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Pré-Market: O Brasil não é para principiantes

02 ago 2018, 8:55 - atualizado em 02 ago 2018, 8:55

Olivia Bulla é jornalista e escreve diariamente sobre os mercados financeiros no blog A Bula do Mercado

O mercado financeiro deve redobrar a postura defensiva hoje, com o noticiário político das últimas horas reforçando a complexidade do cenário eleitoral no Brasil a cerca de três meses das eleições presidenciais e com a disputa ainda totalmente indefinida e em aberto. A cautela no exterior por causa da guerra comercial contribui para o sentimento mais negativo nos negócios locais.

O dia foi de perdas aceleradas na Ásia, com quedas de mais de 2% em Xangai e em Hong Kong, após os Estados Unidos confirmarem a intenção de elevar de 10% para 25% as tarifas sobre US$ 200 bilhões em produtos chineses. O mais recente lance da Casa Branca na saga protecionista ofusca a mensagem otimista do Federal Reserve ontem e aciona a busca por proteção, inibindo o apetite por ativos de risco.

O sinal negativo se espalha para as bolsas europeias e os índices futuros em Nova York, com os investidores abalados pelas novas ameaças do governo Trump ao livre comércio. O dólar ganha terreno em relação às moedas rivais, com destaque para o novo recorde de baixa da lira turca, após sanções impostas ao país pelos EUA. Os metais básicos estendem o declínio, mas o petróleo se estabiliza.

Por aqui, os investidores digerem a movimentação na cena política à luz das eleições de outubro e até podem se animar com o isolamento da candidatura de Ciro Gomes, após o acordo fechado entre PT e PSB. A leitura mais imediata é de que tal aliança pode beneficiar Geraldo Alckmin (PSDB) no pleito. Mas o cenário é bem mais complexo.

A começar pela decisão da Corte Suprema (STF) de julgar o pedido de liberdade do ex-presidente Lula até o dia 15 de agosto, quando termina o prazo para o registro das candidaturas ao pleito de outubro. A sessão deve ser marcada já na próxima semana, assim que a pauta for liberada pelo relator, o ministro Edson Fachin.

Preso há mais de cem dias, Lula estaria articulando os movimentos da campanha do PT, visando isolar o rival à esquerda mais competitivo na disputa para presidente. Relatos na imprensa dão conta de que o PT teria desistido de disputar o governo em Pernambuco e em outros três Estados em troca de uma neutralidade nacional do PSB no primeiro turno.

Ciro é o adversário direto do PT na disputa por votos entre os eleitores do Norte e Nordeste. Sem aliança com outros partidos, o candidato do PDT teria apenas 5% do horário eleitoral. E a propaganda gratuita ainda é muito importante, o que beneficia o ex-governador de São Paulo, com cerca de 40% do tempo na TV, após angariar o apoio do “Centrão”.

Contudo, Lula teria usado sua influência no jogo político e feito pesar a relação familiar para a recusa do empresário Josué Alencar como vice do tucano. Além do acordo em Pernambuco, os petistas também vão coligar com o PSB na Paraíba, Amazonas e Amapá. No Maranhão, o PT vai apoiar o PCdoB.

Nos cálculos de Lula, a eleição será novamente polarizada entre direita e esquerda e só há espaço para um nome de cada campo. Nos bastidores, o PT já admite uma eleição sem seu principal líder e veem Manuela D’Ávila como opção. Ontem, em discurso que oficializou sua candidatura, a deputada estadual no Rio Grande do Sul defendeu uma “unidade” da esquerda.

Enquanto a unidade é crucial para a viabilização de qualquer candidatura, os principais rivais à esquerda se digladiam em torno do processo eleitoral, a direita tampouco está fortalecida em um bloco partidário e o Centro falhou em trazer a figura de um outsidercomo alternativa. Portanto, ainda tem muito água para rolar até o eleitor confirmar o voto nas urnas.

Já no front econômico, os bancos centrais do Brasil e dos Estados Unidos não assustaram em suas decisões ontem e falharam em dar pistas sobre os próximos passos, mantendo os investidores em suspense. Mas não se deve esperar a mesma falta de novidade por parte do BC da Inglaterra (BoE), que se reúne hoje para decidir sobre a taxa de juros (8h).

A previsão majoritária é de um novo aumento no custo do empréstimo do país, para 0,75%. Contudo, há apostas residuais de manutenção do juro britânico em 0,50%, diante das incertezas do Brexit. Trata-se de um dos destaques do dia, que traz também a decisão de política monetária do BC do México (Banxico), onde a taxa básica deve seguir em 7,75%.

No Brasil, a Selic ficou estacionada em 6,50% em decisão unânime. No comunicado, o Copom esquivou-se em sinalizar qualquer trajetória para a taxa básica de juros, não dizendo se pensa em elevar, cortar ou manter o custo do empréstimo nas próximas reuniões. Segundo o BC, os próximos passos vão depender da atividade, da inflação e do balanço de risco.

Nesse cenário, o Copom considera tanto os riscos crescentes para economias emergentes advindos do exterior quanto a frustração com as reformas e os ajustes necessários na economia brasileira. Neste último quesito, a eleição deste ano tem um peso importante, tornando-se um fator preponderante para o mercado doméstico no curto prazo.

Nos EUA, o Fed reiterou o ritmo gradual no ciclo de aperto monetário. Ainda assim, o forte crescimento da economia norte-americana no segundo trimestre deste ano e a inflação ao consumidor girando em torno do alvo de 2% sustentam as apostas de que a taxa de juros no país vai subir novamente no mês que vem, para o intervalo de 2% a 2,25%.

O ritmo gradual de aumento do custo do empréstimo mostra que os membros do Fed ainda querem ver se a condição de pleno emprego nos EUA pode continuar atraindo pessoas para a força de trabalho, o que produziria salários cada vez mais altos, acumulando pressão inflacionária. Nesse cenário, segue viva a chance de uma quarta alta neste ano, em dezembro.

Os números robustos da ADP ontem sobre a geração de vagas no setor privado norte-americano reforçam essa perspectiva. Afinal, no auge das férias de verão no hemisfério norte, a economia dos EUA criou 219 mil postos de trabalho, bem mais que a previsão de abertura de 186 mil vagas.

O dado fez com que o rendimento (yield) dos títulos do país de 10 anos (T-note) rompesse a marca psicológica de 3% pela primeira vez em quase 3%. Nesta manhã, o papel segue acima dessa faixa, pressionado também pelo programa de emissão de dívida do Tesouro norte-americano e à espera do relatório oficial de emprego nos EUA (payroll), amanhã.

Combinados, a mensagem levemente dura (“hawkish”) do Fed e o movimento dos bônus norte-americanos buscam atuar na direção de impedir uma apreciação adicional dos ativos de risco pelo mundo. Afinal, o mercado financeiro global está adentrando em um contexto de menor liquidez global, prestes a completar dez anos da crise de 2008.

Hoje, a agenda econômica norte-americana traz apenas os pedidos semanais de auxílio-desemprego feitos no país (9h30). No Brasil, destaque para o desempenho da indústria em junho (9h), que deve mostrar recuperação, devolvendo o impacto da greve dos caminhoneiros na atividade em maio.

A previsão é de expansão de dois dígitos, nas duas bases de comparação. Se confirmada a estimativa, os dados tendem a corroborar a avaliação expressa ontem pelo Copom, de que os efeitos da paralisação do setor de transporte de cargas estão se revelando temporários. Porém, a autoridade monetária não descarta algum impacto mais perene sobre a dinâmica doméstica.

O problema é que a incerteza política no país tem diminuído o ímpeto da recuperação econômica, adiando a decisão de investimento dos empresários e retardando o consumo. O desemprego elevado e a renda salarial baixa também contribuem para a fraca demanda interna, mantendo elevada a ociosidade das empresas e reduzindo o fôlego da economia até o fim do ano.

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