AgroTimes

Proagro: Entre a proteção e o assistencialismo, a fatura de bilhões que o agro insiste em ignorar

24 abr 2025, 15:48 - atualizado em 24 abr 2025, 15:48
Proagro agronegócio
(iStock.com/Simon Dux)

Criado com a nobre missão de proteger o produtor rural contra perdas decorrentes de eventos climáticos adversos, o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro) atravessa 2024 imerso em uma crise de identidade.

Com R$ 4,57 bilhões já pagos em indenizações e mais R$ 3,1 bilhões ainda em análise, o custo total do programa pode ultrapassar os R$ 7,6 bilhões. Um número que desafia frontalmente os princípios de equilíbrio fiscal e a busca por eficiência no gasto público.

A magnitude dos valores impressiona, mas o que realmente deveria preocupar é a fragilidade estrutural do programa. Em vez de atuar como um mecanismo de mitigação de riscos integrado à modernização do setor agropecuário, o Proagro tem funcionado, na prática, como uma política de compensação financeira — muitas vezes dissociada de critérios técnicos ou da adoção de boas práticas agrícolas.

Conflito de interesses escancarado

O modelo de governança do programa é, no mínimo, controverso. As instituições financeiras, que operam o crédito rural e, ao mesmo tempo, apuram os sinistros e recebem os recursos das indenizações, concentram um poder incompatível com os princípios de isenção e transparência. Auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Banco Central já apontaram esse conflito de interesses como um risco relevante à integridade do programa.

O Banco Central, por sua vez, ainda atua como seguradora e resseguradora do Proagro, em uma distorção evidente de suas funções institucionais. A gestão de riscos climáticos na agricultura exige cada vez mais soluções técnicas, modernas e com maior participação do mercado segurador privado — e não a perpetuação de um modelo estatal centralizado e pouco eficiente.

Retrato de um desequilíbrio regional

A distribuição regional dos recursos do Proagro também expõe um outro tipo de desequilíbrio: mais de 91% da área amparada em 2024 está concentrada na região Sul, especialmente nos estados do Rio Grande do Sul e Paraná. Estados historicamente impactados por eventos climáticos, é verdade, mas também marcados por uma cultura agrícola que ainda se apoia em políticas públicas com viés assistencialista, muitas vezes à margem de critérios técnicos como o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC).

Veja os dados de 2024:

Região Área Amparada (ha) Qtd. Contratos Vlr. Amparado (R$) Vlr. Adicional (R$)
Sul 3.855.905,7 238.239 17.877.839.403,31 1.622.739.353,65
Centro-Oeste 106.516,4 3.874 442.692.404,03 31.663.675,63
Sudeste 119.485,1 30.537 2.334.604.423,36 84.299.318,27
Nordeste 304.831,3 15.837 1.759.811.521,15 133.654.212,74
Norte 15.187,8 1.414 114.786.711,66 5.257.848,61
Total 4.201.926.1 289.901 22.529.734.463,51 1.877.614.408,9

A baixa adoção do ZARC pelos beneficiários do Proagro é mais uma evidência do descompasso entre a política pública e as ferramentas modernas de gestão de risco. Sem sinergia entre essas políticas, o resultado é um sistema oneroso e pouco efetivo, que mais distribui recursos do que promove resiliência no campo.

É hora de repensar — e abrir espaço para o mercado

A resposta não está na extinção do Proagro, mas em sua profunda reformulação. O programa precisa evoluir de um modelo estatal, centralizado e vulnerável a distorções, para um arranjo híbrido, que una esforços do setor público e da iniciativa privada. Parcerias público-privadas para a gestão e auditoria dos sinistros, adoção de tecnologias de monitoramento remoto, cruzamento de dados com o ZARC e exigência de boas práticas agronômicas podem transformar o Proagro em uma política inteligente, sustentável e eficiente.

Enquanto isso, o Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) — que opera com maior participação do setor privado e incentiva a concorrência — segue subfinanciado e relegado a segundo plano. Um paradoxo que enfraquece toda a estratégia nacional de gestão de riscos agropecuários.

Um custo que o Brasil não pode mais ignorar

Persistir no atual modelo do Proagro é custar caro — em dinheiro público, em credibilidade institucional e, sobretudo, em oportunidades perdidas de construir um agronegócio mais moderno, sustentável e preparado para os desafios climáticos do século XXI.
A pergunta que fica é: até quando vamos aceitar que bilhões de reais sejam geridos de forma assistencialista, quando o que o Brasil precisa é de eficiência, transparência e inovação?

Compartilhar

WhatsAppTwitterLinkedinFacebookTelegram
Ex-Diretor de Gestão de Risco da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), bacharel em Direito e Administração, e se especializando em Agronegócio pela Esalq/USP. Atualmente, atua como Consultor Técnico da Câmara Temática de Gestão de Risco Agropecuário do MAPA e é sócio e consultor da AgroStratégia Consultoria e Negócios.
jonatas.pulquerio@moneytimes.com.br
Ex-Diretor de Gestão de Risco da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), bacharel em Direito e Administração, e se especializando em Agronegócio pela Esalq/USP. Atualmente, atua como Consultor Técnico da Câmara Temática de Gestão de Risco Agropecuário do MAPA e é sócio e consultor da AgroStratégia Consultoria e Negócios.
Giro da Semana

Receba as principais notícias e recomendações de investimento diretamente no seu e-mail. Tudo 100% gratuito. Inscreva-se no botão abaixo:

*Ao clicar no botão você autoriza o Money Times a utilizar os dados fornecidos para encaminhar conteúdos informativos e publicitários.

Usamos cookies para guardar estatísticas de visitas, personalizar anúncios e melhorar sua experiência de navegação. Ao continuar, você concorda com nossas políticas de cookies.

Fechar