Proposta que taxa geração distribuída de energia não tem consenso
Debate da Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara nesta quinta-feira (8) sobre o Projeto de Lei 5829/19, que regulamenta a geração distribuída de energia elétrica, mostra que não há consenso sobre um caminho que permita o incentivo à geração de energias renováveis por parte dos próprios consumidores sem aumentar a conta de luz para o restante da população.
Pelo sistema de geração distribuída, consumidores que também produzem energia, chamados de “prosumidores”, instalam equipamentos de energia solar, eólica ou movida a biomassa, entre outras. Por meio de acordo com as distribuidoras, o excedente de eletricidade é injetado na rede.
Uma nova versão do projeto de lei, feita pelo relator, o deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), tem o objetivo de dar segurança jurídica a quem já gera energia em casa ou empresa. O texto prevê um período de transição de oito anos para que este consumidor comece a pagar uma taxa pelo uso do sistema elétrico.
Um acórdão do Tribunal de Contas da União (3063/20) determina o fim do tratamento desproporcional entre os consumidores que geram ou não eletricidade, mas os efeitos da decisão estão suspensos por causa de quatro recursos de associações de produtores de energia. O representante do TCU na audiência pública, André de Souza, discordou da utilização da expressão “taxar o sol” por parte dos produtores de energia solar.
Para Carlos Mattar, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), os custos da geração distribuída pesam principalmente nas tarifas da população de menor poder aquisitivo. Ele apontou que, na Califórnia, por exemplo, o mesmo sistema de compensação de energia elétrica resultou em aumentos de até 13% nas contas. A agência reguladora calcula que, se o projeto de lei for aprovado, o total de subsídios chegará a R$ 60,1 bilhões entre 2021 e 2030, e o custo tarifário poderá ser impactado em R$ 120 bilhões no mesmo período.
“A proposta da Aneel em nenhum momento fala em ‘taxar o sol’ e sim em uma explicitação dos custos e dos subsídios existentes nessa geração e quem é que paga o quê”, disse.
A Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) é favorável ao projeto de lei que está sendo examinado pela Câmara. Rodrigo Sauaia, presidente executivo da entidade, reclama que as análises da Aneel e o acórdão do TCU não levaram em conta, por exemplo, a redução de perdas elétricas, da construção de linhas de transmissão e as vantagens ambientais decorrentes da geração distribuída.
“Para que nós possamos efetivamente verificar qual é o valor justo – e o setor está disposto a pagar o valor justo –, nós precisamos computar os benefícios da geração, os próprios serviços que a geração presta para a sociedade e para os consumidores”, disse Sauaia.
Impacto no meio rural
Maciel da Silva, da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), ressaltou que 37 mil unidades rurais já aderiram à geração distribuída e que o sistema pode melhorar a qualidade do fornecimento de eletricidade no campo. “Gerar a própria energia é ter autonomia e em muitas atividades isso aí também é um fator de risco. Na produção de leite, principalmente, a interrupção no fornecimento de energia pode ser traduzida em perda de produção. Isso se repete pra produção de aves e suínos”, disse.
Custos x benefícios
Entidades e órgãos governamentais de defesa do consumidor reconhecem a importância do incentivo às energias renováveis, mas estão divididos em relação às regras sobre geração distribuída. Henrique Lian, da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), argumenta que, além dos custos para os consumidores, devem ser considerados os benefícios ambientais e a economia gerada diante do menor acionamento de usinas termelétricas durante situações como a atual crise hídrica.
Já Paulo Nei, da Secretaria Nacional do Consumidor, defende que haja transparência para que a população saiba quanto e pelo que está pagando a mais por causa dos subsídios.
Clauber Leite, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), afirma que políticas públicas devem ter recursos do Orçamento e não onerar os consumidores de energia elétrica. “Infelizmente, hoje a gente chegou num cenário em que mais de 40% da nossa tarifa é encargo. Grande parte desses encargos está na conta de Desenvolvimento Energético (CDE), o que é uma maneira de fazer política pública via tarifa do consumidor. A gente precisa fazer com que a nossa tarifa seja reduzida e chegue num nível mais adequado”, apontou.
O presidente da Comissão de Defesa do Consumidor, deputado Celso Russomano (Republicanos-SP), citou outros encargos sobre as contas de luz. “Quando se fala de consumidores pagarem a conta de outros consumidores, eu queria lembrar que nós já pagamos essa conta. E como nós pagamos? Nós pagamos todas as perdas das distribuidoras, pagamos o furto de energia elétrica, a transmissão, isso tudo tá embutido na conta”, afirmou.
Diante da complexidade do tema, a Comissão de Defesa do Consumidor decidiu fazer uma nova audiência pública em agosto, para continuar as discussões com representantes dos diversos setores antes de se posicionar formalmente sobre a proposta.