Comprar ou vender?

Pré-Market: O inimigo é outro

03 abr 2018, 8:40 - atualizado em 03 abr 2018, 8:40

Olivia Bulla é jornalista e escreve diariamente sobre os mercados financeiros no blog A Bula do Mercado.

Enquanto os mercados domésticos estão mais preocupados com o futuro da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os negócios no exterior estão assustados com a postura do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. E as 24 últimas horas trouxeram informações que reforçam tal percepção, sensibilizando os ativos de risco pelo mundo, diante dos possíveis sinais de descolamento na expansão global sincronizada.

Como se já não bastasse as investidas protecionistas do norte-americano, que têm elevado a disputa comercial entre as duas maiores economias do mundo, o republicano resolveu entrar em confronto com o setor de tecnologia nos EUA, que vê sua trilha de lucros e sucesso ameaçada por nova regulamentação e taxação mais eficiente a ser criada pela Casa Branca. Depois do foco no Facebook, o alvo foi deslocado para o modelo de negócios da Amazon.

Ontem, as bolsas de Nova York registraram quedas acentuadas, sendo que a Bolsa eletrônica Nasdaq passou a acumular perdas em 2018 e o S&P 500 fechou abaixo da famigerada média móvel de 200 dias (MM200) pela primeira vez desde junho de 2016, dando um sinal ameaçador de que Wall Street parece estar adentrando em um território de correção no curto prazo. Apesar das questões pontuais envolvendo o desempenho das “Techs”, merece atenção a queda espalhada entre os diversos setores e ações listadas nos índices norte-americanos.

Como reflexo, o sinal negativo prevalece nos negócios na Ásia e na Europa, mas mostram alguma resiliência, com as perdas sendo bem menores do que o observado na véspera em Nova York. Hong Kong, inclusive, conseguiu zerar a queda e fechar ligeiramente em alta, em meio à volta da volatilidade aos mercados. A tentativa de recuperação apontada pelos índices futuros das bolsas norte-americanas ajuda no movimento.

Nos demais mercados, o dólar é pressionado pelos demais rivais, perdendo terreno para as moedas europeias, como o euro e a libra, assim como para o iene, além de registrar desvalorização ante as divisas emergentes e correlacionadas às commodities, como os xarás australiano e neozelandês. Já o rendimento dos títulos do Tesouro norte-americano tem a maior alta em uma semana, a 2,75%. O petróleo avança e o cobre também.

O modo risk off nos mercados surge à medida que os investidores se preparam para a temporada de balanços no exterior, nas próximas semanas. Ao mesmo tempo, eles monitoram os sinais de uma guerra comercial mais ampla, após a retaliação da China aos EUA, e também as condições impostas por Trump ao México para assinar um novo acordo para o Nafta, exigindo o controle das fronteiras seja no tráfico de drogas, seja no tráfego de pessoas.

Diante do cenário externo exposto, vai ser difícil os negócios locais apenas cumprirem tabela nesta terça-feira, em meio à expectativa pelo julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) do habeas corpus preventivo pedido pela defesa de Lula, marcado para amanhã. Tal evento deveria ser colocado em segundo plano, assim como a definição dos candidatos que irão disputar as eleições presidenciais, com os ativos locais seguindo o mau humor global.

Mas a pressão vinda da imprensa tradicional e da classe jurídica é grande. Ontem, membros do Ministério Público e do Poder Judiciário entregaram no STF um abaixo-assinado com cerca de cinco mil assinaturas de juízes e promotores defendendo a manutenção da prisão após decisão de segunda instância, o que impediria o ex-presidente de concorrer ao pleito de outubro por causa da Lei da Ficha Limpa.

Já o pedido da defesa de Lula é de que ele permanece solto até que sejam esgotadas todas as possibilidades de recurso. A cautela vem justamente da possibilidade de Lula seguir livre, o que não está nem um pouco embutido nos preços dos ativos domésticos. O líder petista lidera as pesquisas de intenção de voto, mas é considerado pelo mercado financeiro um candidato populista, sem compromisso com as contas públicas e as reformas estruturais.

Contudo, é importante lembrar que qualquer medida econômica relevante depende do Congresso Nacional e de um eventual apoio dos partidos e suas bancadas aos candidatos a presidente. Ainda há, portanto, muito incerteza no quadro político e não se sabe as condições em que cada um dos demais concorrentes irão chegar na reta final da disputa.

Assim, a postura defensiva volta a prevalecer nos mercados financeiros, com os investidores mais focados em tática do que em estratégia, à espera de um movimento mais firme dos (adversários) envolvidos no jogo, tanto aqui quanto lá fora. Com isso, qualquer análise de fundamento, que leva em conta os indicadores econômicos, perde importância.

Ainda assim, chamam atenção os dados sobre a atividade industrial no Brasil (9h) e na zona do euro previstos para hoje. A previsão é de que a produção nacional tenha se recuperado levemente em fevereiro, com alta de 0,5%, após o tombo (-2,4%) em janeiro, na maior queda em quase dois anos.

Se confirmado, o desempenho tende a reforçar a perspectiva de retomada moderada da economia brasileira no primeiro trimestre deste ano. Já na comparação com igual mês de 2017, a atividade do setor deve crescer pelo décima vez seguida, em +4,0%. Nos EUA, sai apenas o desempenho do setor automotivo em março ao longo do dia, com os números sobre a produção e a venda de veículos pelas montadoras no país.

Tal quadro deve elevar a disputa entre a indústria tradicional do “chão de fábrica” e a revolução 4.0, da qual Trump parece avesso, em mais um sinal do quão retrógrado é o líder da maior potência mundial, que se mostra determinado em esvaziar o Vale do Silício, dando preferência a Detroit e relegando a importância da economia web à atividade norte-americana. Nesse caso, Jack Ma, o presidente da Alibaba, agradece.

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