Bitcoin (BTC)

Privacidade em criptomoedas: precisamos de moedas especializadas?

28 mar 2018, 17:44 - atualizado em 28 mar 2018, 17:45

Por Jamil Civitarese/Investing.com

Uma questão que acredito que muitos investidores em criptomoedas devem ter é se vale a pena ter uma alocação exclusiva no portfólio para as chamadas “privacy coins”. Essas moedas prometem maior anonimato e segurança aos seus usuários, com transações menos rastreáveis que as blockchains tradicionais. Essas moedas também são adequadas como reservas de valor, posto que são seguras e guardam valores que podem ser transacionados sem maiores comprometimentos.

Uma pergunta que leigos tendem a ter ao falar de privacy coins é sobre o Bitcoin ser anônimo. Na verdade, a blockchain serve como um grande livro contábil de movimentações entre carteiras para saber exatamente onde está cada token/moeda. Isto é, se você sabe de quem é uma carteira, você pode saber razoavelmente como ela gastou o dinheiro e seu volume de transações. O dinheiro corrente ou outros ativos físicos, como o ouro, não possuem esse problema: se eu gasto uma nota de 10 reais não há como alguém conferi que gastei. Essa desvantagem das criptomoedas vis-à-vis meios de pagamento é uma desvantagem para os interessados em não ter ninguém talvez bisbilhotando suas contas.

Por essa lógica, é esperado que sempre haja uma demanda por essas moedas. Gente que ter suas atividades não monitoradas – criminosos, hackers, traficantes – podem adotá-las assim que o Bitcoin passar a ser mais investigado. As mais conhecidas Privacy Coins são o Monero e a ZCash. A Monero opera com um sistema que “mistura pagamentos”, isto é, criando grupos que enviam recursos “conjuntamente”, com sua blockchain registrando apenas quem recebeu de um determinado pool. Recentemente, o volume das transações parou de ser visualizado publicamente também. A ZCash usa as chamadas zero-knowledge proofs. Sua ideia é simples e é explicada didaticamente aqui.

As duas moedas possuem vantagens e desvantagens, porém seus métodos trazem algumas vantagens. Seus core developers são extremamente capazes e respeitados criptógrafos. Como analista, há questões interessantes sobre a percepção da comunidade sobre as moedas – Monero é mais respeitada por entusiastas –, mas esse ponto é pouco relevante para o ponto que discuto nesse texto. Pretendo explorar o impacto da entrada de concorrentes nesse ramo. Com isso, veremos que há tentativas de moedas consolidadas ou novas equipes desenvolverem moedas de privacidade que afetam as privacy coins no atual mercado.

Um exemplo desse fenômeno é exemplificado pela promessa de maior preocupação com privacidade pelo Bitcoin Cash. Craig Wright, cientista da computação que afirma ser Satoshi Nakamoto, o criador do Bitcoin, disse no começo desse mês, março, que o fork do Bitcoin terá características de privacidade em maio.

Apesar de não ser uma solução completa, ter a quarta maior blockchain entrando no mercado de privacidade não é uma ameaça pequena para as privacy coins já consolidadas.

Uma análise mais inocente do tema leva a crer que o principal ativo de uma privacy coin é sua capacidade de reservar valor sem revelar os gastos e receitas de uma conta. Há desafios para garantir isso, mesmo nas moedas mais avançadas atualmente (e.g. há estudos sobre deduzir transações na blockchain do Monero que mostram falhas em sua criptografia). Nesse caso, a seriedade e capacidade dos core developers de cada moeda para responder a esses problemas são fundamentais. Não há solução fechada para a privacidade em criptomoedas e, consequentemente, falhas acontecerão. A capacidade do core e da comunidade responderem a isso determina o sucesso a longo prazo da moeda. Nesse caso, as moedas especializadas parecem estar na frente, com muito trabalho a ser feito pelas demais.

Vale notar, no entanto, que a capitalização de mercado das privacy coins não é alta – Monero, a maior, amarga a 10ª posição na capitalização de mercado – e isso pode refletir dois fatores: os usuários não se preocupam com privacidade e isso reduz a demanda e/ou há pouca crença na capacidade dessas criptomoedas proverem segurança e privacidade de maneira escalável. Se for o primeiro caso, o cenário para as moedas de maior capitalização – como o Bitcoin Cash – que adotarem tecnologias que protegem a privacidade é positivo, porque o pequeno diferencial as distingue das demais; por exemplo, se o Bitcoin Cash adotar e o Bitcoin e Litecoin não, pode ser um pequeno fator na competição entre elas, apesar de não determinante. Se for o segundo caso, a única vantagem possível será a capacidade de convencer o público de seu potencial, sendo as moedas especializadas as prováveis vencedoras da competição.

Particularmente, acredito mais na hipótese da não preocupação com privacidade. Nesse caso, recomendo pequenas alocações num portfólio de buy and hold nas privacy coins, e atenção maior nas inovações nessa direção compatíveis com as blockchains 1.0 – Bitcoin, Bitcoin Cash e Litecoin – e Ethereum. Essa pequena alocação em privacy coins apesar da minha descrença é explicada pela imaturidade do mercado atualmente: com alta incerteza, não sabemos quando os investidores poderão compreender a falta de anonimidade das outras moedas como problema. Há certa desinformação sobre essa questão – muitos creem o Bitcoin anônimo ainda – e nesse ambiente de alta entropia não é sensato descartar por inteiro uma linha de ativos.Além do mais, enfatizo mais uma vez que é importante se manter informado como um todo: no caso de uma grande blockchain adotar alguns mecanismos que valorizem a privacidade, isso pode ser um diferencial.

Por fim, acredito que todos devamos nos preocupar com privacidade em ativos digitais. Claro que como investidores, desejamos antes de tudo maximizar nosso retorno, porém quando lidamos com inovações, é importante lembrar que elas possuem consequências sociais se bem-sucedidas. A privacidade é um valor fundamental para nossa civilização. Dar a entidades com alto poder computacional a capacidade de saber como gastamos nossos recursos não é necessariamente desejável. Apesar de não poder recomendar o investimento nesses ativos, recomendo o uso deles para pagamentos quando possível (e as fees permitirem), afinal, a motivação para eles existirem é válida. As criptomoedas, mais que investimentos, são uma possibilidade de redesenhar a sociedade de acordo com ideais mais eficientes, e acredito firmemente que privacy coins e seu uso são parte disso.

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