Protestos na Índia mostram que não será fácil o país deixar de ser o Brasil rural do passado
A Índia é uma potência nuclear, tem domínios em tecnologias de ponta em várias áreas e uma robusta industrialização, mas atravessa alguns sistemas econômicos, como no agronegócio, tal qual viveu o Brasil há algumas décadas (ou ainda vive em alguns bolsões). Além de milhões de trabalhadores miseráveis, as cadeias produtivas são atrasadas em todas as pontas e o governo resolveu mudar julgando que o próprio setor privado dará conta disso.
E agora enfrenta a fúria dos protestos de ruas, das centenas de sindicatos de trabalhadores e patronais e das milhares de pequenas cooperativas contrárias às leis recentemente aprovadas pelo parlamento. A mais contestada é a que tira entraves na comercialização direta entre produtores rurais e atacadistas e indústrias.
O temor que une patrões e empregados é que o governo abandone as políticas de compras estratégicas, que garantem o abastecimento atual, e de preços mínimos, que estão no cerne do sistema de proteção de cerca de 800 milhões de pessoas que dependem da agricultura para sobrevivência.
De carona, há o risco de o governo abandonar também a prática de subsídios em vários elos das várias cadeias produtivas, entre as quais a que muito interessa ao Brasil, que é o fim da ajuda aos produtores de cana e usinas na venda de açúcar. Atualmente, por exemplo, o setor espera novos subsídios para a exportação do excedente de 6 milhões de toneladas do adoçante, que equalizem perdas que as cotações internacionais deverão ter com essa oferta.
Sem o controle do estado, há a preocupação que as leis de mercado façam os preços ficarem mais deprimidos sob comando da imposição dos grandes compradores.
Para o governo do primeiro-ministro Narendra Modi, a implementação dessas medidas mudará a face produtiva do país, podendo ser potência global no fluxo de alimentos, melhorando todos os processos produtivos com investimentos privados que hoje, segundo o governo, não escoam justamente pelas amarras impostas pelo estado.
A Índia é o maior produtor de algodão e leite do mundo, o segundo em trigo, arroz, cana/açúcar, em diversas variedades de frutas e hortaliças, e entre o primeiro e segundo dependendo dos tipos de pulses (feijões, ervilhas, grão de bico, lentilhas etc).
Perdas em infraestrutura
Dos muitos gargalos, de acordo com o think tank governamental NITI Aayog, estão que o país processa menos de 10% de sua produção e desperdiça US$ 12,3 bilhões anuais com perdas no transporte e armazenamento inadequados. Além do sistema produtivo primário que não permite ganhos em produtividade em vastas regiões de terras entre as mais férteis do mundo.
“Precisamos de investimento do setor privado em tecnologia e infraestrutura para que a agricultura indiana realize todo o seu potencial e concorra melhor no mercado global”, disse Siraj Chaudhry, diretor administrativo e diretor executivo da empresa de serviços agrícolas National Collateral Management Services.
De um Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 2,8 trilhões, 16% é de responsabilidade do agronegócio, em uma população de 1,3 bilhão de pessoas.
O governo indiano garante que não deixará de atender as necessidades criadas pela dependência que o sistema gerou na população, sob a milenar cultura de castas, mas acredita que aos poucos o modelo mais capitalista vai mudar o perfil, modernizando também as relações comerciais sob contratos, por exemplo.
Mas a desconfiança e resistências são grandes. “Será o fim do caminho para o programa de segurança alimentar e as corporações vão monopolizar o comércio, a produção e os estoques. O governo vai sucumbir à pressão da OMC e se livrar das compras públicas de grãos”, disse Kannaiyan Subramaniam, secretário geral de um sindicato de agricultores no sul da Índia às agências de notícias, enquanto aguardava novas reuniões com parlamentares e representantes de Narendra Modi, nesta terça (1).