Amazônia

Promessa de Lula para Amazônia parece distante em meio a luta contra desmatamento

02 fev 2023, 8:46 - atualizado em 02 fev 2023, 8:46
Brasil
“A gente trabalhava com a… mínima (quantidade), tanto de recursos humanos quanto de estrutura”, disse Givanildo dos Santos Lima, líder da missão do Ibama (Imagem: Pixabay/jotoh)

Agentes de fiscalização ambiental do Brasil partiram em janeiro em sua primeira missão deste ano para combater o desmatamento ilegal com energia renovada após a eleição de um presidente que tem prometido acabar com a destruição crescente da floresta amazônica.

Mas, após anos de declínio no financiamento e no quadro de pessoal do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) sob o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, apenas dois dos 12 agentes na missão perto da cidade de Uruará, no Pará, tinham experiência em operações de campo.

Com seus helicópteros em manutenção, eles tiveram que viajar de caminhão, percorrendo mais de 200 quilômetros de estradas de terra ásperas para visitar cinco áreas desmatadas em 12 horas. Em um local, parecia que os madeireiros haviam saído minutos antes da chegada do Ibama, provavelmente alertados por vigias ao longo da estrada, disseram os agentes.

“A gente trabalhava com a… mínima (quantidade), tanto de recursos humanos quanto de estrutura”, disse Givanildo dos Santos Lima, líder da missão do Ibama. Com helicópteros, o mesmo trabalho levaria duas horas e os agentes teriam mantido o elemento surpresa, disse ele.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que assumiu o cargo em 1º de janeiro, tem prometido acabar com a destruição da maior floresta tropical do mundo, mas pode levar anos até que seu progresso seja visível, uma vez as agências de fiscalização, com escassez e pessoal, enfrentam uma batalha burocrática para contratar equipes e outra luta violenta contra criminosos encorajados por seu antecessor.

Lula tem atraído aclamação global por suas ambiciosas metas de conservação. O forte contraste com Bolsonaro, que criticava agentes ambientais, é um alivio para alguns cientistas preocupados que o desmatamento da Amazônia possa estar perto de um ponto de não retorno.

Contudo, o mundo não deve observar muito progresso na batalha pela defesa da Amazônia até, pelo menos, 2024, segundo entrevistas com nove autoridades atuais e antigas do governo.

Ambientalistas dizem que a floresta em rápida deterioração continuaria liberando grandes quantidades de dióxido de carbono na atmosfera, alimentando as mudanças climáticas. De acordo com dados do governo, a floresta tropical foi desmatada a um ritmo correspondente a cerca de três campos de futebol por minuto em 2022, 54% mais rápido do que no ano anterior à posse de Bolsonaro.

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Presença no campo?

A arma mais poderosa do Brasil contra o desmatamento no curto prazo é o Ibama, que aplica multas a infratores, proíbe a agricultura em áreas desmatadas e destrói equipamentos caros utilizados na extração ilegal de madeira.

O quadro de empregados e os recursos para o Ibama aumentaram durante a primeira passagem de Lula pela Presidência entre 2003 a 2010, quando o ex-metalúrgico conseguiu reduzir o desmatamento na Amazônia em 72%. Mas esses números têm diminuído drasticamente desde então.

Rodrigo Agostinho, indicado por Lula para dirigir o Ibama, disse em entrevista à Reuters que a agência possui agora cerca de 350 agentes de campo ativos para todo o Brasil. Isso é menos da metade do que a agência tinha no início do mandato de Bolsonaro e bem abaixo dos 2.000 agentes de campo empregados no auge do órgão, ele acrescentou.

“É um número muito insuficiente para conter toda a criminalidade ambiental”, disse Agostinho. “É bastante desafiadora essa perspectiva de recuperação do quadro.”

Agostinho disse que o governo convocará novas contratações para o Ibama até o início de abril, mas é provável que demore dez meses até que novos agentes estejam em campo, devido às regras relativas à contratação e ao treinamento no setor público para missões de risco.

O futuro chefe do Ibama foi cauteloso sobre quantos agentes poderão ser contratados este ano, chamando isso de um processo “gradual”.

“A gente vai conseguir reduzir os índices de desmatamento, mas a gente sabe que tudo isso leva um certo tempo”, disse ele.

Na sombra da violência

A Reuters acompanhou as primeiras missões do Ibama contra o desmatamento em janeiro, sob o comando de Lula, no Estado do Pará, e ficou claro o quão difícil é o desafio que a agência enfrenta.

Muitos dos agentes de campo veteranos do Ibama se aposentaram ou deixaram seus postos frustrados nos últimos quatro anos, dadas as restrições impostas a eles sob o governo de Bolsonaro, que obstruiu a principal ferramenta de aplicação de multas ambientais da agência e buscou limitar a destruição de equipamentos ilegais de mineração e extração de madeira.

Bolsonaro defendeu mais agricultura e mineração em terras protegidas, argumentando que isso tiraria a região amazônica da pobreza. Um advogado de Bolsonaro não respondeu ao pedido de comentário. O ex-presidente viajou para os Estados Unidos dias antes do fim de seu mandato para não passar a faixa presidencial a Lula e ainda não retornou ao Brasil.

Deixando o Ibama de lado, Bolsonaro deslocou militares para proteger a Amazônia, mas a inexperiência do Exército em conservação não conseguiu reduzir o desmatamento, ao mesmo tempo em que acumulou uma conta enorme.

Os criminosos ambientais também agiram impunemente, segundo Lima, líder da missão de janeiro. Em uma missão semelhante há três anos, Lima foi cercado por uma multidão irritada após ele apreender uma caminhonete com uma carga de madeira suspeita.

Um homem o atingiu no rosto com uma garrafa: um vídeo do incidente visto pela Reuters mostra o sangue escorrendo de sua têmpora. Em um hospital local, Lima levou três pontos.

Em uma missão em 2021 em Rondônia, um informante encaminhou a Lima mensagens de um grupo de bate-papo local, se referindo a um agente do Ibama com sua descrição invadindo serrarias.

“Agora tem uma oportunidade (de) matar ele, só falar” dizia uma mensagem do grupo, analisada pela Reuters.

Em dezembro do ano passado, a Polícia Federal disse ter realizado operações contra uma suposta quadrilha de madeireiros suspeita de ameaçar de morte um agente do Ibama, identificado por Lima como ele próprio. Não houve prisões e a PF não respondeu ao pedido de comentário sobre o caso.

“Você tem um número de pessoas muito mais armadas, uma escalada da violência”, disse Lima, ressaltando a necessidade de escoltas policiais mais fortes nas missões da agência. “A violência vai estar maior.”

Enquanto outros agentes e autoridades ambientais expressavam preocupações semelhantes, Agostinho disse que não espera um aumento da violência, mas sim uma “pacificação” dos elementos criminosos.

Por fim, Lima e vários outros agentes do Ibama disseram à Reuters que a agência precisa de muito mais pessoas e equipamentos para controlar o desmatamento, em vez de simplesmente deslocá-lo.

“Você aperta uma frente no desmatamento e eles vão para outra região” disse David Belshoff, outro agente na missão. “Já precisa ter essa logística para ter outras equipes combatendo onde eles vão começar.”

Recursos a caminho

Lula já começou a reunir mais recursos para o Ibama. Sua equipe de transição fechou um acordo com o Congresso em dezembro para dobrar o orçamento da agência de fiscalização em relação ao ano passado para 362 milhões de reais este ano.

A agência irmã do Ibama, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável por supervisionar os parques nacionais, viu seu orçamento para proteção de reservas aumentar 55% após o acordo orçamentário de Lula, mostraram dados do governo, mas os níveis de pessoal lá estão ainda piores. O ICMBio disse que tinha 1.367 cargos em aberto e pretendia começar a contratar neste ano, incluindo convocar pessoas que participaram de processos seletivos em anos anteriores.

Lula já começou a reunir mais recursos para o Ibama (Imagem: REUTERS/Ueslei Marcelino)

“Os esforços de fiscalização ambiental, que já estão em andamento, visam reduzir gradualmente o desmatamento dentro das reservas federais, tanto em 2023 quanto em 2024”, disse a assessoria de imprensa do ICMBio em um comunicado, acrescentando que Lula também pretende criar mais reservas.

O novo governo tem posicionado uma força-tarefa especial do Ibama para investigar fraudes no comércio de madeira e rescindiu um sistema da era Bolsonaro que dificultava a cobrança de multas ambientais.

O Ibama tem sido encorajado novamente a escolher os alvos de suas investigações, em vez de seguir a orientação do Exército e posteriormente do Ministério da Justiça, como era durante o governo de Bolsonaro, disse Wallace Lopes, agente do Ibama que lidera o escritório regional da agência em Tocantins.

Ainda assim, Lopes disse que será necessário um esforço “hercúleo” para efetivamente reduzir a degradação florestal neste ano, com resultados significativos mais prováveis em 2024.