Projeção ou lobby?
Vitor Augusto Meira França, 34, é economista pela USP, mestre em economia pela FGV-SP e professor universitário – Texto publicado originalmente em Terraço Econômico
Há uma frase atribuída ao economista John Kenneth Galbraith a respeito de projeções econômicas segundo a qual haveria duas classes de economistas que preveem as coisas: aqueles que não sabem e aqueles que não sabem que não sabem. Uma terceira classe também poderia ser considerada: a daqueles que, sabendo ou não, trabalham em defesa de determinados interesses, ou seja, a classe dos lobistas.
Embora fazer previsões seja uma atividade extremamente ingrata, já que o desempenho da economia depende de uma infinidade de variáveis, muitas delas simplesmente imprevisíveis, elaborar cenários é fundamental para qualquer tomada de decisão, da viagem das próximas férias à aquisição da casa própria, por exemplo.
O desafio de tentar prever o futuro da economia fica evidente quando são comparadas as projeções dos economistas aos resultados efetivamente observados. No final de 2014, por exemplo, de acordo com a mediana das expectativas dos analistas consultados pelo Banco Central (BC), o mercado projetava uma alta de 0,5% do PIB brasileiro em 2015. Os dados do IBGE, contudo, mostraram recuo de 3,8%.
É início de ano e está aberta a temporada de previsões para 2017. A incerteza ainda é grande. Há os economistas humildes, que apresentam seus cenários, mas se apressam em apontar a limitação da nossa capacidade de prever o futuro. Eles podem, porém, acabar sendo tomados por inseguros, ao contrário daqueles seus colegas de profissão que apresentam suas projeções com até duas casas depois da vírgula (risos) como se fossem dotados de algum dom divino ou possuíssem verdadeiras bolas de cristal.
Qualquer bom economista reconhece que há mais de experiência, de bom senso, de instinto ou mesmo de arte do que propriamente de ciência na elaboração de projeções. Poucos admitem, contudo, que, por trás dos cenários amplamente divulgados na imprensa, pode haver outros interesses para além do simples anseio de tentar prever o futuro.
Fonte: Bacen, Mídia
Recentemente os economistas do Itaú revisaram de 1,5% para 1% a projeção para o crescimento do PIB deste ano. Apesar da revisão para baixo, a previsão é mais otimista do que o 0,5% da mediana das expectativas do mercado e o 0,3% projetado pelos economistas do Bradesco. Pode ser que os economistas do Itaú estejam vendo algo que os outros ainda não viram, é claro. Pode ser, também, que confiem sobremaneira na capacidade da atual equipe econômica, da qual Ilan Goldfajn, atual presidente do BC e ex-funcionário do Itaú, é um dos integrantes. Vai saber.
Curiosamente, no início de 2015, quando Joaquim Levy, ex-funcionário do Bradesco, assumiu o Ministério da Fazenda, os economistas do banco ainda previam alta de 0,5% do PIB daquele ano, enquanto a mediana do mercado, com tendência de queda, já apontava para estabilidade. Em 13 de março, o Bradesco revisou suas projeções, passando a apostar em uma queda de 1,5% do PIB em 2015 e em uma alta de 1,5% em 2016. Segundo dados do BC, a mediana das expectativas do mercado para o crescimento do PIB em 2016 era de 1,3% naquela data, caindo para 1% cerca de um mês depois.
Fonte: Bacen, Mídia
Ou seja, enquanto o Bradesco se mostrava mais otimista (do que o Itaú e do que a mediana do mercado) em relação ao futuro da economia brasileira quando Joaquim Levy era ministro da Fazenda – ao menos até o aprofundamento da crise e a consequente perda de credibilidade do ministro –, hoje, com Ilan Goldfajn no BC, os economistas do Itaú é que apostam em um crescimento maior do PIB.
Tudo isso, é claro, pode não passar de mera coincidência. Qualquer bom economista sabe que é difícil tirar conclusões a partir de poucas observações e que mais difícil ainda é comprovar a existência de uma relação de causa e efeito quando o que pode existir é uma simples correlação. É fato, porém, que os grandes bancos brasileiros são formadores de opinião e têm grande peso na formação das expectativas do mercado e na formulação da política econômica. Além disso, o principal objetivo do setor, de manter suas elevadas margens de lucro, não necessariamente coincide com a busca de uma distribuição mais justa do PIB.
Por que, então, ainda damos tanta atenção às projeções de Bradesco e Itaú para o crescimento da economia brasileira? Deve ser pelo mesmo motivo que ainda engolimos a pregação a respeito da necessidade de se reduzir o Estado e das virtudes do livre mercado desses mesmos economistas, que, curiosamente, são os maiores beneficiados por atuarem em um mercado cuja elevada concentração garante tarifas altíssimas e os maiores spreads do mundo – e belíssimos bônus, consequentemente.
Seja como for, toda vez que você se deparar com matérias tratando das previsões de um grande banco para o crescimento da economia brasileira, vale uma rápida espiada na internet para saber se algum ex-funcionário faz parte da equipe econômica do governo. Afinal, parece haver mais coisas por trás das projeções desses economistas do que imagina a nossa vã filosofia.
Fontes:
Bradesco
http://br.reuters.com/article/businessNews/idBRKBN0OC1HV20150527
http://www.polibiobraga.com.br/destaque.pdf
Itaú
http://www.dgabc.com.br/Noticia/1586748/itau-revisa-projecoes-de-pib-para-2-8-em-2015-e-1-2-em-2016
http://www.valor.com.br/brasil/4001518/itau-unibanco-revisa-projecao-do-pib-brasileiro-de-2015