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Pré-Market: Mercado tem dor de cabeça com BCs

14 jun 2018, 8:00 - atualizado em 14 jun 2018, 7:35

Olivia Bulla é jornalista e escreve diariamente sobre os mercados financeiros no blog A Bula do Mercado.

Mal o mercado financeiro digeriu a mensagem mais agressiva (“hawkish”) do Federal Reserve, confirmando que serão quatro altas na taxa de juros dos Estados Unidos neste ano, os investidores já se preparam para um tom mais duro também do Banco Central Europeu (BCE). Em meio aos sinais de que os estímulos artificiais ficaram para trás, os países emergentes sentem o choque, com a China perdendo tração frente às ameaças protecionistas.

A atividade industrial chinesa cresceu 6,8% em maio, em base anual, desacelerando-se em relação à alta de 7,0% em abril e também ficando abaixo da previsão de manutenção do ritmo. No varejo, as vendas avançaram 8,5% no mês passado em relação a um ano antes, perdendo tração após a alta de 9,4% no mês anterior e contrariando a estimativa de +9,6%.

Já os investimentos em ativos fixos não-rurais no país subiram 6,1% em maio, enquanto as vendas de imóveis nas cidades chinesas tiveram alta de 12,8% desde janeiro. Após esses números sugerirem uma economia que está perdendo vapor, o BC chinês (PBoC) esquivou-se em acompanhar a decisão de ontem do Fed, ao contrário do ocorrido em março.

A principal taxa de juros na China permaneceu inalterada e especula-se, agora, que o PBoC possa reduzir o compulsório bancário no país, de modo a estimular a liberação de crédito na economia. Enquanto isso, a Casa Branca prepara medida para impor US$ 50 bilhões em tarifas em produtos chineses, após o fracasso nas negociações comerciais com Pequim.

Em reação, as bolsas de Hong Kong e Xangai fecharam em queda, de -0,8% e -0,2%, seguindo uma sessão de perdas na Ásia, na esteira do sinal negativo que prevalece em Wall Street, ainda sob o efeito do Fed na véspera, quando elevou o custo do empréstimo nos EUA pela segunda vez neste ano. As bolsas europeias também aguardam o BCE no vermelho.

O dólar recua, acompanhando a queda no rendimento (yield) dos títulos norte-americanos de 10 anos (T-note), com o euro avançando ao maior patamar em um mês, enquanto a lira turca se recupera, mas o dólar australiano recua. Os bônus europeus também têm alta, à espera do BCE. Nas commodities, o petróleo está de lado.

A decisão do BC dos EUA de elevar para quatro o total de altas previstas no juros em 2018, de uma previsão original de somente três aumentos neste ano, reflete uma trajetória consistente do crescimento econômico norte-americano. Ainda assim, embora tenha alterado o plano de voo, o Fed não mudou a projeção sobre o final do ciclo de alta em 2020, em 3,4%.

Ou seja, as previsões indicam um ritmo mais rápido de aperto monetário neste e no próximo ano – com mais três altas em 2019 – mas a taxa de juros no fim do processo permanece a mesma. Isso porque, considerando-se o duplo mandato do Fed, não há sinais de que a inflação ao consumidor irá disparar, enquanto quem procura emprego nos EUA, encontra.

Trata-se de um quebra-cabeça embaralhado. Com as modificações mais duras que o esperado, a linguagem sobre o gradualismo no processo de normalização da política monetária foi enfraquecida, mas o Fed parece mais confiante com o cenário de recuperação da economia. E essa mesma indefinição pode ser sinalizada pelo BCE hoje, provocando mais surpresas.

A decisão sobre a taxa de juros na zona do euro é o destaque desta quinta-feira (8h45). A expectativa é de que a autoridade monetária mantenha a taxa de juros na região da moeda única europeia em zero, mas indique que o fim do programa de recompra de títulos está próximo.

O programa está previsto para durar até setembro, mas o BCE vem deixando em aberto a possibilidade tanto de uma prorrogação quanto de uma antecipação desse estímulo, denotando uma falta de consenso maior. Com isso, merece atenção a entrevista coletiva do presidente do BCE, Mario Draghi, às 9h30.

Economista e banqueiro de carreira, Draghi sabe dosar o tom para não parecer um “falcão” pronto em frear a economia ao menor sinal de inflação nem um “pombo” indiferente aos riscos de aquecimento – da atividade e dos preços. A diferença dele para o presidente Fed é que Jerome Powell é advogado, que prefere ser pragmático, mostrando bons resultados.

Ainda na agenda econômica do dia, nos EUA, saem as vendas no varejo em maio, os pedidos semanais de auxílio-desemprego  e os preços de importação e exportação no mês passado – todos às 9h30. Às 11h, é a vez dos estoques nas empresas norte-americanas em abril.

Já no calendário doméstico, destaque apenas para o desempenho do setor de serviços em abril (9h). Também serão conhecidos números sobre as condições e as expectativas da economia brasileira em maio (11h).

Por aqui, o destaque continua sendo a agressiva intervenção do BC brasileiro no mercado de câmbio, que tem sustentado artificialmente o dólar ao redor de R$ 3,70. A pergunta que fica entre os investidores é: se não fosse o fator surpresa dos leilões de swap cambial, qual seria o patamar do dólar atualmente?

Mais que isso, qual será o comportamento da moeda norte-americana quando a venda diária de dólares no mercado futuro terminar? O BC local prometeu oferecer até US$ 20 bilhões em contratos de swap cambial até amanhã, sendo que já atendeu demanda de mais de US$ 13 bilhões nessas operações.

A atuação da autoridade monetária cria um grande desequilíbrio no mercado doméstico, distorcendo os negócios na renda fixa e variável. Ontem, a Bolsa brasileira voltou um pouco mais no tempo e fechou no menor nível desde novembro do ano passado, ligeiramente acima dos 71 mil pontos. Nos juros futuros, há um firme movimento de recomposição de prêmios.

Diante da mudança de postura dos principais BCs do mundo e do cenário mais desafiador para os países emergentes, combinados ainda com as incertezas locais até as eleições, a tendência para o mercado doméstico é cristalina: o Brasil ainda está caro e a deterioração dos ativos tende a continuar. A conferir.

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