A ‘rebarba’ da reforma tributária: Mudança prevista em artigo preocupa exportações do agronegócio e suas entidades
A reforma tributária, aprovada na Câmara dos Deputados, promete simplificar o sistema de impostos no Brasil.
No entanto, uma brecha na proposta vem gerando incômodo no mercado, em Brasília e principalmente para o agronegócio: o artigo 20 do texto traz a possibilidade dos estados criarem um tributo extra para substituir a contribuição a fundos estaduais.
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O imposto seria sobre produtos primários e semielaborados, sendo que o valor arrecadado se destinaria a investimentos em obras de infraestrutura e habitação.
Na prática, esse tributo funcionaria como um imposto sobre produtos exportados até 2043, o que vai contra a ideia da reforma de desonerar as exportações, que impactam diretamente o setor do agro.
Visão das entidades do agronegócio para medida
Contag
Para Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), um tributo estadual nos moldes estabelecidos é um problema para a própria noção de simplificação e racionalização dos aspectos e mecanismos da reforma.
Assim, na visão da entidade, o tributo, que parece impreciso, deve levar a insegurança jurídica e vai contra o consenso de que não recairia nas exportações.
“Os principais produtos primários atingidos seriam soja, milho, farelo de soja, carne bovina e de frango. Nestes produtos, a agricultura familiar tem pouca participação na exportação. Por outro lado, a criação do imposto impactará no conjunto das respectivas cadeias, portanto uma pequena parte da agricultura familiar será atingida”, explica a Contag.
Abag
Na avaliação de Paulo Vaz, Membro do Comitê de Assuntos Jurídicos da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), o novo imposto parece ser criado em substituição a contribuição a fundos estaduais.
“A situação é de evidente criação inconstitucional de um tributo sobre a exportação de bens e produtos primários, pois o diferimento da saída do produtor é condição fundamental para garantir que a exportação ocorra pela trading ou mesmo pela indústria de transformação”, explica.
Para Vaz, a “emenda aglutinativa” da PEC 145/2019 implica na constitucionalização dessa cobrança, que irá onerar o preço final dos produtos do agronegócio que serão exportados, além de onerar também os produtos fornecidos ao mercado interno, indo contra o ‘espírito’ da reforma.
“O agronegócio espera que o texto seja removido no Senado. De todo modo, se houver a instituição desse imposto, que seja possível ao menos abater-se como crédito esse valor da parcela devida como Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e, se houver acúmulo de crédito, que o produtor seja ressarcido do valor recolhido”, comenta.
Além disso, Vaz questiona a cobrança até 2043, se a transição para o novo sistema de tributação (IBS/CBS) se completa em 2032.
Abiove
Já a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) afirma que o imposto resultará em um aumento de custos das operações de exportação e que não faz sentido para a reforma tributária instituir um novo tributo que tem fundamentos no sistema anterior.
Aprosoja
A Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), por sua vez, destaca que o artigo 20 traz uma série de incertezas técnicas sobre a nova cobrança.
A principal incerteza está na discussão do que são considerados produtos primários e semielaborados.
Como especialista em direito tributário enxerga o texto da reforma?
Na visão de Guilherme Di Ferreira, advogado no Lara Martins Advogados e especialista em Direito Tributário e diretor-adjunto da Comissão de Direito Tributário da OAB/GO, a PEC que segue para votação no Senado possui diversos pontos que serão regulamentados posteriormente por Lei Complementar, sendo o imposto sobre produtos primários e semielaborados mais um destes pontos.
“Como a reforma tributária tem a intenção de concentração das decisões e distribuição de recursos no Governo Federal, existe o risco dos estados buscarem compensar suas perdas de arrecadação através do referido imposto.
Ademais, o tema foi incluído no texto no ‘apagar das luzes’, sendo pouco debatido e explicado como de fato ele poderá ser aplicado, o que gera incerteza nos setores que possivelmente serão prejudicados e onerados”, explica.
Assim, para o especialista, já que a intenção da Reforma Tributária é desonerar as empresas para aumentar a competitividade no exterior, o imposto previsto no artigo 20 da PEC deve ser excluído ou ter seu tempo de aplicação reduzido.
Por fim, o Agro Times procurou também a Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho), a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) e Sociedade Rural Brasileira (SRB), que preferiram não se posicionar sobre o tema no momento.