Comprar ou vender?

Pré-Market: O império contra-ataca

14 mar 2018, 7:47 - atualizado em 14 mar 2018, 7:47

Olivia Bulla é jornalista e escreve diariamente sobre os mercados financeiros no blog A Bula do Mercado

A atividade econômica na China se expandiu em um ritmo muito mais rápido que o esperado nos dois primeiros meses de 2018, sugerindo que a segunda maior economia do mundo segue robusta e com vigor para desafiar a guerra comercial e as investidas protecionistas de Donald Trump. Trata-se apenas do primeiro sinal do gigante emergente aos Estados Unidos, com o governo de Pequim alegando que os desequilíbrios comerciais entre os dois países são resultado da disputa natural por mercado.

A produção industrial chinesa cresceu 7,2% no agregado de janeiro e fevereiro, mais que a previsão de 6,1%, e as vendas no varejo aceleraram a 9,7% no período, de +9,6% esperado e após avançar 9,4% em dezembro, ao passo que os investimentos em ativos fixos subiram 7,9% no primeiro bimestre deste ano, superando a expectativa de alta de 7% e ganhando tração em relação ao aumento de 7,2% em igual período do ano passado.

Além disso, o setor imobiliário da China, que representa um terço do crescimento econômico do país, mostrou resiliência, com o investimento em imóveis comerciais e residenciais aumentando 9,9% nos dois primeiros meses deste ano. As vendas dessas novas construções continuaram crescendo a um ritmo de dois dígito, em +15,7%, apesar da desaceleração em relação a dezembro (+21,2%), em meio à repressão do governo chinês contra a especulação imobiliária e a criação de um imposto sobre a propriedade.

Após esses números fortes, as principais commodities metálicas responderam em alta, com destaque para o minério de ferro, que interrompeu a sequência de quedas na Bolsa de Dalian e encerrou o dia com ganhos. Nas bolsas, porém, o sinal negativo prevaleceu na Ásia, sob impacto das perdas de ontem em Wall Street. Xangai e Hong Kong caíram 0,5%, cada, ao passo que as perdas em Tóquio foram maiores, de -0,9%.

Já na Europa, as principais bolsas da região abriram pesadas, mas passaram a ensaiar alta, em meio às declarações do presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, de que é preciso novas evidências para afirmar que a dinâmica da inflação está se movendo para cima. O euro perdeu força, na esteira do tom suave (“dovish”) na fala do comandante da autoridade monetária da região da moeda única, dando mais tração ao dólar.

A moeda norte-americana é influenciada pelo aprofundamento da turbulência política na Casa Branca, após a decisão do presidente norte-americana de inesperadamente demitir o secretário de Estado, Rex Tillerson, e substituí-lo pelo então diretor da CIA, Mike Pompeo. Os investidores esperam, agora, novas baixas no governo Trump, principalmente de pessoas relacionadas à política comercial – embora muitos ainda estejam digerindo o pedido de demissão do conselheiro econômico Gary Cohn, na semana passada.

A agenda econômica está mais carregada no exterior, onde o destaque fica com as vendas no varejo dos Estados Unidos em fevereiro, às 9h30. No mesmo horário, sai o índice de preços ao produtor (PPI) no mês passado. Depois, às 11h, é a vez dos estoques das empresas em janeiro e, às 11h30, saem os estoques semanais de petróleo bruto e derivados no país. Na Europa, será conhecido o desempenho da indústria em janeiro (7h).

Ontem, os números da inflação ao consumidor norte-americano (CPI) em fevereiro dentro do esperado reforçaram a perspectiva de que o Federal Reserve deve manter o gradualismo no processo de alta da taxa de juros nos EUA. A expectativa é de que o Fed aumente o custo do empréstimo no país pela primeira vez neste ano na semana que vem, mas a questão é saber como a autoridade monetária irá agir após o encontro deste mês.

Antes o plano de voo do Banco Central norte-americano fosse o único problema vindo dos EUA. A preocupação é de que Trump irá formar uma equipe mais inclinada ao protecionismo, elevando o tom em relação às restrições ao comércio global e tendo como alvo a China. A Casa Branca estuda impor US$ 60 bilhões em tarifas de importação aos produtos chineses, visando o que o presidente chama de práticas injustas de outros países.

Com muitas razões para atingir a China, Trump não deveria se esquecer que Pequim tem em mãos o maior estoque de títulos da dívida norte-americana no mundo e basta se desfazer de boa parte desses papéis (Treasuries) para provocar a derrocada do governo dos EUA. Isso não significa que Trump esteja totalmente errado, pois quando se trata de China não há relações comerciais justas. Mas o ponto é que os EUA tem uma capacidade muito limitada para fazer algo e a China pode usar sua principal arma financeira, pois sua posição de maior detentora de Treasuries não é um ato de caridade – mas sim uma estratégia econômica.

No Brasil, o calendário doméstico está esvaziado e traz apenas os dados parciais de março do fluxo cambial. Depois de ter encerrado fevereiro com um saldo negativo de aproximadamente US$ 1,5 bilhão entre a entrada e a saída de dólares do país, o início deste mês deve ter mantido o ritmo e continuado com essa conta deficitária, novamente por causa do desempenho do lado financeiro.

Afinal, enquanto a balança comercial registrou superávit de US$ 2 bilhões nas duas primeiras semanas de março, os investidores estrangeiros mantiveram a retirada de recursos da renda variável, resgatando cerca de R$ 2,5 bilhões apenas no início deste mês, após saídas de mais de R$ 4 bilhões em ações em fevereiro. Com isso, o saldo de capital externo na Bolsa no ano, que encostou em R$ 10 bilhões em janeiro, já é inferior a R$ 2 bilhões.

Os números mostram que após um começo de ano bastante favorável, com um movimento global de realocação de recursos em ativos mais arriscados, a percepção de que o Federal Reserve pode aumentar a taxa de juros norte-americana em um ritmo mais intenso engatou um movimento de realização de lucros. Não se trata, por ora, de uma forte onda vendedora (selloff), mas tampouco a maré está favorável para a tomada de risco.

A impressão que se tem é de que os gringos só devem voltar a alocar recursos no país com mais vigor assim que for definido quem será o próximo presidente brasileiro. Aliás, a depender do resultado nas urnas, possa ser que o capital externo nem volte, já que o mercado financeiro tem preferência por alguém capaz de avançar com a agenda de reformas – mas ainda não se sabe quem será esse candidato nem se irá ganhar votos. A conferir.

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