Rafael Ferri tem recurso negado no STJ em processo sobre manipulação; CVM investiga atuação no TradersClub
O investidor e sócio do site TradersClub, Rafael Ferri, teve recurso negado pelo STJ em processo criminal sobre manipulação de preços no mercado de ações. Ferri já havia sido condenado pela Justiça Federal de Porto Alegre.
A decisão do STJ, publicada em 7 de agosto de 2020, pode ser acompanhada ao final deste artigo. Segundo apurou o Money Times, o órgão sequer analisou o mérito do pedido.
Quando a decisão transitar em julgado, Ferri poderá realizar uma audiência para discutir a suspensão condicional do processo, uma espécie de acordo dentro da ação penal, em que o réu se compromete a seguir determinadas condições, como o de reparar o dano causado pelo crime praticado em troca da extinção da punibilidade.
Se aceitá-la, a suspensão condicional do processo poderia ser revogada caso surjam novos processos criminais contra Ferri ou se as indenizações para reparar o dano não forem quitadas.
Em primeira instância, Ferri havia sido condenado por manipulação de mercado há dois anos e seis meses de reclusão, além de multa no valor de R$ 2,3 milhões, no entanto, após recorrer, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu que seria correto dar a oportunidade para se discutir a suspensão condicional do processo.
Este processo teve início após uma denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF), em 2012, sobre a atuação de Ferri com as ações da empresa Mundial (MNDL3) em um caso que ficou conhecido como a “bolha do alicate”, alusão a um dos produtos vendidos pela empresa.
Entre maio de 2010 e julho de 2011, Ferri teria atuado para “alterar artificialmente o funcionamento do mercado de valores mobiliários, com a finalidade de obter vantagem indevida para si e causando prejuízos a terceiros”.
Procurada, a defesa de Rafael Ferri informou que irá recorrer da decisão do STJ, que por erro, teria considerado o recurso intempestivo. A defesa ressaltou que Ferri foi absolvido da acusação de insider trading no caso da “Bolha do Alicate” e esclareceu que pende o julgamento de um recurso extraordinário dirigido ao STF, onde, assim como no STJ, se pretende a exclusão de provas obtidas através da quebra de sigilo de Ferri.
CVM
Em paralelo ao processo aberto pelo MPF, a CVM condenou Ferri por manipulação de mercado, em 2016, e o absolveu da acusação de “insider trading”.
Na mesma ocasião, o diretor relator do caso, Roberto Tadeu, entendeu que Ferri, para atingir seu objetivo, na dupla condição de investidor e agente autônomo de investimento, negociou intensivamente em seu nome e influenciou a atuação de diversos outros agentes autônomos e clientes para os quais intermediava as operações com ações da Mundial.
Veja esta decisão ao final da matéria.
Ferri, então, recorreu ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN) pedindo a nulidade do julgamento da CVM, mas foi derrotado (veja a decisão abaixo).
Em seu pedido, Ferri admitia “poupar” o Conselho de análise do mérito da punição por manipulação de preços e alegava “cerceamento da defesa”.
Thiago Paiva Chaves, conselheiro relator, apontou que a defesa de Ferri estaria atuando “a conta-gotas para tumultuar o devido andamento processual”. A ele foi mantida a penalidade de proibição temporária pelo prazo de 5 anos de atuar, direta ou indiretamente, em uma ou mais modalidades de operação no mercado de valores mobiliários.
Segundo apurou o Money Times, o processo ainda não foi devolvido à CVM pois continua no CRSFN para apreciar embargos de declaração apresentados por Ferri.
Negociações em observação
Um dos pontos que pode pesar na decisão de Ferri em aceitar a suspensão condicional do processo criminal é a sua atuação no TradersClub.
Segundo reclamações de investidores à CVM, Ferri continua a incentivar o público a comprar ativos que ele mesmo possui, pelas redes sociais e por meio de seu fórum, o TradersClub.
Conforme apurou o Money Times, um processo a respeito do TradersClub foi aberto dentro da CVM em março de 2019 e encerrado em setembro do mesmo ano.
Entretanto, este foi reaberto em junho de 2020 após quatro novas denúncias de investidores, que alegam a prática de “front running” em conjunto com o fundo Cosmos, de outro sócio do TradersClub, Pedro Albuquerque.
Neste tipo de atuação, uma pessoa se vale da informação de que outras farão algum tipo de movimento e “corre na frente” para executar as ordens e ganhar com isso.
Um dos denunciantes argumenta, ainda, que Ferri “toma suas próprias decisões de investimento e utiliza suas redes sociais para ‘referendar’ suas opções, acabando por criar condições artificiais de demanda, oferta ou preço e manipular preços”.
Também está na mesa a apuração de eventual exercício irregular da atividade de análise de valores mobiliários por Ferri. Isso porque a regulamentação da CVM enquadra como analista aqueles que divulgam informações sobre ativos específicos, auxiliando diretamente o investidor em seu processo de tomada de decisão de investimento.
A reportagem do Money Times ouviu dois advogados atuantes no mercado de capitais, que preferiram não se identificar. Um deles afirma que “à medida que Ferri ministra cursos sobre opções, é inegável o seu poder de influenciar a tomada de decisão de seus alunos. Quando divulga seus investimentos, ele está tensionando o público a segui-los e, portanto, deveria observar a Instrução CVM 598”.
Outro demonstrou preocupação com a amplitude que a atuação indiscriminada do TradersClub pode tomar, “implicando em riscos à integridade do mercado”.
A nova investigação teve o seu início em julho na Superintendência de Proteção e Orientação aos Investidores e foi encaminhada à Superintendência de Relações com Investidores (SIN) e à Superintendência de Relações com o Mercado e Intermediários (SMI), com cópia à Gerência de Estrutura de Mercado e Sistemas Eletrônicos, “a fim de apurar eventual infração à regulamentação vigente no mercado de capitais por suposta manipulação de mercado, incluindo denúncia da prática de Front-Running, por parte de Rafael Ferri e Pedro Geraldo Bernardo de Albuquerque Filho”.
A depender dos desdobramentos dentro da CVM, esse processo poderia desencadear uma nova acusação contra Ferri, prejudicando sua defesa no processo criminal da “bolha do alicate”.
Procurada, a CVM disse que “acompanha os desdobramentos do caso em questão e informa que, neste momento, não fará comentários adicionais.”
Procurado, o TradersClub disse que não irá comentar a questão da CVM, mas enviou uma nota.
“Mesmo assim, gostaria de ressaltar que o documento da CVM que vocês me enviaram não indica a existência de uma investigação no momento. Não há elementos de indício de manipulação, mas a CVM encaminhou para área técnica para avaliação. Nós não comentamos sobre as decisões da autarquia. O TC não é investigado”.
O que diz Márcio Paixão, advogado de Rafael Ferri:
Esclareço que esse recurso especial foi interposto contra a decisão que absolveu Rafael Ferri da acusação de insider trading. Nele, pedimos que as provas decorrentes da quebra de sigilo bursátil seja excluídas do processo. Ferri não foi condenado em segunda instância (há outro processo que trata da manipulação de mercado, no qual ainda não houve julgamento da apelação). Ao contrário do que afirma a decisão da Presidência do STJ, o recurso especial não foi interposto fora do prazo.
A Presidência do STJ considerou que Rafael deveria ter comprovado, no momento da interposição do recurso, que a segunda-feira de carnaval é feriado local. Contudo, o processo se origina da justiça federal e, por isso, não é necessário comprovação (a qual se exige somente para casos originados da justiça estadual). Não é necessário comprovação porque a segunda-feira de carnaval é um feriado na justiça federal determinado por lei (art. 62, III, da Lei Federal 5010/66). O próprio STJ tem esse entendimento, veja o seguinte julgado:
PROCESSUAL CIVIL. PRAZOS RECURSAIS. SUSPENSÃO. FERIADOS FEDERAIS.
SEGUNDA-FEIRA E TERÇA-FEIRA DE CARNAVAL. PREVISÃO EM LEI FEDERAL.
APLICAÇÃO À JUSTIÇA FEDERAL. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO NO ATO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO.
- Trata-se de Agravo Interno contra decisão da Presidência do STJ que declarou intempestivo o Recurso Especial.
- A jurisprudência do STJ está sedimentada no sentido de que os feriados de “segunda-feira e terça-feira de carnaval” são, por força das Leis Federais 5.010/1966 e 11.697/2008, aplicáveis à Justiça Federal, como no caso dos autos, o que torna desnecessária a comprovação no ato de interposição do recurso.
- Agravo Interno provido.
(AgInt no REsp 1790678/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/11/2019, DJe 19/12/2019)
Portanto, interporemos agravo regimental contra a decisão da Presidência do STJ, o recurso será distribuído para a Sexta Turma do STJ, e certamente a decisão será revertida, a fim de processar o recurso. Ressalto também que a Vice-Presidência do TRF4, que faz uma triagem nos recursos dirigidos às cortes superiores, admitiu o recurso especial, e reconheceu a tempestividade dele.
Provavelmente entrarei com habeas corpus no STJ, discutindo a mesma questão (nulidade das provas), o que farei somente porque a tramitação do recurso especial está muito morosa, e o habeas corpus será julgado mais rapidamente.
Esclareço também que esse não é o último recurso de Rafael Ferri, uma vez que interpusemos recurso extraordinário no TRF4 e esse também foi admitido, de modo que, caso haja algum revés no recurso especial, o processo será remetido ao STF para julgamento do recurso extraordinário, no qual discutimos se compete à justiça federal ou à justiça estadual julgar ações penais derivadas de crimes contra o mercado de capitais.
O que diz o TradersClub:
1) Não procede a informação de que houve rejeição ao recurso de Rafael Ferri, que vem ganhando o processo em todas as instâncias até aqui. O advogado do Sr. Ferri entrou em contato com vocês a nosso pedido para conduzir o assunto. Nós, do TC, não emitimos comentários sobre o Sr. Ferri.
2) Na questão CVM e TradersClub, não vamos comentar. Mesmo assim, gostaria de ressaltar que o documento da CVM que vocês me enviaram não indica a existência de uma investigação no momento. Não há elementos de indício de manipulação, mas a CVM encaminhou para área técnica para avaliação. Nós não comentamos sobre as decisões da autarquia.
3) O TC não é investigado.
Aproveitamos para compartilhar link da matéria do Valor Econômico publicada no dia de hoje sobre as análises da CVM com relação ao status do caso do Sr Ferri.
https://valor.globo.com/financas/noticia/2020/08/11/regulador-nao-pode-impedir-livre-manifestacao.ghtml
Denúncias em investigação na CVM:
Última decisão do STJ:
Decisão do TRF4:
Decisão da CVM:
Decisão do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional: