Privatizar a Petrobras é, mesmo, possível? E a gasolina ficaria mais barata? Eis as repostas de alguns dos maiores especialistas no assunto
Nos últimos meses, a privatização da Petrobras (PETR3; PETR4) voltou com força às manchetes, reacendendo a velha e ruidosa polêmica sobre o tema. Com a alta do preço do combustível, o presidente Jair Bolsonaro mostrou-se a favor de fatiar a companhia para então privatizá-la. Além disso, Bolsonaro tem criticado com frequência a distribuição de dividendos da Petrobras a seus acionistas.
Com um valor de mercado de cerca de R$ 400 bilhões, a venda de uma das maiores petrolíferas do mundo levanta uma série de questões. É possível privatizar a Petrobras? Qual seria o modelo ideal? A privatização da companhia irá, de fato, resolver o problema que o presidente critica quando toca no assunto: a alta nos preços dos combustíveis no país?
Segundo divulgado pela Bloomberg, um integrante do governo afirmou que levar a empresa ao novo mercado será bom para a estatal, que terá ações mais valiosas e uma melhor governança. Entretanto, resolver o que afeta direto no bolso dos brasileiros ainda exige um longo caminho.
A privatização da Petrobras é viável?
Para Elena Landau, economista que já presidiu o conselho de administração da Eletrobrás(ELET3; ELET5; ELET6) e comandou a diretora de privatizações do BNDES no governo FHC, e Guilherme Affonso Ferreira, sócio-fundador da Teorema Capital e conselheiro da Petrobras entre 2015 e 2018, privatizar a Petrobras é viável, sim, e pode impulsionar a companhia.
Analisando a tensão política que cerca a estatal, Landau defende que a privatização da Petrobras é a melhor forma de defender o patrimônio do povo brasileiro de governantes populistas. A economista ainda ressalta que, longe das mãos do Estado, as estatais, como a Petrobras, geram benefícios à sociedade, como o pagamento de dividendos, e demandam menos do Tesouro nacional em capitalização.
Por outro lado, Magda Chambriard — engenheira civil e diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) entre 2012 e 2016 — avalia que a privatização da Petrobras não é a melhor opção, pois o Estado abriria mão da melhor empresa do país em um momento que ela está dando “lucros absurdos”.
“Toda lógica da indústria passa por vender ativos que têm retornos menores. Por exemplo, a Petrobras vende campos maduros, porque esses campos são mais tão atrativos, quanto a empresa deseja. Mas por que inverter essa ordem e começar vendendo o que a gente tem de melhor?”, diz Chambriard.
Interferências do governo
Landau e Ferreira defendem que interferências do governo na Petrobras atrapalham o desenvolvimento da empresa. “Qualquer presença do Estado em atividade econômica que possa ser assumida pelo setor privado deve ser feita”, completa Landau.
“Por que o Estado vai aplicar seu dinheiro [na Petrobras], brigando para introduzir petróleo, em vez de aplicar em questões que são básicas do Estado, como a educação e a saúde? Qual o sentido de pegar dinheiro do imposto e ficar fazendo atividades que empresas privadas podem fazer bem?”, questiona Ferreira.
O ex-conselheiro da Petrobras afirma que as questões políticas a abalam constantemente e o grande endividamento que contraiu no começo dos anos 2000, por exemplo, foram resultado do “excesso de intervenção do acionista controlador, que não buscava maximizar o resultado da empresa, mas outros interesses, como sua popularidade no governo”.
Ferreira ainda reforça que, do ponto de vista monetário, o ideal para o investidor seria que a participação do governo na Petrobras fosse vendida.
Landau ainda destaca que o processo de privatização da companhia depende fortemente das eleições de 2022. “Se mudar o governo em 2023 e for um governo de tendência mais liberal, eles vão continuar o processo de desinvestimento imposto pelo MP [Ministério Público]. Neste cenário, a companhia já se encontra quase no caminho do que se precisa para fazer uma privatização”, explica.
Qual seria o modelo de privatização mais adequado para a Petrobras?
Para Ferreira, “vender a Petrobras em pedaços” é o modelo de privatização mais apropriado, pois, desta forma, a companhia não precisa de autorização do Congresso. “Do ponto de vista pragmático, é muito mais inteligente seguir este caminho, do que tentar enfrentar a privatização da Petrobras como um todo”, completa.
Landau também defende que tirar a Petrobras do monopólio estatal para passar para um monopólio privado não seria o modelo ideal para a companhia.
“A Petrobras já está em um processo de desverticalização e venda de ativos, que foi imposto pelo Cade e pelo Ministério Público. Se não tivesse sido imposto por esses órgãos, a Petrobras jamais abriria mão do seu monopólio — que é mais um problema de ser estatal”, afirma Landau.
Nos últimos anos, a Petrobras tem trabalhado na comercialização de grande parte de sua produção, as refinarias. Em junho de 2019, a companhia já anunciava seu plano de vender oito de suas 13 refinarias, responsáveis por cerca de 50% da capacidade brasileira de produção de combustíveis.
Segundo o antigo presidente da companhia, Roberto Castello Branco, o objetivo do plano é “ampliar o mercado de refino brasileiro, em busca de mais investimentos e competição”, além de “encerrar processo de abuso de poder econômico no mercado de combustíveis”.
Até agora, a companhia concluiu a venda de duas de suas refinarias, a Landulpho Alves, na Bahia, que foi comprada pelo fundo árabe Mubadala, e a Isaac Sabá, no Amazonas, adquirida pela distribuidora de combustíveis Atem’s.
Outras duas negociações seguem em andamento e as três restantes foram suspensas, afirmou a companhia.
A Petrobras ainda divulgou que planeja vender campos de petróleo menos rentáveis em 2022 e manter políticas de mercado, mesmo com o provável debate sobre a independência da estatal em um ano de eleições.
Observando as movimentações da companhia, o ex-conselheiro da Petrobras afirma que a companhia já caminha para um processo de privatização, sem criar alarde no mercado.
Quais empresas comprariam as partes da Petrobras?
Segundo Eduardo Cavalheiro, gestor de fundos da Rio Verde Investimentos, em relação às refinarias, a tendência é que as próprias distribuidoras de combustíveis entrem nesse ramo. “Nos Estados Unidos, por exemplo, quem tem rede de postos tem refinarias também. Então, seria um caminho natural”, completa
O gestor ainda ressalta que, nas últimas divulgações de venda da Petrobras, as empresas que se mostraram interessadas e que podem adquirir essas partes foram a Ultrapar (UGPA3) — dona da Ipiranga —, a Cosan (CSAN3) e sua controlada Raízen (RAIZ4), que opera a bandeira Shell no Brasil.
Chambriard, ex-ANP, alerta que na disputa pela compra da Petrobras, independentemente do modelo, a companhia poderia sair de mãos brasileiras. “Eu não tenho dúvida que as empresas brasileiras perderiam essa disputa. Para quem a Petrobras seria vendida no país? Com certeza, esse comprador não seria brasileiro”, completa.
Quais os impactos de uma Petrobras privatizada?
Investimentos
Landau afirma que, com a privatização, a Petrobras receberá maiores investimentos e terá mais capital para investir em inovações do mercado.
“Na mão do setor privado, talvez, a Petrobras tenha mais dinheiro para fazer investimentos na transição energética, assim como várias outras empresas de óleo e gás estão fazendo, compondo o seu portfólio com renováveis e com outras atividades de redução de carbono”, completa.
Competição
Além da questão de investimentos, Landau, Ferreira e Cavalheiro destacam que a privatização traria uma maior competição em termos de preço, pois tiraria o monopólio da Petrobras nos setores que atua, afetando o preço final que chega ao consumidor.
O ex-conselheiro da Petrobras ainda reforça que tal competição traria maior eficiência para os setores. “As companhias que já estão envolvidas na distribuição de petróleo e gás e na transmissão de energia no Brasil querem e precisam se posicionar. Um regime de livre de competição, que resulta em acabar com monopólio da Petrobras, afeta todo mundo e essas empresas estão se posicionando bem”.
Landau também afirma que todo setor se beneficia desse movimento. “[Com a privatização,] você não fica na mão de um monopolista. No mercado, o monopolista é quem decide se vai fornecer gás para termelétrica ou não e as prioridades do setor”, diz.