Opinião

Luciana Seabra: Quem tem medo do crédito privado?

21 fev 2019, 9:12 - atualizado em 21 fev 2019, 1:18

Por Luciana Seabra, da Empiricus Research

Família mineira tem dois tipos de tio: o tio que empresta e o tio que pega emprestado. Toda dívida é marcada na pedra, ajustada pelo CDI do período. E, obrigatoriamente, paga. Dinheiro pra mineiro é coisa séria: já vi comemoração de aniversário de casamento ser cancelada porque o restaurante não aceitou o cupom de desconto.

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Empréstimo familiar é sagrado. Pra vizinho e amigo, porém, é proibido. Ser fiador de imóvel sem laço de sangue, nem pensar. É uma tradição, passada de pai pra filho.

Agora, ofereça um CDB, LCI, LCA, fundo de crédito privado… chega a brilhar o olho do mineiro, que se acha conservador. Afinal, é renda fixa. Empréstimo pra amigo não pode, mas pra desconhecido rola que é uma beleza. Rende mais do que a poupança, sacode pouco, tá valendo.

E eu saio por aí tentando catequizar as pessoas: por trás dessas siglas todas aí existe um empréstimo, sabia? E se o outro lado não pagar?

Para alguns ativos até dá pra contar com o Fundo Garantidor de Créditos (FGC), que cobre até 250 mil reais por instituição financeira e CPF. Mas pode contar com alguma dose de chateação e um tempinho pra receber o dinheiro.

Eu me sinto mais à vontade delegando a decisão de selecionar ativos de crédito para um gestor. E conto em metade dos dedos de uma mão os gestores de fundos de crédito em que confio. Você acha a Bolsa arriscada? Pois te digo que é muito mais fácil escolher um gestor especialista em ações do que em crédito.

Nas últimas semanas, tenho feito uma rodada pelas casas de crédito que mais admiro, várias delas ainda em fase de namoro – como boa mineira, sou desconfiada. E o que mais tenho ouvido? Que o mercado de crédito está perigoso por demais.

Vários desses gestores, com vasta experiência no segmento, têm assistido atônitos ao pouco retorno que a pessoa física tem topado receber por títulos de dívida.

Os spreads estão muito espremidos. Ou seja, os investidores têm topado receber um retorno muito próximo ao de um título público para emprestar dinheiro a uma empresa. Ou, em bom português, as pessoas têm emprestado pro vizinho desconhecido cobrando o mesmo juro que cobrariam do tio bom pagador. Faz sentido?

E tem mais: o juro de referência – aquele pago pelo governo, tio bom pagador – está baixo demais. Imagina o que acontece se ele subir um pouco? Aí o título de dívida que você carrega, se prefixado, vai ficar ainda menos atraente. E você fica com a batata quente na mão.

No mundo dos fundos, acenda o sinal vermelho diante de fundos de crédito que…

…rendem muito perto de 100 por cento do CDI. Se é pra ter só esse ganho, invista em um título público ou em um fundo de títulos públicos barato, muito mais seguro: prefira sempre emprestar para o dono da máquina de dinheiro.

… têm liquidez no curto prazo, ou seja, em menos de 30 dias. Imagine o gestor tendo que vender correndo uma debênture com vencimento em dez anos no meio de uma crise? Vai ter que derrubar o preço, prejudicando o retorno do fundo, claro. Se o fundo tem carência de 45, 60 dias, melhor ainda. Falta de liquidez induz o comportamento apropriado, de longo prazo – diria David Swensen, o alocador do bolsão de fundos da Universidade Yale.

…têm um retorno absurdo sem volatilidade (ou seja, aquele retão bonito de retorno!). Não vejo problema nenhum de você investir em um desses, desde que saiba onde colocou o pé. Paga muito juro por dinheiro emprestado quem é visto como mau pagador. E falta de volatilidade pode ser apenas um sinal de que ninguém negocia aquele ativo e, por isso, você não tem muita noção mesmo de quanto ele vale. Até o dia em que dá errado.

…têm pouco tempo de vida. A última crise tensa de crédito aconteceu no Brasil por volta de 2015/2016. Foi o tempo dos famosos “dentes nas curvas” – quando um crédito não é pago, ele aparece na sua bonita linha como uma reta para baixo, não um movimento suave, como na Bolsa. Se seu fundo nasceu depois disso, ele ainda é mirim. Descubra onde o gestor estava no momento ruim. Ou talvez seja melhor deixá-lo debutar antes de apostar suas fichas nele.

Bom lembrar que vários gestores ganharam dinheiro nos últimos anos com o ajuste para baixo no juro de referência, a Selic. E a expertise de selecionar crédito, avaliar as garantias, risco de inadimplência? Agora é que vamos ver quem é realmente bom no ofício.

Faço esse alerta aqui hoje porque muitos desses gestores estão apenas esperando o crédito explodir na sua mão. Você (ou o gestor do fundo líquido em que você investe) vai querer se livrar da batata quente a qualquer custo e eles vão comprar a preço de banana, aí, sim, com potencial de altos ganhos.

Logo, esta é a hora de você se questionar: no que exatamente investe esse fundo de crédito privado que só te dá alegria?

Ou simplesmente: você sabe para quem está emprestando dinheiro?

Já ouviu falar em fundos de “private equity”? São instituições que buscam oportunidades em empresas de capital fechado para profissionalizar a gestão e multiplicar seu valor. Agora imagine um time com expertise nessa triagem profissional fazendo a seleção das companhias em que você vai investir na Bolsa?

Hoje vamos falar sobre a Indie Capital – o nome vem de “independente”, como o gênero musical e o cinema produzidos dessa forma. A casa é discreta, gerida por cabeças com muita experiência em capturar os melhores cases na Bolsa.

Os gestores Daniel Reichstul e Felipe Montagna carregam na bagagem o conhecimento do “chão de fábrica”, sabem exatamente como funcionam as empresas. Felipe trabalhou por nove anos no Pátria Investimentos, com foco especialmente em serviços financeiros e consumo. Daniel, por sua vez, dedicava-se às companhias de saúde e educação.

A experiência fica muito clara quando os gestores fazem comentários minuciosos sobre as companhias que compõem o portfólio do fundo de ações Indie FIC FIA. O produto investe em 15 a 25 empresas, sendo a maior parte delas companhias que tendem a se beneficiar estrategicamente do ciclo de recuperação da atividade e da confiança que começa a tomar forma. Há também estatais na carteira, para surfar a onda de privatizações, além de companhias de exposição global.

Mas os olhos da dupla brilham mesmo quando falam de seus chamados “casos autorais”, entre eles Hering, Azul, Localiza e Unidas. “Os cases em que mais ganhamos dinheiro são aqueles de empresas líderes, que têm um bom produto e em que pegamos um momento de mudança na gestão”, nos explicou Daniel.

Alguns dos principais ganhos do fundo, que teve início em 2013, foram Fleury, Magazine Luiza e Anhanguera. A gestora também tem expertise destacada no setor de educação.

O processo de seleção desses nomes inclui a aplicação de filtros de qualidade e análises em duplas, para estimular a divergência de ideias. Escolhidos os cases, a ideia é ir a fundo nas empresas, conhecer os principais executivos, conselheiros, minoritários, mapear a regulação do setor e fazer a chamada análise lateral, em que são ouvidos pares e concorrentes.

A Indie tem hoje 544 milhões de reais sob gestão na estratégia long only (fundo somente comprado em ações)produto filho único da casa. Mais da metade desse montante corresponde a investimentos de fundos de pensão. Ou seja, a gestora ainda está bem fora do radar do investidor pessoa física: somente 10 por cento do patrimônio vem de plataformas de varejo.