanto, investidores que argumentam que os vendedores a descoberto servem para policiar os mercados talvez sintam que algo está sendo perdido.
Inúmeras vezes, os vendedores a descoberto — praticantes da arriscada arte de vender algo que tomaram emprestado para tentar comprar a preço mais baixo na hora de devolver — foram vistos como antídoto fundamental capaz de farejar empresas fraudadoras ou com contabilidade e planos de negócios questionáveis ou apenas como meio de conter os múltiplos. A Enron foi o exemplo mais notável.
“Ainda atuo no negócio e hoje em dia acho que vai bem o suficiente”, disse Fahmi Quadir, fundadora da Safkhet Capital em Nova York que ficou famosa pelo sucesso que obteve na aposta contra a Valeant Pharmaceuticals.
O aspecto mais fundamental do problema, segundo ela, é que cada vez menos instituições querem gastar para pesquisar as empresas ou para “identificar empresas que são predatórias ou fraudadoras”.
Vender a descoberto já era difícil antes do ataque montado no fórum wallstreetbets da plataforma Reddit, quando uma multidão de 6 milhões de pessoas uniu forças para sustentar as ações mais odiadas pela elite dos fundos de hedge.
A imensa maioria das posições vendidas já era irrelevante devido à popularidade dos fundos de índice e do período mais longo da história de altas no mercado acionário dos EUA.
Os números vêm diminuindo há algum tempo. Entre os milhares de fundos de hedge de um segmento que movimenta US$ 3,6 trilhões, apenas 120 se especializam principalmente em apostas contra ações.
Seus ativos somados caíram em mais da metade para US$ 9,6 bilhões nos últimos dois anos, de acordo com dados compilados pela Eurekahedge.
“É como assistir à polícia roubando um banco”, disse Crispin Odey, um dos gestores de fundos de hedge mais pessimistas do mundo, se referindo a essa tendência. “Já havia o menor volume de posições vendidas no mercado em 15 anos antes que a multidão do Reddit iniciasse o ataque.”
Alguns dos mais temidos vendedores a descoberto estão procurando abrigo. A Block, cujas pesquisas forenses derrubaram as ações de diversas empresas no passado, tem reduzido “maciçamente” suas posições vendidas.
Um fundo de hedge sediado em Londres com US$ 1,5 bilhão em ativos e um histórico de sucesso com vendas a descoberto até pediu para não ser citado nesta reportagem, temendo perseguição por parte de investidores de varejo. Outro fundo reavaliou suas apostas e colocou um funcionário para vasculhar a página wallstreetbets em busca de revoltas em formação.
Gabriel Grego, fundador da Quintessential Capital Management, está pausando apostas na queda dos ativos nos EUA.
Embora pense que a prática de vender a descoberto vai bem, obrigado, ele acha que o momento exige cautela. A rebelião envolvendo a GameStop mostrou que os investidores de varejo agora estão cientes de seu poder e isso não vai desaparecer, explicou Grego.