Eleições

Queda de intenção de votos em Lula entre evangélicos preocupa e mobiliza PT

26 maio 2022, 14:11 - atualizado em 26 maio 2022, 14:15
Lula
Lula liderava em março as intenções de voto entre os evangélicos com 39% contra 34% do atual presidente (Imagem: Facebook/lula)

O ex-presidente e pré-candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aumentou nas últimas semanas as referências religiosas em suas falas, em um movimento de contraponto ao presidente Jair Bolsonaro (PL) e parte de uma ofensiva para tentar recuperar o espaço perdido pelo PT entre a população evangélica.

Lula liderava em março as intenções de voto entre os evangélicos com 39% contra 34% do atual presidente, de acordo com pesquisa Ipespe, mas no mais recente levantamento do instituto, da semana passada, os números estavam em 34% para o petista contra 48% para Bolsonaro.

A avaliação dentro do PT é que Lula tem sido prejudicado pela ação de algumas igrejas, especialmente de grandes grupos neopentecostais, com os chamados “pastores midiáticos” e a divulgação “fake news” contra o ex-presidente, de acordo com uma fonte envolvida na estratégia para atrair de volta o voto evangélico para Lula.

“Essa diferença (para Bolsonaro) aumentou um pouco, e isso nos preocupou bastante”, disse a fonte à Reuters.

Diante dos números pouco animadores, o partido traçou uma estratégia para reconquistar essa população, que hoje representa cerca de um terço dos eleitores. Um dos pontos centrais é chegar até onde os fiéis estão.

“A gente percebeu que dialogar com a cúpula, de um modo geral, não adianta. Grande parte está cooptada pelo atual governo. Mas na base tem um terreno muito amplo”, afirmou a fonte.

Um dos planos do partido é a criação dos comitês populares espalhados pelo país, uma estratégia que não é restrita à ação com evangélicos, mas será adotada também por religiosos ligados ao partido para abrir canais com esse grupo, especialmente nos bairros mais pobres.

Pastores do núcleo ecumênico do PT com quem a Reuters conversou ressaltaram dois pontos essenciais (Imagem: REUTERS/Carla Carniel)

O pastor Oliver Goiano, da Igreja Batista da Lagoa, em Maricá (RJ), afirmou que os comitês vão começar de fato a trabalhar assim que a lei eleitoral permitir, tanto fisicamente quanto virtualmente.

“O caminho que temos é abordar a vida real, a pobreza, a falta de recursos, o dia a dia que muitas famílias evangélicas passam no dia a dia”, disse Goiano. “Lembrar que a vida era melhor antes.”

Pastores do núcleo ecumênico do PT com quem a Reuters conversou ressaltaram dois pontos essenciais.

Um deles é que não é possível tratar a população evangélica como um grupo só, uma vez que existem pelo menos três divisões: os pentecostais, as igrejas independentes e os chamados neopentecostais, que reúnem a maior parte dos pastores ligados a Bolsonaro.

“Os evangélicos são caracterizados pela diversidade, não é um bloco monolítico”, disse o pastor Goiano.

Lula tem maior entrada dentro dos grupos pentecostais e independentes, com igrejas menos midiáticas e menos inclinadas a levar a política para dentro das igrejas, e que tem uma preocupação com a ligação generalizada da religião com a defesa de ideias de extrema-direita.

“Tudo que hoje a gente considera discurso extremista está sendo ligado aos evangélicos, infelizmente. Isso inclusive afasta os mais jovens”, disse o pastor.

Para chegar até essa juventude, uma das ideias que devem ser trabalhadas pelo grupo petista é a criação de um podcast para ser distribuído nas redes sociais dos grupos evangélicos

Fora do PT, o ex-presidente conseguiu o apoio da chamada Frente Evangélica pelo Estado de Direito, um grupo de pastores suprapartidário, de diversas denominações religiosas, que decidiu apoiá-lo por ver em Lula uma figura mais ligada aos direitos humanos defendidos pelas igrejas.

Dentro do PT, alguns aliados do presidente atribuem a queda de Lula entre evangélicos a dois fatores: o crescimento das “fake news” (Imagem: REUTERS/Washington Alves)

O grupo já faz uma revista e um programa de rádio semanal, divulgado em 31 rádios pelo país, em que trabalha contra notícias falsas e trata de questões de direitos humanos e sócio-econômicas.

“Há avanços consideráveis de afastamento do atual governo. Primeiro por causa da pandemia, muitos fiéis perderam entes queridos. A Covid-19 foi desastrosa para os evangélicos, e muito por causa das pregações negativas”, afirmou o pastor Ariovaldo Ramos, um dos coordenadores do grupo. “Além disso, vem a questão da fome, do desemprego, que atinge muito forte as comunidades.”

Ramos reconheceu que existe uma dificuldade com a chamada pauta “moral e familiar”, e que há muitas dúvidas dentro da comunidade evangélica se o PT é ou não contra a chamada “família cristã”.

“Nosso primeiro trabalho é mostrar que direitos humanos é uma pauta cristã, que distribuição é uma pauta cristã, e que tudo isso é absolutamente coerente com um partido de esquerda”, afirmou.

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Aborto

Dentro do PT, alguns aliados do presidente atribuem a queda de Lula entre evangélicos a dois fatores: o crescimento das “fake news” e a exploração por pastores ligados a Bolsonaro da fala do ex-presidente em que defendeu o aborto como uma questão de saúde pública.

Lula falou inicialmente sobre o assunto em 23 de março, em uma entrevista para uma rádio de Minas Gerais, em que deixou claro ser pessoalmente contra o aborto.

“Eu, Lula, pai de 5 filhos, eu se perguntado, sou contra aborto e sempre fui contra. Agora eu, chefe de Estado, tenho que tratar a questão do aborto como uma questão de saúde pública. O que eu penso pessoalmente é meu. Agora como eu vou tratar como chefe de Estado? Eu tenho que tratar todas as mulheres em igualdade de condições”, afirmou à época, em uma fala que não chamou a atenção.

Algumas semanas depois, em um evento na Fundação Perseu Abramo, o ex-presidente repetiu o mesmo raciocínio, mas não destacou que era pessoalmente contrário ao aborto, o que foi usado contra ele.

Dias depois, voltou a repetir que era contrário pessoalmente, mas foi acusado de mudar de ideia.

Agora eu, chefe de Estado, tenho que tratar a questão do aborto como uma questão de saúde pública (Imagem: REUTERS/Edgard Garrido)

Aliados do presidente consideram que esse é um assunto que apenas dá munição a Bolsonaro e seus aliados e já havia uma decisão interna de evitar polêmicas como essa, mas, perguntado, Lula respondeu.

“Só mencionar aborto já cria uma celeuma muito grande. A gente evita entrar nesse assunto”, disse à Reuters o pastor metodista Jair Alves, coordenador estadual do setorial inter-religioso do PT.

A setorial fez uma cartilha com alguns pontos considerados mais polêmicos, entre eles o aborto, uso de drogas, mas, segundo o pastor, não trata de posições definidas, porque dentro do próprio PT há divergências.

O pastor Goiano disse que usa evidências nas conversas sobre o tema. “Lula foi presidente oito anos. Os governos do PT foram abortistas? Claro que não. Os evangélicos que estão no PT não estariam lá se essa fosse a postura. A gente precisa trazer a conversa para a realidade”.

O assunto, no entanto, não voltou a ser tema nas falas do ex-presidente. A ordem dentro do PT é não alimentar polêmicas que podem tirar votos e não agregar.

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