Pré-Market: Mercado cai na real
Olivia Bulla é jornalista e escreve diariamente sobre os mercados financeiros no blog A Bula do Mercado
O mercado financeiro no Brasil dedicou o dia seguinte à inesperada decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) para externar toda a ira com o contrapé dado pelo Banco Central. A surpresa com a manutenção da taxa básica de juros em 6,50% provocou um ajuste nos preços dos ativos locais, ampliando a pressão no dólar e recompondo os prêmios nos juros futuros, ao passo que a bolsa desceu mais de 3 mil pontos.
O que houve, na verdade, foi uma reversão de expectativas. Ou, no jargão do mercado, um desmonte de posições, que acionou ordens de stop loss (perda máxima aceitável), intensificando o movimento dos mercados domésticos. Todos sabiam que, uma hora, essa correção viria.
Não é, portanto, culpa do BC. Mas de expectativas que foram montadas em cima de um cenário pouco factível e condizente com a realidade. Por isso, não adianta só agora trazer à tona todos problemas internos dos quais se fala há tempos – incerteza eleitoral, crise fiscal, insucesso nas reformas etc. – e dos quais o investidor (e economistas) vinha ignorando, surfando na onda da liquidez global – que, aliás, mingou.
Sem entrar no mérito da questão sobre a falha na comunicação da autoridade monetária, a pergunta que fica é: e se a Selic tivesse caído mais 0,25 ponto na quarta-feira, para onde teria ido a taxa de câmbio? Ontem, o dólar subiu pela quinta sessão seguida e encerrou no maior nível em pouco mais de dois anos, já na casa dos R$ 3,70. E como estariam distribuídos os prêmios nos juros futuros? Até então, praticamente não havia risco embutido nas taxas dos DIs, como se o Brasil fosse “uma suíça”.
O investidor resolveu, então, passar o Brasil a limpo e se escorou nos dados recentes de atividade e inflação, entre outros, para se dar conta de que o crescimento econômico está sob risco, com o PIB do primeiro trimestre deste ano podendo voltar ao vermelho, e que a trajetória de alta dos preços só deve seguir comportada por causa do espaço estreito para repassar pressão de custos, em um ambiente de baixa demanda e elevado desemprego.
Tal cenário deve levar o mercado financeiro a revisar, cada vez mais, as projeções deste ano para o PIB, reduzindo a expectativa de expansão, e para o IPCA, colocando o índice oficial de preços ao consumidor mais próximo à meta de 4,5%. Já o dólar é a grande incógnita, mas deve encerrar 2018 não muito distante da marca de R$ 3,60. Assim, é exagerado dizer que é a manutenção da taxa Selic em 6,50% que vai afetar a conjuntura geral brasileira.
O fato é que Ilan Goldfajn percebeu que não é fácil sentar na cadeira do BC, tomando a dianteira nas decisões sobre a Selic. O pé no freio colocado por ele, em uma decisão “fechada” com todo o colegiado, fez lembrar o cavalo-de-pau dado por seu antecessor, Alexandre Tombini, que, em 2015, deu uma guinada na condução da Selic entre uma reunião e outra, interrompendo um ciclo de queda dos juros e dando início a um processo de alta.
Aos poucos, porém, o mercado doméstico vai perceber que, do ponto de vista técnico – ou seja, independentemente da comunicação falha – o BC acertou. Não adianta espernear, dizendo que se a autoridade monetária está preocupada com o dólar, porque o investidor não ficaria? Afinal, a moeda norte-americana já acumula alta de quase 20% em cerca de um ano e a velocidade no movimento recente de depreciação do real deixa claro que há algum exagero.
Sentimentos à parte, o investidor sabe que a decisão do Copom, no fim, foi apenas para domar a escalada do dólar contra o real e reduzir a volatilidade nos negócios, em meio à piora do cenário externo. Reduzir os juros básicos ainda mais iria na direção contrária de tal objetivo, sendo que o próximo encontro do BC será uma semana depois da decisão de junho do Federal Reserve, quando o juro norte-americano deve subir pela segunda vez neste ano.
Por isso, a sexta-feira deve ser dedicada a novos ajustes nos preços dos ativos locais e o mercado deve aproveitar a agenda econômica mais fraca do dia para reavaliar os cenários – mas sem alterar o viés de alta do dólar, a tendência de baixa da Bolsa nem a recomposição de prêmios nos juros futuros. Lá fora, não há a previsão de nenhum indicador nos Estados Unidos, enquanto aqui sai só mais uma prévia de maio do IGP-M (8h).
Para a dinâmica dos mercados globais, o principal ponto continua sendo o desempenho do dólar em relação às moedas rivais e do juro projetado pelo título norte-americano de 10 anos (T-note), que furou a marca de 3% e segue conquistando novos patamares. Enquanto a moeda norte-americana pode provocar inflação no mundo, o avanço no retorno dos bônus dos EUA tende a atrair recursos aplicados em países de maior risco.
A isso, soma-se um presidente com postura de durão, que cria confrontos que impactam no comércio global e em questões geopolíticas, provocando uma busca por proteção em ativos seguros e intensificando o preço de matérias-primas, como o petróleo. Essa espiral ascendente intensifica a possibilidade de alta do juro norte-americano de modo mais incisivo neste ano. Atento a isso, o mercado financeiro atropelou o Fed e içou a T-note de 10 anos acima de 3%.
Nesta manhã, o juro projeto pelo título referencial norte-americano segue na faixa de 3,10%, estabilizando-se neste nível, após alcançar o maior patamar desde 2011. Já o dólar volta a ganhar força, com o euro pressionado pelas incertezas políticas na Itália, ao passo que a lira turca renova o nível recorde de baixa.
Nas commodities, o barril do petróleo Brent se afasta da marca de US$ 80, enquanto o WTI segue acima de US$ 70, em meio às tensões geopolíticas no Oriente Médio e aos sinais de redução dos estoques. Entre as bolsas, o sinal é indefinido na Europa, após uma sessão mista na Ásia, apesar do avanço ensaiado em Wall Street.
De modo geral, os investidores seguem atentos às negociações comerciais entre EUA e China, o que ainda pesa nos negócios, impedido uma recuperação dos ativos de risco no exterior. Mas o próprio presidente norte-americano Donald Trump já reduziu as expectativas de um acordo, alegando que Pequim tornou-se muito “mimada”.