Pré-Market: A guerra comercial começou
Olivia Bulla é jornalista e escreve diariamente sobre os mercados financeiros no blog A Bula do Mercado.
Não restam mais dúvidas no mercado financeiro de que as duas maiores economias do mundo estão, de fato, em uma guerra comercial. E essa certeza aciona o modo “risk off” no exterior, embutindo perdas aceleradas nos ativos mais arriscados. Por aqui, o mercado doméstico até que gostaria de apenas cumprir tabela hoje, à espera da decisão de juros amanhã. Mas o aprofundamento da tensão entre Estados Unidos e China deve atingir os negócios locais.
O presidente norte-americano, Donald Trump, pediu para seu governo identificar outros US$ 200 bilhões em produtos importados chineses que podem ser penalizados com sobretaxa e ameaça elevar o montante se a China retaliar novamente, podendo chegar a US$ 400 bilhões. O pedido de Trump soma-se à lista de US$ 50 bilhões que ele já tem em mãos.
Por sua vez, Pequim mantém a postura de responder na mesma moeda e ameaça impor tarifas adicionais a outros produtos “made in USA”, caso o governo Trump prossiga com uma nova rodada de tarifação. O governo chinês alertou que a pressão norte-americana pode prejudicar toda uma cadeia de produção, afetando o comércio global e encarecendo os produtos – inclusive aos consumidores norte-americanos.
A dúvida ainda é se a China continuará respondendo às investidas protecionistas de Trump apenas no lado comercial. Como maior detentora de títulos dos norte-americanos (Treasuries), financiando a dívida dos EUA com o mundo, e também dona da maior reserva em dólares, o país pode responder de outras maneiras.
Mas o governo chinês tem outras ferramentas que pode usar, pressionando diretamente as empresas norte-americanas que têm operações na terra de Mao Tsé-Tung. Uma eventual estatização dessas atividades pode ser a resposta mais provável do que qualquer outra medida que envolve moeda ou títulos.
No mercado financeiro, a escalada comercial gera incerteza e leva os investidores a saírem do risco, buscando proteção em ativos seguros. O ouro sobe junto com o iene e o juro projetado pelo título dos EUA de 10 anos (T-note) cai abaixo de 2,9%. Nas bolsas, os índices futuros de Nova York têm perdas de mais de 1%, após uma sessão de queda acentuada na Ásia.
A Bolsa de Xangai caiu quase 4%, fechando abaixo dos 3 mil pontos e no menor nível desde agosto de 2016. Em Hong Kong, o recuo foi perto de 3%. As principais bolsas europeias também abriram no vermelho, com destaque para o recuo da libra esterlina, que é cotada abaixo de US$ 1,32 pela primeira vez desde novembro.
As investidas protecionistas dos EUA abalam as commodities e moedas correlacionadas, que caem em bloco, com a lira turca renovando a mínima histórica. Esse movimento lá fora deve levar a Bolsa brasileira a novos fundos, um dia após o Ibovespa perder a faixa dos 70 mil pontos, e tende a elevar a pressão no dólar, que pode reaver o patamar de R$ 3,75.
Além do cenário externo hostil, a delicada situação fiscal e as incertezas eleitorais no Brasil, agravam o quadro negativo para os mercados domésticos, desafiando o Banco Central local.
O Comitê de Política Monetária (Copom) reúne-se a partir de hoje para decidir sobre a taxa básica de juros e os investidores até apostam em uma alta moderada da Selic. Mas a expectativa é mesmo de manutenção do juro básico em 6,50%, diante do cenário de inflação ainda comportado apesar da recente valorização do dólar.
Com isso, o foco dos negócios locais deve ficar no comunicado que acompanhará a decisão, em busca de pistas sobre a avaliação do BC em relação à situação atual. E a autoridade monetária terá de resgatar a parcimônia para convencer o mercado de que o regime é de metas de inflação – e não de câmbio, que é flutuante.
Ainda assim, o fortalecimento global da moeda norte-americana, diante da perspectiva de aumento mais rápido da taxa de juros nos EUA, tende a piorar as expectativas para o comportamento dos preços ao consumidor brasileiro. Tal perspectiva, somada aos temores fiscal e eleitoral, mantém o BC pressionado por um aperto monetário ainda neste ano.
Por ora, as apostas na curva implícita de juros futuros são de que o Copom inicie o ciclo de alta da Selic em outubro, dias após uma eventual definição do pleito presidencial em segundo turno. Portanto, como nas últimas eleições, um aumento da taxa de juros pode ocorrer logo após o voto nas urnas.
Para o encontro deste mês, o investidor não descarta totalmente a possibilidade de uma alta residual, de 0,25 ponto. Tal estratégia, ao que tudo indica, é apenas uma proteção contra surpresas desagradáveis, após o contrapé do BC em maio, quando interrompeu o ciclo de cortes na Selic, contrariando a aposta majoritária de queda adicional.
Por isso, também será importante o comunicado do Copom trazer informações sobre como o BC pretende atuar nas próximas reuniões ao longo do segundo semestre. Até o fim do ano, a autoridade monetária reúne-se mais quatro vezes, com dois encontros antes das eleições e um depois, em dezembro.
Na agenda econômica do dia, saem (8h) dados regionais sobre os preços ao consumidor (IPC-S) em meados deste mês e a segunda prévia de junho do IGP-M. No exterior, o calendário está igualmente fraco, trazendo apenas números do setor imobiliário nos Estados Unidos (9h30).