Pré-mercado: O caminho para o Brasil não é trivial
Bom dia, pessoal!
A digestão da movimentação do Federal Reserve fez um estrago ontem (18) nos ativos menos cíclicos e com fluxos de caixa mais associados ao futuro, como o caso das empresas de tecnologia (crescimento).
A rotação setorial ameaça flertar com o mercado ao longo de 2021 inteiro, pelo fato de que o mercado não consegue comprar tão facilmente o discurso do Fed de que a inflação atual é temporária.
Se o BC americano ficar “behind the curve”, assim como fez a autoridade brasileira, poderá ser bastante ruim para os mercados.
Por ora, não necessariamente parece ser o caso, mas o mercado fica atento. As Bolsas abrem em queda na Europa. A ver…
Pandemia, crise econômica e falta de perspectiva fiscal
A situação brasileira não é fácil. Forçado a aumentar juros em um movimento mais “hawkish” (pró-aperto monetário), o BC se vê diante de uma escolha de Sofia.
Ou luta pela estabilidade dos preços ou deixa espaço para a retomada econômica brasileira, a qual guarda ainda dois dígitos percentuais de desemprego. Solucionar essa equação não é simples, principalmente no pior momento da pandemia e diante do agravamento fiscal da nação.
O auxílio emergencial, por exemplo, de R$ 150 para a maior parte dos 45,6 milhões de beneficiários, talvez não seja o suficiente.
O mercado começa a temer que mais dinheiro seja necessário para dar conta das novas medidas restritivas em todo o país.
São Paulo está endurecendo as normas no Estado, ainda que não haja mais espaço para um lockdown total — a capital paulista estuda antecipar feriados para evitar que pessoas saiam de casa.
A situação é crítica diante da primeira morte por falta de leito de UTI na cidade de São Paulo. O falecimento de Major Olímpio, senador pelo Estado, por Covid-19, agrava o clima em Brasília, que começa a cobrar responsabilização.
Há quem pressione por uma CPI para discutir os problemas na Saúde ao longo da crise, que se agrava a cada instante. Sem emprego, com restrições, sem dinheiro e com pouca perspectiva de crescimento econômico, a situação no Brasil não é trivial.
Quando virão os impostos americanos?
Enquanto os EUA voltam para a mesa de negociação com a China — ainda que o estilo no trato internacional tenha se alterado (a abordagem de agora é mais multilateralista), os EUA ainda são vocais para cercear o país asiático —, o presidente Joe Biden está planejando o primeiro grande aumento de impostos federais desde 1993.
O objetivo do presidente é ajudar a pagar pelo programa econômico de longo prazo projetado como uma continuação do pacote de alívio da crise causada pela pandemia de Covid-19.
Como já conversamos aqui, a próxima iniciativa, que poderia custar entre US$ 2 trilhões e US$ 4 trilhões, seria paga por meio de aumentos nas alíquotas de imposto corporativo e individual para pessoas de alta renda.
Assim, o governo conseguiria financiar iniciativas importantes como infraestrutura e mudança climática, bem como expandir a ajuda para os americanos mais pobres.
Entre as propostas, podemos elencar:
i) aumentar a taxa de Imposto de Renda para indivíduos que ganham mais de US$ 400 mil por ano;
ii) expandir o alcance do imposto de propriedade;
iii) implementar uma taxa de imposto sobre ganhos de capital mais alta para indivíduos que ganham pelo menos US$ 1 milhão por ano; e
iv) aumentar a alíquota de imposto corporativo de 21% para 28%. Outras normas estão sendo estudadas.
A conta Covid-19 vai chegar para todo mundo. Janet Yellen, secretária do Tesouro, está trabalhando com países em todo o mundo para forjar um acordo sobre um “imposto mínimo global” para as multinacionais.
O expansionismo fiscal e monetário verificado até aqui tem um preço e discuti-lo será uma necessidade nos próximos anos, de modo a equacionar novamente os orçamentos nacionais. Os EUA, como sempre, são referência nesse sentido e deverão ser vistos como tendência para os demais países.
Novas restrições na Europa e a política monetária inglesa e japonesa
A França está ameaçando um novo lockdown. Paris e arredores devem voltar às restrições, assim como a Itália o fez no início desta semana.
Claro, o efeito econômico nunca mais será como o da primeira vez, dado que as pessoas já sabem se adaptar e os métodos são mais eficientes.
De todo modo, as restrições pesarão um pouco sobre o crescimento e potencialmente atrasarão a próxima fase da recuperação econômica (vale lembrar que a Europa está atrasada com a vacinação).
Ontem (18), o mercado de petróleo sentiu a possibilidade de queda da demanda em decorrência de novos lockdowns, com o Brent voltando para baixo dos US$ 65.
O Banco do Japão (BoJ) e o Banco da Inglaterra (BoE) juntaram-se à lista de bancos centrais que deixaram a política monetária inalterada.
Diferentemente do Federal Reserve dos EUA, entretanto, que assegurou que a inflação não seria muito alta, o BoE falou sobre riscos de inflação equilibrada, enquanto o BoJ se mostrou preocupado com a inflação ainda muito baixa no país — anteriormente, o temor global era que o mundo entrasse em uma espécie de “japanificação”, com pouco crescimento e sem inflação.
Anote aí!
O dia de hoje é menos agitado em termos de agenda. O mercado nacional deverá reagir à temporada de resultados e ao panorama político em Brasília.
A prévia da confiança da indústria para o mês de março marca a agenda como sendo uma das únicas coisas com maior sensibilidade.
No exterior, a Rússia movimenta os mercados com sua decisão de política monetária, bem como os EUA apresentam dados dos poços de petróleo em operação, importante para os patamares de preços da commodity, que sofreu um abalo ontem. Na Europa, preços ao produtor alemão têm peso para afetar os mercados.
Muda o que na minha vida?
O que difere a visão do Fed da do mercado, que teme que o otimismo sobre a inflação não seja tão verdadeiro assim?
Em seu último comunicado, o banco central americano elevou sua previsão de crescimento do PIB em 2021 para 6,5%, a maior desde 1984, esperando uma queda do desemprego para 4,5% até o final do ano — em linha com o que o mercado espera.
A diferença, porém, está no fato de que o Fed tem sido bastante vocal sobre o fato de a inflação decorrente desse crescimento ser temporária — neste ano, os preços devem subir 2,4% no indicador de inflação, acima da meta da instituição.
O mercado teme que não seja tão simples assim. Ser mais permissivo com a inflação hoje, deixando que ela passe da meta, pode ser perigoso, mesmo que tenhamos vindo de um histórico de inflação abaixo da meta, principalmente pós-2008. A maior notícia?
O compromisso de não aumentar as taxas de juros até 2024 e a continuação de um programa de compra de ativos no qual o banco central compra pelo menos US$ 120 bilhões em títulos por mês.
Ancorar as expectativas de juros com esse “forward guidance” poderá fazer com que o Fed fique, assim como o BC brasileiro, correndo atrás de seu próprio rabo.
Em outras palavras, financistas estão se perguntando: se está tão confiante, por que não aumentar as taxas mais cedo?
A resposta reside no novo framework do Fed de deixar a inflação acima de sua meta de 2%, bem como manter as taxas estáveis até atingir o nível máximo de emprego. É para isso que Jerome Powell está olhando.
O banco central deve querer ver esse “aumento na atividade” como algo duradouro, antes de começar a apertar a política monetária. Uma subida mais rápida da taxa de juros do Fed poderia provocar um grande mal-estar nos mercados globais, forçando outras autoridades a também subirem seus juros.
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Jojo Wachsmann