Povos indígenas do Mato Grosso ressaltam que não são responsáveis pelo fogo no Pantanal
Representante da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso, Eliane Xunakalo destacou, na Câmara dos Deputados, que os povos indígenas não são responsáveis pelos incêndios no Pantanal.
Ela participou, nesta quinta-feira (1), de debate na comissão externa que acompanha o enfrentamento das queimadas no Brasil.
Eliane ressaltou que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) fez o alerta sobre a possibilidade de incêndios, e que poderia ter havido investimento e planejamento prévio por parte dos governos estadual e federal para evitar o alastramento do fogo.
“Precisamos de mais brigadas nas áreas indígenas”, pediu. Conforme ela, agora é necessário pensar em políticas pós-incêndio. “Precisamos que os povos indígenas sejam ouvidos e precisamos que as políticas cheguem a esses povos de fato.”
Ela pediu ainda que os povos sejam lembrados na discussão do orçamento e ressaltou que há problemas de assistência médica e abastecimento de água, por exemplo.
“Empecilho ao desenvolvimento”
“A devastação ambiental, a queimada não foram praticadas pelos índios. O presidente da República planejou esta mentira para jogar a culpa nos povos indígenas”, criticou Valdevino Gonçalves Cardoso, da etnia Terena, em referência a discurso de Jair Bolsonaro na Organização das Nações Unidas (ONU).
Valdevino acredita que a destruição dos povos indígenas “é arquitetada no gabinete presidencial” e que a estrutura do governo está sendo utilizada para isso.
Na visão dele, os indígenas são considerados pelo governo como empecilho para o desenvolvimento. “Nós não somos contra o desenvolvimento”, disse. “É possível produzir em harmonia com a natureza, sem matar um pássaro, uma onça ou derrubar uma árvores”, completou. Ele acrescentou que alguns incêndios são claramente criminosos.
Calúnia
O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) considerou calúnia grave atribuir a essas populações responsabilidade sobre os incêndios. Para ele, o governo federal é omisso no combate aos incêndios e deveria mobilizar fortemente as Forças Armadas com esse fim.
“O Pantanal continua pegando fogo, e o governo federal [está] com braços cruzados”, criticou o deputado Célio Moura (PT-TO).
Mais uma vez não havia deputados da base do governo na reunião.
Pantaneiros e quilombolas
Representante da Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras, Claudia Pinho disse que as comunidades tradicionais foram cruelmente impactadas pelos incêndios, com efeitos sentidos sobre a roça, a segurança alimentar e nutricional, a qualidade da água e a relação desses povos com a natureza.
Segundo ela, as comunidades estão em situação de vulnerabilidade e já vinham sendo afetadas pelo desmatamento e a chegada de empreendimentos, como hidrovias. Ela pediu mais diálogo do Estado com as comunidades. “As políticas públicas têm que ser pensadas junto com as comunidades que aqui estão”, pediu.
“Nós, pantaneiros e quilombolas, não somos ouvidos e queremos ter voz”, concordou o representante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) João Moisés Bispo.
“O Pantanal queima porque nós não fomos ouvidos”, acrescentou. Ele destacou que as comunidades estão perdendo as plantações, porque vários rios estão secos. Segundo ele, soma-se a isso a poluição gerada pelo uso excessivo de agrotóxicos pelo agronegócio e pelo garimpo.
Ele questionou por que o governo do estado do Mato Grosso não usa o dinheiro recebido de doações internacionais para apagar o fogo. “Se nada for feito, ano que vem vai ter uma nova tragédia”, alertou.
Coordenadora da comissão externa, a deputada Professora Rosa Neide (PT-MT) garantiu que as denúncias e demandas desses povos serão levadas em conta pelo grupo.
Falta de água
Representante do Sindicato dos Servidores Públicos de Barão de Melgaço, Alex Catarino também alertou para a falta de água que afeta o povo pantaneiro. Ele observou que, como as secas devem continuar afetando os povos no futuro, é preciso pensar soluções para o problema.
“Deveria ser aproveitado o momento para se fazer trabalho de engenharia, para aprofundar lagoas que secaram, para que, no período de chuva que vem pela frente, pudessem armazenar mais água, para ser usada no futuro para combater os fogos de incêndio”, exemplificou.
Manejo do fogo
O professor Danilo Ribeiro, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, acrescentou que as políticas não devem focar no combate ao uso do fogo, mas no manejo do uso do fogo – utilizado tradicionalmente pelos povos indígenas para cozinha, caça e manejo das paisagens, por exemplo.
Segundo ele, o fogo bem usado é muito diferente dos incêndios que ocorrem agora. Ele sugeriu a expansão da atuação das brigadas para todo o ano e o aumento do financiamento para pesquisas sobre melhores estratégias de manejo do fogo. O deputado Dr. Leonardo (Solidariedade-MT) apoiou as sugestões.