Rápida aprovação de vacina Covaxin gera polêmica na Índia; Brasil quer imunizante
Há um ano, Krishna Ella era simplesmente conhecido por comandar uma pequena farmacêutica indiana com reputação de rigor científico. Então, veio a pandemia, que colocou o cientista e sua família no centro de uma das maiores polêmicas em torno de uma vacina contra o coronavírus.
Vale lembrar que o Brasil está em negociações para adquirir 30 milhões de doses das vacinas Sputinik V e Covaxin. Caso a compra seja fechada, o país poderá receber 8 milhões doses da Covaxin em fevereiro e 12 milhões em março.
Em junho do ano passado, a agência reguladora de medicamentos da Índia permitiu que a empresa de Ella, a Bharat Biotech International, desenvolvesse uma vacina doméstica em tempo recorde.
Desde então, a empresa tem sido alvo de controvérsias que vão desde cronogramas irrealistas do governo a alguns relatos de reações adversas. A situação chegou ao auge no mês passado, depois que o governo indiano aprovou a vacina antes da conclusão dos ensaios finais em humanos.
A decisão provocou protestos em toda a Índia, e muitos na linha de frente da pandemia – principalmente profissionais de saúde – se recusaram a receber a vacina da empresa.
Duas semanas depois, a campanha nacional de imunização da Índia desacelerou: pouco mais da metade do número-alvo de pessoas se apresentou para tomar a vacina, hesitação em grande parte atribuída à aprovação apressada do imunizante da Bharat Biotech, que ainda está em ensaios de fase III.
Dos EUA à Noruega, debates sobre a eficácia e segurança das vacinas contra a Covid-19 afetaram gigantes farmacêuticas como Pfizer e AstraZeneca, e governos de vários países buscam combater a resistência às vacinas. No entanto, especialistas dizem que a Índia nunca havia identificado resistência significativa às vacinas até agora.
As apostas são particularmente altas, porque o país do sul da Ásia corre para vacinar 1,3 bilhão de pessoas em vilas e favelas populosas, enquanto enfrenta o segundo maior número de casos do mundo.
“Há muitas perguntas sem resposta por causa da total opacidade” e falhas na prestação de contas, disse Dinesh Thakur, ex-executivo farmacêutico conhecido por expor fraudes na farmacêutica indiana Ranbaxy Laboratories. “Uma coisa é muito clara: eles agora criaram com sucesso um movimento antivacinas significativo na Índia.”
O uso da vacina desenvolvida pela Bharat Biotech, a Covaxin, causou polêmica particularmente porque o governo do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, distribuiu o imunizante juntamente com o produto da AstraZeneca, que completou os ensaios finais.
Sorte e localização determinam qual vacina será administrada a profissionais da linha de frente na Índia, e muitos temem acabar recebendo um imunizante que ainda não foi totalmente examinado.
“Eles os obrigaram a tomar a Covaxin”, disse Dayanand Sagar, presidente de uma associação de médicos residentes em Bangalore que representa 5 mil profissionais médicos em no estado de Karnataka. “Os profissionais de saúde devem poder escolher.”
Tanto o governo quanto a Bharat Biotech defenderam a segurança da vacina, e autoridades de saúde foram vacinadas com a Covaxin diante das câmeras. Em entrevista em dezembro, Suchitra Ella, cofundadora da empresa e esposa de Krishna, disse que a farmacêutica agiu “dentro da lei do país”. Um porta-voz da Bharat Biotech e representantes do governo indiano não responderam a pedidos de comentários.
Muitos acreditam que a velocidade da vacina foi impulsionada por forças políticas nacionalistas que pressionam por um imunizante “swadeshi” – ou fabricado localmente -, além das próprias ambições da empresa de estar entre as líderes.
Now that the prestigious research Journal Lancet has given kudos to Covaxin, will the Angrez ke nakli waris wake up and stop campaigning against the Swadeshi BBL in the media?
— Subramanian Swamy (@Swamy39) January 22, 2021
“Ambas as coisas estão alinhadas aqui, a pressão do governo e o impulso competitivo interno da empresa”, disse Prashant Yadav, especialista em cadeia de suprimentos de saúde no Centro para o Desenvolvimento Global, em Washington.
Defensores da vacina destacam uma revisão por pares em estudo publicado na revista médica The Lancet em janeiro, segundo o qual o primeiro teste em humanos com a Covaxin conduzido em 375 pessoas mostrou “resultados de segurança toleráveis e respostas imunológicas reforçadas”.
O debate agora tem potencial de aumentar o ceticismo em relação às vacinas à medida que a farmacêutica assina contratos de fornecimento global.
A Bharat Biotech fechou um acordo para enviar a Covaxin ao Brasil e trabalha com uma empresa para aprovação nos Estados Unidos. Qualquer que seja o legado final da Covaxin, deixará uma marca indelével na reputação de Krishna Ella como cientista.
“Tenho 65 anos”, disse em entrevista à Bloomberg TV em dezembro. “Antes de morrer, quero causar algum impacto na saúde pública mundial.”