Proagro: Entre a proteção e o assistencialismo, a fatura de bilhões que o agro insiste em ignorar

Criado com a nobre missão de proteger o produtor rural contra perdas decorrentes de eventos climáticos adversos, o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro) atravessa 2024 imerso em uma crise de identidade.
Com R$ 4,57 bilhões já pagos em indenizações e mais R$ 3,1 bilhões ainda em análise, o custo total do programa pode ultrapassar os R$ 7,6 bilhões. Um número que desafia frontalmente os princípios de equilíbrio fiscal e a busca por eficiência no gasto público.
A magnitude dos valores impressiona, mas o que realmente deveria preocupar é a fragilidade estrutural do programa. Em vez de atuar como um mecanismo de mitigação de riscos integrado à modernização do setor agropecuário, o Proagro tem funcionado, na prática, como uma política de compensação financeira — muitas vezes dissociada de critérios técnicos ou da adoção de boas práticas agrícolas.
Conflito de interesses escancarado
O modelo de governança do programa é, no mínimo, controverso. As instituições financeiras, que operam o crédito rural e, ao mesmo tempo, apuram os sinistros e recebem os recursos das indenizações, concentram um poder incompatível com os princípios de isenção e transparência. Auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Banco Central já apontaram esse conflito de interesses como um risco relevante à integridade do programa.
O Banco Central, por sua vez, ainda atua como seguradora e resseguradora do Proagro, em uma distorção evidente de suas funções institucionais. A gestão de riscos climáticos na agricultura exige cada vez mais soluções técnicas, modernas e com maior participação do mercado segurador privado — e não a perpetuação de um modelo estatal centralizado e pouco eficiente.
Retrato de um desequilíbrio regional
A distribuição regional dos recursos do Proagro também expõe um outro tipo de desequilíbrio: mais de 91% da área amparada em 2024 está concentrada na região Sul, especialmente nos estados do Rio Grande do Sul e Paraná. Estados historicamente impactados por eventos climáticos, é verdade, mas também marcados por uma cultura agrícola que ainda se apoia em políticas públicas com viés assistencialista, muitas vezes à margem de critérios técnicos como o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC).
Veja os dados de 2024:
Região | Área Amparada (ha) | Qtd. Contratos | Vlr. Amparado (R$) | Vlr. Adicional (R$) |
---|---|---|---|---|
Sul | 3.855.905,7 | 238.239 | 17.877.839.403,31 | 1.622.739.353,65 |
Centro-Oeste | 106.516,4 | 3.874 | 442.692.404,03 | 31.663.675,63 |
Sudeste | 119.485,1 | 30.537 | 2.334.604.423,36 | 84.299.318,27 |
Nordeste | 304.831,3 | 15.837 | 1.759.811.521,15 | 133.654.212,74 |
Norte | 15.187,8 | 1.414 | 114.786.711,66 | 5.257.848,61 |
Total | 4.201.926.1 | 289.901 | 22.529.734.463,51 | 1.877.614.408,9 |
A baixa adoção do ZARC pelos beneficiários do Proagro é mais uma evidência do descompasso entre a política pública e as ferramentas modernas de gestão de risco. Sem sinergia entre essas políticas, o resultado é um sistema oneroso e pouco efetivo, que mais distribui recursos do que promove resiliência no campo.
É hora de repensar — e abrir espaço para o mercado
A resposta não está na extinção do Proagro, mas em sua profunda reformulação. O programa precisa evoluir de um modelo estatal, centralizado e vulnerável a distorções, para um arranjo híbrido, que una esforços do setor público e da iniciativa privada. Parcerias público-privadas para a gestão e auditoria dos sinistros, adoção de tecnologias de monitoramento remoto, cruzamento de dados com o ZARC e exigência de boas práticas agronômicas podem transformar o Proagro em uma política inteligente, sustentável e eficiente.
Enquanto isso, o Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) — que opera com maior participação do setor privado e incentiva a concorrência — segue subfinanciado e relegado a segundo plano. Um paradoxo que enfraquece toda a estratégia nacional de gestão de riscos agropecuários.
Um custo que o Brasil não pode mais ignorar
Persistir no atual modelo do Proagro é custar caro — em dinheiro público, em credibilidade institucional e, sobretudo, em oportunidades perdidas de construir um agronegócio mais moderno, sustentável e preparado para os desafios climáticos do século XXI.
A pergunta que fica é: até quando vamos aceitar que bilhões de reais sejam geridos de forma assistencialista, quando o que o Brasil precisa é de eficiência, transparência e inovação?