Opinião

Pré-Sal: estão mentindo para você

21 jul 2018, 13:14 - atualizado em 21 jul 2018, 13:14

Por Victor Oliveira, Mestrando em Instituições, Organizações e Trabalho (DEP-UFSCar), para o Terraço Econômico

Após a destituição de Dilma Rousseff da presidência, em 2016, o discurso de que o atual governo, de Michel Temer, tem entregado o petróleo do Pré-Sal a preço de banana vem se esparramando pelas redes sociais. Essa ideia vem ganhando força, principalmente em manifestações de lideranças políticas e de movimentos sociais.

Entretanto, quando confrontado com os dados disponíveis, tal discurso acaba perdendo sentido e significação. Tendo essa ideia em mente, e com o objetivo de apresentar os dados de maneira mais clara, será utilizado para efeito de ilustração, um item comum nas compras de mercado dos brasileiros: maçãs.

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O leilão das macieiras de José

José tinha uma ampla área com várias macieiras na sua casa. As maçãs já estão bastante maduras, no momento ideal para serem colhidas. Apesar de não saber manejar a colheita de maçãs, José tem um filho, chamado Petros, que é um especialista no assunto. Mas para Petros é inviável colher as maçãs sozinho, pois os custos seriam muito elevados para ele gastaria demais com isso. Diz que até faz, desde que José pagasse boa parte de seus custos.

Assim foi decidido que a área de colheita seria dividida em partes. Em cada parte, um bloco de pessoas atuaria colhendo maçãs. Mas a regra principal era que Petros participasse de todos os blocos, com percentual mínimo de 30% de maçãs para si. Os demais integrantes do bloco seriam definidos a partir de dois critérios: um pagamento inicial, em dinheiro, para o dono das macieiras, além de um percentual do lucro com a colheita de maçãs, pago em maçãs.

Fixadas as regras, foi realizado um primeiro leilão de área para a colheita das maçãs. José havia definido que os competidores deveriam oferecer, no mínimo, 150 reais como pagamento inicial e um percentual de 40% das maçãs lucradas com a colheita. Estava ansioso. Esperava a participação de vários competidores. Porém, para a sua surpresa, apenas um grupo se formou e arrematou a área pelos percentuais mínimos instituídos. Os que não participaram reclamaram que as regras do leilão eram desvantajosas, como a obrigação da participação de Petros em todos os blocos e o alto percentual mínimo de maças exigido para a disputa.

Além disso, ocorreu outro problema: o filho de José estava passando por dificuldades financeiras, e não teria condições de participar em todas as áreas, preferindo priorizar áreas que oferecessem maior quantidade de maçãs. José, irredutível, decidiu paralisar os leilões, até que Petros pudesse voltar a operar em todas as áreas. Mas, incomodada com a ociosidade da plantação, a família de José começou a pressioná-lo para que alterasse as regras e permitisse a colheita de maçãs, mesmo que Petros não pudesse participar. José cedeu, com uma condição: o seu filho escolheria, obrigatoriamente, se participaria ou não da colheita em determinada área.


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O enfraquecimento do monopólio da colheita de maçãs por Petros, acabou permitindo que as macieiras voltassem a ser exploradas. E diferente da situação inicial, a exploração tomou outro rumo, sendo realizada de maneira mais racional, o que acarretou em um aumento da sua produtividade.

De José para a Petrobrás, qualquer semelhança não é mera coincidência

Assim é o governo federal e a Petrobras. A estatal realizou as pesquisas e descobriu uma ampla reserva de petróleo em águas profundas, porém é inviável para ela explorar toda aquela imensidão sozinha, salvo se o governo fizer aportes bastante generosos em seus cofres.

Essa foi a decisão do governo Lula, em 2009: criar o regime de partilha para a exploração do Pré-Sal. Nele, a Petrobras seria operadora única, em todos os campos, com participação mínima de 30% na exploração e produção de petróleo. As outras empresas vencedoras seriam aquelas que oferecessem um bônus de assinatura alto para o governo e, após descontados os custos, oferecessem maior percentual em barris de petróleo para a União. Além, é claro, dos pagamentos de royalties a estados e municípios e todos os impostos envolvidos nessas atividades.

Da mesma forma, em 2013, ocorreu o primeiro leilão de Pré-Sal no Brasil: o do campo de Libra. O governo federal exigiu R$ 15 bilhões no ato de assinatura do contrato e, no mínimo; 41,65% dos barris de petróleo lucrados. O governo esperava uma intensa competição pela área, porém apenas um bloco de empresas se formou em torno da Petrobras e arrematou a área pelos mínimos estabelecidos. Houve reclamação quanto às regras. Mesmo assim, o governo cantava vitória e não admitia debater mudanças nas regras.

Após o leilão do campo de Libra, a Petrobras entrou em uma espiral de endividamento, resultante dos escândalos descobertos pela Operação Lava Jato, pelo não-reajuste dos preços de combustíveis e, também, pelos altos investimentos em refino e exploração de petróleo. O governo suspendeu leilões, porém via crescer no Congresso uma articulação para alterar as regras do regime de partilha. Discursos inflamados, passeatas e manifestações depois, governo (ainda sob a batuta de Dilma) e Congresso acordaram que a Petrobras deixaria de ser a operadora única nos campos do Pré-Sal, mas seria consultada antes sobre o interesse em participar ou não.


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Assim, como ocorreu com as macieiras de José, os leilões nos campos do Pré-Sal voltaram a ser realizados. Após o leilão de Libra, em 2013, mais dois ocorreram. Em ambos, houve mais de um consórcio interessado. Ao total, 12 áreas foram a leilão. Três delas não tiveram interessados. Nas nove leiloadas, a Petrobras é operadora em seis delas.

E as regras seguem as mesmas: vence a disputa o consórcio de empresas que oferecer maior quantidade de barris de petróleo excedentes à União. Se no leilão de Libra, a oferta vencedora foi de 41,65% de barris, nos últimos dois leilões esse número subiu para cerca de 70%, em média nas nove áreas. Ou seja, o governo federal ampliou os ganhos nos leilões. Aqueles que apontam “perdas” para o país, utilizam apenas o ganho de bônus de assinatura do contrato como valor total pago pelos consórcios pela exploração do Pré-Sal, ignorando os ganhos com o excedente em óleo, royalties e impostos, com a movimentação que esse setor gera na economia.

É uma desonestidade, portanto, dizer que passamos a entregar nosso petróleo aos gringos a preço de banana. Longe disso. E aqui, cabe lembrar que a mudança na regra de partilha foi aprovada no Senado, ainda no governo Dilma, no dia 24 de fevereiro de 2016, em acordo costurado pelo senador Romero Jucá e o então ministro da Casa Civil, Jaques Wagner. O senador Lindbergh Farias, na época, disse que se sentia traído por Dilma Rousseff. Logo depois do impeachment, a Câmara aprovou o projeto, no dia 09 de novembro de 2016. E então, o Presidente Temer o sancionou a nova lei. Um raro de caso de lei proposta por um tucano (José Serra), aprovada durante um governo petista e mantida após a troca de governo.

Com a mudança, permitiu-se o avanço na exploração do Pré-Sal em um momento crucial, em que o futuro da demanda por petróleo encontra-se em dúvida, com especialistas apontando que ela atingirá o ápice na próxima década, para começar a cair. Grandes empresas petrolíferas, como a Shell, já se colocam em uma situação de transição energética: saindo dos combustíveis fósseis para investir em fontes renováveis e limpas, como eletricidade. Caso esperássemos mais tempo para explorar o Pré-Sal, os projetos poderiam se tornar inviáveis, com prejuízos a quem se dispusesse a operar nas áreas.

Voltando à analogia do início do texto, seria como se as maçãs de José apodrecessem.