Comprar ou vender?

Pré-Market: Às favas com os escrúpulos

18 out 2017, 9:40 - atualizado em 05 nov 2017, 13:53

Olivia Bulla é jornalista e escreve diariamente sobre os mercados financeiros no blog A Bula do Mercado

Depois que o Senado safou Aécio Neves da ameaça de perder o mandato, não restam dúvidas de que a Câmara também deve livrar Michel Temer e aprovar o parecer pelo arquivamento da denúncia que impera contra o presidente pelo crimes de organização criminosa e obstrução de Justiça. Por mais que haja certa frustração popular, com a corrupção vencendo a decência, os mercados domésticos devem respirar aliviados hoje, à medida que os imbróglios políticos vão se resolvendo e a pauta econômica volta à cena.

No dia seguinte à salvação do mandato de Aécio Neves no Senado, por 44 votos a 26, os holofotes em Brasília se voltam para a denúncia contra Temer. Ele, aliás, teria coordenado pessoalmente a operação livrar o senador, costurando o apoio do PMDB, e deve, agora, contar com a recompensa dos deputados tucanos para garantir os votos necessários na Câmara. A análise da denúncia será retomada pela manhã e a votação deve acontecer ainda hoje, após 10 horas de discussão no primeiro dia de debates na CCJ.

Mas os investidores devem apenas monitorar o cenário político, tentando se esquivar da armação ilimitada orquestrada entre os Poderes e concentrando-se nas apostas de que o resto vai bem. Por isso, as atenções tendem à se voltar à agenda econômica e o destaque desta quarta-feira é o desempenho da atividade econômica em agosto (8h30), em dados compilados pelo Banco Central (IBC-Br).

A questão é que por mais que o discurso reinante seja de recuperação da economia, com o país voltando aos trilhos, a expectativa é de um número negativo em relação a julho (-0,3%), refletindo os resultados decepcionantes da indústria, do varejo e do setor de serviços no período. Já na comparação com um ano antes, o resultado deve ser positivo, o que pode corroborar a ideia de que, ao mesmo, o Brasil neste ano está melhor do que no ano passado.

Antes, sai o primeiro Índice Geral de Preços deste mês, o IGP-10 (8h). Depois, o BC volta à cena para anunciar os dados semanais do fluxo cambial (12h30), com os informes sobre a entrada e a saída de dólares no país. Ainda sem data definida, é esperada para breve os números da arrecadação do governo federal em setembro, que deve reacender a discussão sobre as contas públicas – que continua sendo o Calcanhar de Aquiles do país.

Após ter revisado o tamanho do rombo nos cofres do governo em 2017, para R$ 159 bilhões, a equipe econômica pode encontrar dificuldades para explicar as dificuldades em alcançar esse número, com o déficit sendo ainda maior. Afinal, o toma-lá-dá-cá promovido por Temer para se salvar da primeira (e da segunda) denúncia contra ele elevou os gastos públicos, sendo que as despesas discricionárias já haviam sofrido grandes cortes.

Ao mesmo tempo, as receitas – esperadas e extraordinárias – ficaram aquém do esperado, seja por causa da frustração com alguns programas, como o da repatriação de recursos no exterior, seja por causa da demora em leilões de concessão, como o da Cemig. É bom lembrar que sem melhora no lado fiscal, as agências de classificação de risco podem voltar a agir, agravando ainda mais a nota do Brasil enquanto possível caloteiro.

Ainda mais porque o cronograma para a reforma da Previdência está bem apertado e, dificilmente, a pauta irá avançar no Congresso neste ano. Por mais que se tente criar uma expectativa de apreciação do texto em novembro, a proposta deve ser bem desidratada, atingindo até pontos não negociáveis, como a idade mínima para aposentadoria, o tempo de contribuição e a regra de transição.

No exterior, o calendário do dia traz dados norte-americanos do setor imobiliário (10h30), os estoques semanais de petróleo bruto e derivados no país (12h30) e o Livro Bege do Federal Reserve (16h). Mas a dúvida envolvendo o Fed é quem será o próximo presidente. O chefe da Casa Branca Donald Trump vai entrevistar cinco candidatos, nos moldes de um processo seletivo em uma empresa, e espera ter uma definição antes da viagem à Ásia, em novembro.

Mais do que um nome em si, a principal questão é saber o viés do substituto da atual comandante, Janet Yellen. Ela é vista como mais suave (“dovish”) na condução do processo de alta da taxa básica de juros norte-americana e o receio é de que assuma alguém mais conservador (“hawkish”), que intensificaria o ritmo de aumentos. À espera de novidades, os mercados internacionais flutuam em níveis estreitos nesta manhã, assimilando o tamanho dos ganhos recentes.

Ainda lá fora, merece atenção o início do 19º Congresso Nacional do Partido Comunista da China. Uma vez que o crescimento econômico do gigante emergente deixou de ser uma preocupação, o foco no encontro estará dividido entre as discussões sobre a dívida dos governos regionais, a alavancagem financeira (shadow banking) e a queda nos preços (e nas vendas) de imóveis.

Nesse cenário, o Banco Central chinês (PBoC) deve manter uma política monetária neutra. Porém, algum movimento pode ser feito na taxa de reserva (RRR), equivalente aos compulsórios bancários injetando liquidez no sistema e dando suporte à economia real. Afinal, o crescimento dos empréstimos bancários na China tem se mantido estável desde o início do ano.

O fato é que a segunda maior economia do mundo vem divulgando dados consistentes há um bom tempo, o que tem sustentado os ativos de países emergentes, como o Brasil, e as commodities industriais. Esse suporte chinês tem garantido o fluxo de recursos em busca de maiores retornos, ainda que sob maior risco.

Por isso, nem mesmo a falta de vergonha da classe política brasileira tem impedido o ingresso maciço de capital externo ao país. Afinal, governos passam.

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