Thinking outside the box

Quem paga essa conta? Lula acelera, Galípolo freia e o mercado sonha com 2026

28 mar 2025, 18:03 - atualizado em 31 mar 2025, 9:10
lula galípolo selic banco central
(Imagem: REUTERS/Adriano Machado)

Depois de várias decisões de política monetária, os mercados ainda tentam juntar os cacos e reorganizar suas apostas sobre o rumo dos juros. No exterior, Jerome Powell repetiu o figurino habitual: reconheceu que a guerra tarifária de Trump pode pressionar a inflação — mas tratou o impacto como transitório, aquele velho eufemismo para dizer “vamos fingir que não é grave”.

Para completar, o Federal Reserve anunciou uma desaceleração no ritmo de aperto quantitativo: o balanço será enxugado mais devagar, em linha com a tentativa de oferecer um pouco de anestesia para os mercados.

Por aqui, Gabriel Galípolo fez exatamente o que o mercado já tinha precificado com semanas de antecedência — entregou a alta contratada da Selic, com um leve aceno de que o aperto pode continuar em maio, mas em dose menor.

Em resumo, o aperto monetário ainda não acabou, mas o fim da linha está próximo — e só essa percepção já basta para empolgar ativos ansiosos por qualquer migalha de alívio. Mas convém reforçar o óbvio: política monetária, sozinha, não faz milagre. E no Brasil, onde o fiscal é tratado como um detalhe inconveniente, a chance de milagre beira o zero absoluto.

A aprovação do Orçamento de 2025, por exemplo, foi celebrada — mas apenas por encerrar uma novela longa e previsível. O texto, no entanto, continua vendendo a ficção de um superávit improvável, e todo mundo sabe que a realidade vai forçar ajustes. A pergunta é: este governo, que tropeça até quando tenta andar em linha reta, será capaz de conduzir esse ajuste?

Só que sejamos sinceros. O Banco Central continua tentando apagar um incêndio causado, em grande medida, pela política fiscal inconsequente. E o pior, o fogo segue alastrando. O governo parece determinado a reacender as chamas, flertando com medidas populistas para tentar reconquistar a classe média.

Lula já acena com novos pacotes de crédito — uma espécie de pedalada travestida de justiça social, mas que, na prática, é o equivalente a acelerar com o freio de mão puxado. Resultado? Contraproducente do ponto de vista econômico, insustentável do ponto de vista fiscal e conveniente do ponto de vista político. Vimos nesta sexta-feira (28), por exemplo, um dado fortíssimo de formação de emprego. Péssimo sinal para um BC que já pensa em parar de subir a Selic.

O problema estrutural continua o mesmo: gastar mal e gastar demais. E não há o menor indício de que o governo queira enfrentar essa realidade. Pelo contrário.

Para piorar, Fernando Haddad, que chegou a representar um verniz técnico dentro do governo, agora já patina na retórica eleitoreira. Tentou explicar a proposta de isenção do Imposto de Renda em duas entrevistas recentes, mas o “como” foi tão desajeitado que só aumentou a desconfiança sobre o “quê”. Comunicação atrapalhada, timing errado, e uma proposta que parece improviso de campanha, não política pública.

A ideia é isentar quem ganha até R$ 5 mil, oferecer crédito tributário para a faixa entre R$ 5 mil e R$ 7 mil, e manter tudo como está para quem ganha mais que isso. Parece justo, considerando a defasagem absurda da tabela — e até a Receita apoia. Mas o problema, como sempre, é a conta. E ela não fecha.

A compensação proposta — um IR mínimo para quem recebe mais de R$ 50 mil por mês, com alíquota progressiva de até 10% — até soa razoável. Mas é cheia de armadilhas. Primeiro, porque o Congresso dificilmente aprovará a proposta como veio. Segundo, porque o risco de evasão fiscal aumenta: nosso sistema já é complicado demais, e o incentivo para fugir só cresce. Terceiro, mesmo que tudo passe, dificilmente cobrirá o rombo.

E ainda tem o impacto inflacionário da maior renda disponível para a base da pirâmide — justamente em ano eleitoral. No fim das contas, só 10% da população continuará pagando IR, o que escancara a distorção estrutural do sistema: tributamos pouco a renda e muito o consumo, tipo de tributo mais regressivo. Penalizamos os mais pobres e fingimos que isso é normal.

O resultado inevitável? Mais déficit. Mais inflação. E uma equipe econômica que, quando tenta manter o ar técnico, acaba descambando para o populismo disfarçado de política pública.

Se colocarmos o Brasil ao lado de seus pares emergentes, o retrato é desalentador: contas públicas deterioradas, déficit nominal projetado em mais de 7% do PIB em 2025, déficit em conta corrente se aproximando de 4% — um caso clássico de déficits gêmeos. Um cenário insustentável para qualquer país que ainda queira ser levado a sério.

E o mais trágico: o atual governo não tem apetite, muito menos competência, para reverter esse quadro. Se algum ajuste vier, será só em 2027 — com sorte.

Diante disso, o mercado encontra algum consolo na ideia de que o fim do aperto monetário está próximo. A Selic continua alta, mas o alívio está no horizonte, o que ajuda a impulsionar ativos de risco. Não à toa, crescem as apostas de que o Brasil pode ter desempenho superior ao de outros emergentes, como o México.

Claro que boa parte disso é mérito do fluxo global — investidores fugindo dos valuations inflados e da incerteza americana. Mas há fatores locais relevantes também: o fim do ciclo de alta e o início do chamado trade eleitoral.

É aqui que entra Tarcísio de Freitas, o governador de São Paulo, que aparece nas pesquisas mais recentes como o nome menos rejeitado e, ao mesmo tempo, ainda pouco conhecido — uma combinação que, se bem conduzida, pode dar um trajeto bastante viável para disputar a presidência em 2026. Boa notícia.

De todo modo, os ativos locais seguem surfando a maré. O Ibovespa ronda suas máximas nominais, mas ainda com valuations deprimidos. Uma combinação rara — e cada vez mais difícil de ignorar. Mas sejamos realistas: enquanto os ruídos políticos e fiscais persistirem, qualquer rali continuará com teto baixo.

O capital especulativo ajuda, o alívio de juros também, mas o que realmente falta é uma sinalização clara de que, em 2026, o pêndulo político pode finalmente oscilar para o lado certo — uma agenda séria, reformista, com respeito ao gasto público e previsibilidade institucional. Até lá, seguimos operando no modo cautela. E com razão.

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Economista e especialista em investimentos da Empiricus
Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia pela PUC. Pós-graduado no Programa Avançado em Finanças do Insper, trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimentos da América Latina, além de ter feito parte de uma boutique voltada para fusões e aquisições, na área de modelagem financeira e pesquisa. Hoje faz parte no time de analistas da Empiricus, participando de séries como Palavra do Estrategista e Double Income, além do programa Empiricus Private junto do Felipe Miranda, estrategista-chefe e um dos fundadores da casa. É analista CNPI e especialista em investimentos CEA.
matheus.spiess@moneytimes.com.br
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Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia pela PUC. Pós-graduado no Programa Avançado em Finanças do Insper, trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimentos da América Latina, além de ter feito parte de uma boutique voltada para fusões e aquisições, na área de modelagem financeira e pesquisa. Hoje faz parte no time de analistas da Empiricus, participando de séries como Palavra do Estrategista e Double Income, além do programa Empiricus Private junto do Felipe Miranda, estrategista-chefe e um dos fundadores da casa. É analista CNPI e especialista em investimentos CEA.
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