Pré-Market: O dia que não terminou
Olivia Bulla é jornalista e escreve diariamente sobre os mercados financeiros no blog A Bula do Mercado.
No dia em que população bradava nas ruas para protestar contras as reformas no Brasil e que Brasília causava ruídos após os pedidos para investigar políticos em esquemas de corrupção, os mercados domésticos desviaram o foco e só quiseram ouvir o tom suave (“dovish”) vindo do Federal Reserve. Mas vai ser difícil os investidores manterem o sangue-frio, mesmo diante do otimismo renovado no cenário internacional hoje.
Por ora, a percepção dos negócios locais é de que a “Lista de Janot” pode causar boatos e apreensão por muitos meses, mas com um impacto espalhado entre muitos partidos, sem provocar um colapso da governabilidade do presidente Michel Temer. O próprio governo tenta se esquivar do assunto, mas já demonstrou interesse pela quebra de sigilo de todos os nomes envolvidos nos inquéritos.
O número de ministros que podem ser investigados já subiu para seis, com a revelação do nome de Marcos Pereira, da antiga pasta do MDIC. A questão é que o relator da Lava Jato, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, só deve divulgar os envolvidos à medida que autorizar a abertura de inquérito. Afinal, se algum dos 83 processos for arquivado, não tem porquê tornar público o nome das cerca de 170 pessoas.
De qualquer forma, a tentativa de envolvimento da Advocacia-Geral da União (AGU) no assunto mostra a tensão – se não, o desespero – de Temer e de todo o seu governo em salvar a própria pele e o nervosismo criado com a divulgação a conta-gotas. Com a rejeição há muito tempo em alta, e ainda em ascensão, e diante da necessidade de emplacar uma pauta tão impopular, o receio com um atraso no cronograma de votação das reformas, em especial da Previdência e a trabalhista, tende a continuar.
Mas depois que a agência de classificação de risco Moody’s avalizou o que vem sendo feito pelo governo, o discurso de que essas reformas são essenciais ao país tende a ganhar força. Em meio a uma quarta-feira agitada, a cereja do bolo ficou com a revisão da perspectiva da nota de crédito (rating) do Brasil, de negativa para estável.
Para a Moody’s, as chances de deterioração do país diminuíram e as condições macroeconômicas estão se estabilizando, com a economia apresentando sinais de recuperação. A trajetória de queda da inflação e o cenário fiscal mais claro sustentam essa leitura.
Mais que isso, a “solidez” das instituições dá sustentação à planejada implementação de reformas fiscais estruturais. Para o Ministério da Fazenda, a melhora na perspectiva da nota é um “reconhecimento importante dos recentes esforços”.
Mas o grande teste para averiguar a credibilidade do país aos olhos dos estrangeiros é o programa de concessões e privatizações, principalmente em infraestrutura. E essa premissa de que o ingresso de recursos produtivos no Brasil é viável e seguro ainda não parece convincente – não antes das eleições de 2018.
Tal visão ainda mantém o país como um porto do capital especulativo. É o fluxo maciço de recursos externos que visam ganho financeiro rápido – e não o “espírito selvagem” que mira o investimento – que fez a Bovespa retomar ontem o nível dos 66 mil pontos e levou o dólar à maior queda em seis meses, de volta à faixa de R$ 3,10. O rendimento pago pelos juros elevados no país também segue atrativo.
Todo esse movimento foi amparado pelo gradualismo do Fed que agradou aos investidores. Ao subir a taxa norte-americana em 0,25 ponto percentual, para o intervalo entre 0,75% e 1%, e admitir apenas outras duas novas altas ao longo de 2017, a autoridade monetária reforçou o ritmo suave de aumento dos juros nos Estados Unidos.
O voto dissidente na decisão de ontem, o comunicado que acompanhou o anúncio e a própria fala da presidente do Fed, Janet Yellen, soaram como música aos mercados, que embarcaram rumo aos ativos de maior risco. Os índices futuros das bolsas de Nova York seguem com ganhos firmes nesta manhã, embalando a sessão na Ásia e também na Europa.
O rendimento (yield) do título norte-americano de 10 anos (T-note) volta a ser negociado abaixo de 2,50%, ao passo que, entre as commodities, o petróleo e o ouro estendem os ganhos. O dólar, por sua vez, mostra maior estabilidade em relação aos rivais, após as perdas acentuadas da véspera, e mede forças ante as moedas emergentes.
Atento ao comportamento da moeda norte-americana, o Banco Central brasileiro anunciou que começa hoje a rolagem dos contratos de dólar com vencimento em abril, via o leilão de swap cambial tradicional. A autoridade monetária irá oferta até 10 mil contratos em uma operação equivalente à venda de dólares no mercado futuro, diante dos US$ 9,7 bilhões que vencem no início do mês que vem.
O anúncio deve facilitar a trajetória de queda da taxa básica de juros (Selic). Afinal, um dólar muito forte pode prejudicar a inflação. Resta saber se esses movimentos observados no exterior irão se repetir nos mercados domésticos, em meio ao intenso noticiário político.
Na agenda econômica do dia, o calendário local segue fraco e traz apenas uma nova leitura do IPC-S neste mês (8h). No exterior, as atenções se voltam para a decisão de juros do Banco Central da Inglaterra (BoE), às 9h, em meio ao início do processo de saída do Reino Unido da União Europeia (UE).
Os BCs da Turquia (9h) e do Chile (18h) também atualizam suas respectivas políticas monetárias. Nos EUA, o dia seguinte ao Fed traz dados sobre a construção de novas casas em fevereiro, a atividade industrial na região da Filadélfia e os pedidos semanais de auxílio-desemprego, todos às 9h30.