Internacional

Projetos de energia limpa na Argentina enfrentam futuro incerto

28 jan 2020, 14:09 - atualizado em 28 jan 2020, 14:09
Energia eólica
O experimento pró-investimento de Macri entra em colapso em mais um período de turbulência financeira e retorno ao intervencionismo sob o comando do novo presidente Alberto Fernández (Imagem: REUTERS/Andres Stapff)

Os ventos que uivam ao longo da costa atlântica da Argentina há muito cativam o setor de energia. Mas foi apenas quando o governo de Mauricio Macri ofereceu termos atraentes que a expansão da energia limpa começou no país.

Desde 2016, bilhões foram investidos no país em crise enquanto geradoras trabalhavam para aproveitar as famosas rajadas de vento, bem como condições solares de classe mundial. A energia limpa atraiu a mesma quantia investida pela gigante estatal de petróleo YPF nos campos de gás de xisto, considerados o bilhete de loteria para que a economia argentina se fortaleça.

No entanto, a esperança de um futuro movido a energia eólica começa a desaparecer. O experimento pró-investimento de Macri entra em colapso em mais um período de turbulência financeira e retorno ao intervencionismo sob o comando do novo presidente Alberto Fernández.

O pessimismo decorre não apenas de políticas já implementadas nas primeiras semanas de Fernández, mas também de precedentes em vários outros países onde mudanças de governo impedem o desenvolvimento da energia limpa.

“O governo parece menos propenso a incentivar o desenvolvimento privado no mercado de energia”, disse em relatório Natalia Castilhos Rypl, analista para América do Sul da BloombergNEF. Com isso, as ambiciosas metas renováveis se distanciariam “ainda mais”, afirmou.

Vários fatores criam temores de que a energia limpa seja uma das maiores vítimas do colapso do mercado livre. Para começar, Fernández aumentou ainda mais os controles de capital e está prestes a renegociar dezenas de bilhões de dólares da dívida soberana, liderando um setor que depende das finanças globais para se preparar para o pior.

O novo governo também congelou as tarifas de eletricidade por seis meses, enquanto busca um novo marco de preços na esteira da campanha de Fernández de “desdolarizar” os serviços públicos, aumentando o receio de que ele se intrometa nos termos dos contratos de compra de energia.

A medida seria desastrosa para projetos renováveis, porque a estabilidade anual oferecida pelos contratos muitas vezes foi o catalisador para conseguir luz verde dos investidores.

O departamento de energia renovável do governo – que organizou leilões durante o mandato de quatro anos de Macri e arrecadou US$ 5,4 bilhões em investimentos em comparação com apenas US$ 395 milhões nos quatro anos anteriores – também pode perder status ao ser unido a um departamento de energia mais amplo.

Embora o futuro do departamento ainda seja incerto, a mera possibilidade de ser rebaixado gera forte suspeita de que as fontes renováveis – e mais leilões – não são prioridade.

Além disso, o novo presidente já se reuniu com executivos do setor de petróleo e prometeu uma lei que salvaguardaria investimentos em uma tentativa de recuperar a atividade de gás xisto em declínio. Sinais semelhantes não foram enviados para geradores de energia, que precisam suprir 20% da demanda por eletricidade com fontes renováveis até 2025, uma meta que já parecia difícil de alcançar.

Existem muitos exemplos da vulnerabilidade do setor energia limpa às mudanças de governo. A indústria solar da Espanha começa a se expandir novamente depois de o governo ter imposto cortes retroativos de subsídios que restringiram o crescimento descontrolado.

Em Taiwan, autoridades reduziram os preços da geração eólica, enquanto os EUA tentaram minar o modelo econômico da energia limpa, cobrando impostos sobre as importações de equipamentos solares.

Existem 2,3 gigawatts de parques eólicos e 1,1 gigawatt de parques solares em projetos de energia limpa da Argentina que ainda precisam garantir financiamento, segundo Castilhos Rypl, da BloombergNEF. No total, esses investimentos somam cerca de US$ 4,8 bilhões.