Procuradores brasileiros passam a influenciar mercado de commodities na era da Covid-19
Enquanto a pandemia restringe a oferta, juízes no Brasil acataram pedidos de promotores para fechar grandes frigoríficos e operações de mineração nas últimas semanas. É um contraste com os EUA, onde autoridades tomam providências para manter empresas funcionando enquanto implementam medidas para conter o coronavírus.
Existem motivos técnicos e culturais por trás das tacadas jurídicas agressivas. O código de direito civil no Brasil restringe as interpretações dos juízes a assuntos que não têm orientação na lei, o que limita o espaço deles para descartar ações movidas por promotores.
Diferentemente dos procuradores distritais nos EUA, os procuradores brasileiros não são eleitos e costumam estruturar casos de maneira extrema, que posteriormente são filtrados pelo processo judicial. Em um caso famoso de 2011, os promotores exigiram quase US$ 20 bilhões da Chevron após um pequeno derramamento de petróleo. A companhia acabou pagando uma fração do valor inicial.
O Brasil é único por ter um braço específico do Ministério Público que fiscaliza questões trabalhistas, aponta Priscila Schvarcz, procuradora do Trabalho que entrou com quatro processos contra a gigante JBS (JBSS3) por supostas falhas na implementação de medidas para evitar a propagação do Covid-19 em frigoríficos no Rio Grande do Sul. Foi a supervisão mais rigorosa do que em outros países que levou à paralisação de plantas, segundo ela.
“Nos EUA, frigoríficos foram fechados por falta de trabalhadores para mantê-los em funcionamento quando o número de infecções chegou a centenas”, disse Schvarcz.
“Pode parecer estranho no exterior quando o Brasil paralisa as operações com 25 casos de coronavírus. Isso acontece porque temos uma investigação em andamento e monitoramento contínuo das condições de trabalho para evitar grandes surtos.”
Diferenças culturais
Os procuradores do Trabalho geralmente recebem queixas e relatos de trabalhadores e sindicatos locais sobre infrações ambientais e de segurança e, em seguida, podem iniciar uma investigação formal que pode incluir inspeções. Se forem constatadas irregularidades, eles podem solicitar medidas mais rigorosas a um juiz do Trabalho — incluindo o fechamento da unidade ou redução da produção. É o que vem acontecendo no Brasil nos últimos meses.
Nos EUA, a agência federal de segurança e saúde ocupacional (conhecida pela sigla OSHA) é responsável pela inspeção das condições de trabalho, em uma atuação semelhante ao do MPT, segundo Cassio Casagrande, professor de direito constitucional na Universidade Federal Fluminense. A principal diferença entre o Brasil e os EUA é cultural, disse ele.
“Nos EUA, as empresas tem muito temor do Judiciário. Evitam litígios por serem extremamente custosos”, disse Casagrande, acrescentando que elas tentam encontrar soluções para os problemas nas esferas administrativas. ”No Brasil, as empresas não sofrem tantas sanções econômicas por descumprir a lei. Existe um grau maior de judicialização porque as empresas vão empurrando com a barriga o máximo possível.”
Os contratos futuros de minério de ferro ultrapassaram a marca de US$ 100 por tonelada esta semana, após um tribunal trabalhista obrigar a Vale a suspender operações que representam um décimo da produção porque trabalhadores contraíram a Covid-19.
“O que estamos vivenciando no Brasil, ainda mais nesta pandemia, é o crescimento do ativismo judicial, tanto pelos tribunais quanto pelos procuradores”, disse Leonardo Theon de Moraes, advogado empresarial que se dedica a litígios transnacionais.
Em abril, o Supremo Tribunal Federal aumentou a incerteza ao dar aos municípios autoridade sobre medidas de isolamento social.
Cidades no estado de São Paulo barraram medidas estaduais para reabrir a atividade econômica. Autoridades municipais em regiões de mineração são mais inclinadas a pressionar para que a população volte a trabalhar.
As prioridades concorrentes de autoridades estaduais, federais e locais impedem a visibilidade de quando empresas como a Vale (VALE3) estarão livres de paralisações relacionadas ao coronavírus.