Opinião

Pró Brasil, Sergio Moro e os 10 indiozinhos no pequeno bote

25 abr 2020, 16:32 - atualizado em 25 abr 2020, 16:32
Jair Bolsonaro
O caos político se instaura quase que como em uma cena do filme Inception: dentro da crise pandêmica (Imagem: Flickr/Marcos Corrêa/PR)

Até parece que foi ontem que eu estava analisando atentamente uma apresentação de Power Point apresentada pelo recém chegado ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto, sobre aquilo que alguns no governo gostariam de chamar de “Plano Marshall Brasileiro”.

Na realidade, foi antes de ontem mesmo, e os longos e mal formatados sete slides do Programa Pró Brasil não prenderam mais do que cinco minutos da minha atenção. Não diziam nada.

Não sinalizam um plano futuro, não continham números ou projeções, ou muito menos fontes de receitas para novas despesas – que, quase como única questão clara, seriam necessárias.

Apenas indicavam um emaranhado de palavras no campos das ideias, que de algum modo apontavam para um futuro de recuperação pujante para o Brasil no pós Coronavírus.

Fast forward para 24 de Abril. Escuto atenta às palavras de um ministro abalado, claramente p* da vida, indicando que abandona o barco do governo de Jair Bolsonaro.

Observo atentamente enquanto o Ibovespa (principal índice da Bolsa brasileira) despenca revertendo parte da sofrida recuperação em um mundo beirando o abismo, e a nossa querida moeda, o Real, derrete lentamente ao som de cada frustração do agora ex-ministro da Justiça.

Em rede nacional, conta que aquele que o convidara para chefiar o Ministério insistia em interferir em investigações da Polícia Federal, não o permitia cumprir o compromisso com o estado de direito e, como gota d’água, o pressionava para mudar sua equipe técnica, sem qualquer razão aparente – republicana, claro.

Olhando para o horizonte ensolarado de mais um dia de quarentena (pois é, lembro que estamos no meio da maior crise pandêmica da história), junto as duas partes da história.

De um lado, um competente Ministro da Infraestrutura defende o programa capenga com promessas de futuras concessões para o setor privado, enquanto tenta colher os cacos da responsabilidade fiscal destacando que o diluído aumento de gasto fiscal nunca foi o principal foco do “Plano Marshall Tropical”.

Do outro, o caos político se instaura quase que como em uma cena do filme Inception: dentro da crise pandêmica, temos a crise econômica, dentro da qual temos a sombra de uma crise fiscal e o medo de uma crise financeira – dentro da outra, uma crise social diante de projeções nada animadoras do aumento do desemprego e da pobreza no país. Dentro de tudo (ou quem sabe em volta?) temos a cereja do bolo: Bolsonaro, e sua crise política.

Confesso que a junção das partes da história acima não é trivial. Explico, portanto.

A verdade levemente inconveniente e totalmente óbvia destacada pelo Ministro da Infraestrutura acerca da necessidade de investimentos privados para uma retomada da economia no pós-pós crise-crise – somando nosso já presente pós crise, com a mais nova crise trazida pelo Coronavírus – deverá ter como base a participação do setor privado.

Em um país onde a relação dívida/PIB deve atingir 85%, e as estradas, saneamento, logística permanecem muito aquém do ideal para uma das 10 maiores economias globais, um mundo marcado pela absoluta abundância de liquidez, taxas de juros negativas, e esforços hercúleos para afastar investidores de títulos soberanos poderia apresentar um prato cheio.

De fato, concessões e outras iniciativas de cunho público-privado, tais como as indicadas pelo Ministro, são a faca e o queijo para tal refeição tanto pelo lado dos investidores, quanto pelo lado do governo brasileiro – o caminho certo, como empiricamente observado a partir da experiência internacional e histórica.

Porém, como atrair investidores de longo prazo (tanto nacionais como internacionais)? Certamente em meio a um caos político não passa nem próximo de uma alternativa correta. Temos aí nosso fio conector das duas partes da história.

As consequências da saída de Moro para a economia

A começar pelo óbvio: a saída da figura representativa da “virada da chave” no Brasil quanto ao combate à corrupção, e o abalo na credibilidade do Brasil como aliado na luta global em nome da transparência e combate à corrupção e ao ilícito.

Pode parecer distante para quem acostumou-se a seguir investigações como o Mensalão e a Lava Jato diariamente no “Jornal Nacional”.

Porém, para além da saída do Ministro Moro, as motivações de sua demissão expõe o âmago da atual administração na forma de tentativas de interferência em investigações potencialmente decisivas sobre o clã do Presidente da República. E isso afasta investidores.

Um exemplo anedótico foi o recente posicionamento contrário do Grupo de Trabalho sobre Suborno da OCDE acerca das mudanças na legislação promovidas recentemente pela Lei de Abuso de Autoridade.

A declaração pública de Outubro de 2019 destacando os riscos de uma definição demasiadamente ampla do conceito de abuso de autoridade certamente pesará contra o Brasil durante uma potencial futura avaliação para entrada na Organização.

Considerado um “selo de aprovação” para investidores internacionais globalmente, a acessão à OCDE é declaradamente um dos maiores objetivos de Bolsonaro na pauta política internacional.

Voltando ao palco atual, a demissão de Sergio Moro também deságua em uma abrupta piora na percepção de risco do país, para além da política, incluindo também o sentido de incerteza jurídico-institucional. O raciocínio aqui pode ser de simples entendimento.

Se Bolsonaro julgou mais importante interferir em negócios da Polícia Federal, e potencialmente usar cargos técnicos do Ministério de uma das figuras mais importantes de seu governo para fins políticos (vulgo sua aproximação com o Centrão na tentativa de enfraquecer Rodrigo Maia), por que não faria o mesmo com a equipe de Paulo Guedes, no Ministério da Economia? Ou mesmo com outros cargos hoje ocupados por figuras de renome técnico, que funcionam como verdadeiras âncoras para segurar a credibilidade da atual administração.

Nesse contexto, pensaria um caro investidor, “se não é possível prever o que será decidido acerca de regras e condições políticas, que garantia terei sobre a estabilidade jurídico-institucional do país, que protege meus interesses?”.

Jair Bolsonaro
Se Bolsonaro julgou mais importante interferir em negócios da Polícia Federal, e potencialmente usar cargos técnicos do Ministério de uma das figuras mais importantes de seu governo para fins políticos (Imagem: Flickr/Alan Santos/PR)

Finalmente, e as tão esperadas e planejadas reformas estruturais? Sim, aquelas mesmas que hoje seguram o Brasil diante do abismo, na expectativa da retomada da agenda de sustentabilidade e responsabilidade fiscal e melhoria na alocação de recursos públicos no país, rumo ao crescimento econômico sustentado no pós-crise (do Coronavírus, até então).

Aquela agenda tão bem proferida e desenhada por técnicos como o Secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida.

É claro, o ex ministro da Justiça pouco (ou nada) tinha a ver com o futuro sucesso da pauta de reformas econômicas orquestradas pelo Ministério da Economia, incluindo a PEC Emergencial, a Reforma Administrativa e a simplificação tributária que tanto bem faria para nosso ambiente de negócios.

O impacto, na realidade, está no movimento político que acarretou tal saída. Tal qual, a aproximação de Bolsonaro de políticos da ala conhecida como “centrão” no Congresso, na tentativa de enfraquecer o Presidente da Câmara (e atual figura central no Congresso), Rodrigo Maia.

Diante de um governo sem base clara, e uma aproximação que pode revelar-se um tiro no pé, quais as condições de Bolsonaro aprovar a agenda prometida?

A pergunta sem resposta está claramente ilustrada na reação do mercado hoje. Ah, e o programa Pró-Brasil? Hoje, deixarei que os gráficos concluam por mim, enquanto lembro daquela música infantil: 10, 9, 8 indiozinhos no pequeno bote… quase, quase virou (?).

Gráfico 1 – Curva DI

Fonte: Bloomberg.

Gráfico 2 – Ibovespa e Real

Fonte: Bloomberg.

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